“Não fiz faculdade, mas  entendi a necessidade de buscar conhecimento”

Entrevista

“Não fiz faculdade, mas entendi a necessidade de buscar conhecimento”

Reconhecido pela atuação em entidades e pelo incentivo ao futebol, Marcos Mallmann comanda a CBM

“Não fiz faculdade, mas  entendi a necessidade de buscar conhecimento”

Personalidade marcante do Vale do Taquari, Marcos André Mallmann concretizou os dois sonhos que carrega desde a adolescência: ser empreendedor e jogador profissional de futebol. A carreira nos gramados durou até os 23 anos, época em que passou por clubes como o Lajeadense e o Estrela FC. Hoje, ele é um dos principais apoiadores do futebol amador na região.
Após seis anos trabalhando no comércio, em 1989 ele abriu a CBM Materiais de Construção junto com dois sócios, em uma sala de 40 metros quadrados no bairro Montanha. Prestes a completar 30 anos, e empresa hoje especializada em materiais elétricos atende em um espaço de 900 metros quadrados e tem um portfólio com mais de 15 mil itens.
Apesar de não ter cursado a universidade, Mallmann valoriza o conhecimento e afirma ter realizado mais de 300 cursos de qualificação. Ele também é um participante ativo das entidade sociais e empresariais, tendo assumido cargos de direção e presidência no Sindilojas-VT, Clube Sete de Setembro, CDL Lajeado, Fecomércio-RS, além de clubes de futebol amador e outras associações.
Negocios em Pauta_05

Quando começou a aflorar a sua veia empreendedora?

Marcos Mallmann – Sou natural de Cruzeiro do Sul, da picada São Gabriel. Minha mãe era agricultura e meu pai industriário, trabalhava na metalúrgica Cruzeiro. Estudei na escola rural da localidade e depois passei para o colégio da antiga Vila Cruzeiro, hoje Cruzeiro do Sul. Desde pequeno trabalhei no campo, não apenas para a minha família, mas também para os vizinhos. Colhia soja, milho, trigo e arroz. Arrancava aipim para levar à antiga Glucostark. Trabalhava até à meia noite e também nos sábados e no domingo. Na época se fazia muito trabalho comunitário. Lembro que quando algum vizinho carneava um porco, distribuía torresmo e outras partes do animal para os demais moradores. Era uma cultura muito colaborativa, algo que hoje está em evidência nas relações empresariais. Desde a adolescência eu tinha o sonho de ter uma empresa.

Como era esse sonho?

Mallmann – Na época pensava em uma loja de conserto de bicicletas, pinturas e venda de produtos. Com 16 anos eu já tinha uma planta pronta para construir a loja, mas isso veio a se concretizar muitos anos depois. No início eu era uma pessoa muito tímida, o que é natural para alguém que veio do interior. Às vezes até tinha medo de pessoas. Como venho de uma família muito humilde, que passava por dificuldade, sempre tive o sonho de ter coisas melhores, uma casa própria, um carro e tudo mais que envolvesse uma melhor condição financeira. Sempre economizei para poder investir nas coisas que queria. Com 23 anos, já tinha construído minha própria casa

Como começou a sua caminhada no mundo do trabalho?

Mallmann – Aos 14 anos comecei a trabalhar na Metalúrgica Cruzeiro e depois atuei na fábrica de chocolate Haenssgen. Meu início na área comercial foi no Palácio das Tintas, uma loja de materiais de construção no centro de Cruzeiro do Sul. Depois, quanto teria a oportunidade de ir para a faculdade, decidi me tornei jogador profissional de futebol. Atuei em equipes como o Lajeadense e o Estrela. Aos 23 anos percebi que não teria oportunidade para atuar em um time grande e decidi que deveria atuar no comércio. Recebi uma oportunidade para trabalhar na cooperativa Certel, que foi minha grande escola de vida. Gerenciei uma das unidades da Certel e depois disso decidi colocar em prática o meu sonho de me tornar empreendedor.

Quando nasceu a CBM?

Mallmann – Foi no fim dos anos 1980. Era uma época difícil para abrir um negócio, pois tínhamos uma inflação de 90% ao mês, um absurdo. Mas pensei que, se posso gerenciar uma unidade da Certel do porte que era a loja do centro de Cruzeiro do Sul, poderia abrir meu negócio. Em 1989 abri a CBM junto com mais dois sócios. Era uma loja muito modesta, com apenas 40 metros quadrados. Fazíamos de tudo. Eu era eletricista, encanador, pintor, vendedor e comprador. Nos primeiros cinco anos foram de desafios constantes, porque a gente minimamente tirava da empresa o necessário para comer. Era muito mais penoso conseguir abrir um negócio naquela época, e vencer.

De que forma a empresa começou a crescer?

Mallmann – Começamos a buscar parcerias com marcas de qualidade para poder oferecer uma solução concreta para nossos clientes. Muitas dessas empresas estão conosco praticamente há 30 anos. A primeira obra que executamos foi na indústria de confecções Mepase, em Forquetinha. Ajudei nas instalações elétricas dessa que hoje é um grande exemplo de empresa que cresceu aqui no Vale Taquari. Acredito que o principal pilar para que a CBM desse certo foi a confiança. Eu já era conhecido pelo meio futebolístico e por ter atuado por seis anos na Certel. Isso nos deu bastante credibilidade perante os clientes. Além disso, a nossa preocupação de oferecer somente aquilo que poderíamos alcançar. Nesses 30 anos passamos por muitos percalços, mas, mesmo com pouco conhecimento em gestão, demos cada passo dentro do que era financeiramente possível.

Como a inflação da época afetava os negócios?

Mallmann – Vivemos em um país com uma economia complicada e um setor tributário complexo. Com a inflação, era preciso remarcar os preços diariamente. Às vezes mais de uma vez por dia. Lembro que, em 1993, compramos o primeiro computador, que custou um valor exorbitante. Naquela época, uma linha telefônica custava mais do que um carro 0Km, e era preciso ficar dois anos em lista de espera. Mas o maior desafio foi tentar entender a parte tributária para poder preparar um preço competitivo para o mercado. Por causa da inflação, os empresários compravam material para um prédio inteiro e vinham buscar depois de um ano. Você tinha que manter esse material no depósito, pegar o dinheiro e investir para tentar obter um retorno. Era uma época diferente, na qual tivemos de ser muito persistentes para prosseguir.

Qual foi o momento de virada para a CBM?

Mallmann – Começamos em uma loja de 40 metros quadrados e depois fomos para outra com 100 metros quadrados, ao lado. Em 1993 fomos para um espaço de 400 metros, ainda no Montanha. Entre 1995 e 1996 fomos para o endereço onde ficamos a maior parte do tempo, na rua Bento Gonçalves. Lá, existia uma loja tradicional com mais de 50 anos de história. Eles entraram em dificuldade e nós compramos o estoque. Esse foi nosso divisor de águas. No Montanha tínhamos uma loja de material de construção, pinturas, acabamentos, elétrica e hidráulica. Quando viemos para o Centro, a empresa da qual compramos o estoque focava em materiais para a indústria. Até então, as indústrias compravam material para estocar, por causa da inflação.
Com o Plano Real, eles começaram a contratar projeto e execução, sem estocar. Não fazíamos projeto e execução, e sim vendas. Acabamos migrando para o setor das construtoras para as quais trabalhamos muito forte até hoje. Nesses 30 anos houve muita oscilação, e tenho certeza que teremos outras, já que a nossa economia é complicada. Você nunca sabe como as coisas vão se desenrolar. Hoje pode estar tudo tranquilo, mas não sei o que vai acontecer amanhã ou daqui meio ano. Você tem que se adaptar, quase como um camaleão, mudando de acordo com as transformações da economia.

Como o conhecimento ajuda a se adaptar aos diferentes cenários?

Mallmann – Infelizmente, tenho somente o ensino médio concluído. Quando teria oportunidade de ir para faculdade, quis me tornar jogador profissional. Não fiz faculdade, mas entendi a necessidade de buscar conhecimento. Participei de muitos fóruns e mais de 300 cursos nesses 30 anos. Continuo até hoje. Desde o ano 2000 tenho uma participação ativa nas entidades, nas quais assumi cargos de direção e presidência. Isso é fundamental, porque você se relaciona com outros empresários, que muitas vezes já passaram pelas mesmas situações que estamos passando. Ajuda a agregar conhecimento e estimula a buscar cada vez mais. Aconselho a todos a fazer parte do CDL, Sindilojas, Acil e demais entidades. Não importa o tamanho da empresa, buscar o conhecimento é fundamental.

É possível prosperar em um pequeno negócio diante do avanço do e-commerce?

Mallmann – Na minha percepção, em modelos de empresas como a minha, será cada vez mais difícil ter o melhor preço. O mercado é muito grande, e hoje os grandes players do mundo e as grandes redes varejistas são nossos concorrentes diretos, graças à internet. Então, precisamos agregar valor, seja por meio do conhecimento ou de parcerias para ofertar outras linhas de produtos. Hoje trabalhamos também na linha de segurança e videomonitoramento, além de energia solar, com empresas parceiras. Os grandes grupos no mundo que estão se unindo para sobreviver, então a CBM é mais uma nesse processo.

Como você imagina o futuro da CBM?

Mallmann – Tenho duas filhas que estão atuando há quatro anos na CBM. Neste ano contratei uma empresa de consultoria para iniciar o processo de transição familiar. Começamos a delegar funções para elas porque são jovens, por isso tem mais pique e conhecimento. Além disso, a gente começa a cansar aos poucos, afinal são já mais de 40 anos trabalhando, 30 dentro da CBM, e com poucas férias. No futuro quero viajar um pouco e descansar. Penso em ter um sitiozinho, com criação de peixe, umas ovelhas, plantar verduras, coisas bem simples. Quero voltar para aquilo que era quando nasci e viver no meio do mato. Nosso sonho passa por esse planejamento, para que o negócio possa perdurar por muitos anos.

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