“A tesoura que cortou a fita inaugural era do meu pai. No dia da festa, lembro que eu ganhei um balão”. Era 16 de julho de 1939. Na época, Geselda Käfer tinha 3 anos. Ela morava perto da barranca do rio. O avô dela (Nicolau Käfer) era o dono da balsa que fazia a travessia entre a Barra da Forqueta e Lajeado.
Hoje com 83 anos, se esforça para lembrar como foi a grande festa que marcou a inauguração da ponte. “Era muita gente. Eu era pequena, tenho poucas lembranças. Mas meu pai e meu avô contavam muitas histórias sobre esse dia.”
Uma delas é sobre o almoço. “Faltou comida. Fizeram um churrasco, mas não foi suficiente para tanta gente.” De fato, registros históricos mostram o quanto aquela cerimônia movimentou a região. Foi a primeira vez na história que uma autoridade do Estado Novo, o interventor do Estado, coronel Cordeiro de Faria, esteve em Arroio do Meio. “Neste período, os interventores eram indicados pelo presidente Getúlio Vargas, não havia eleições”, conta a responsável técnica pela Casa do Museu de Arroio do Meio, Élin Regina Westenhofen.
O rio como estrada
Antes da construção da ponte, a passagem entre Arroio do Meio e Lajeado era pelo rio, pela embarcação da família Käfer. Pelo Forqueta e pelo Taquari saíam e entravam as produções agrícolas, as riquezas das famílias e também o transporte das pessoas.
Geselda nasceu e cresceu nas proximidades da Ponte de Ferro. A família era dona de áreas de terra que iam da barranca do rio até onde hoje é a ERS-130. Tinham um comércio e também um entreposto de insumos agrícolas. Ainda havia uma fábrica de banha nas proximidades do rio.
Entre os pontos, uma maxambomba (equipamento que usava tração animal) levava as caixas entre a casa comercial e o entreposto. A cobrança da travessia do rio também era uma renda importante à família.
Os anos de funcionamento da balsa se perderam na história. Como os registros fotográficos eram escassos, há poucas imagens da época. “Hoje eu me pergunto, por quanto tempo meu avô administrou a balsa? Isso se perdeu, nunca vou saber”, diz Geselda. Mas ao que tudo indica, a travessia começou antes de 1900.
Destino da balsa
Élin Westenhofen conta que a estrutura de ferro para a construção da ponte veio da Alemanha. As pedras em arenito eram da própria região e foram transportadas de carroça até o local do empreendimento.
Parte da areia e das pedras para a base também saíram das terras da família Käfer. “Tiravam material do nosso potreiro. Parte das pedras do pilar central saíram dali. Era tudo por carroças puxadas por mulas. Eu era pequeninha e meu pai me levava para olhar o trabalho”, recorda Geselda.
A construção foi iniciada em 1927. Dois anos depois parou devido à falta de verbas, conta a responsável técnica pela Casa do Museu. A inauguração só foi ocorrer dez anos depois. Com a passagem por terra, a balsa foi desativada. O destino pensado pela família, conta Geselda, era transformar a embarcação em lenha. “O pai queria usar a madeira para cozinhar chimia. Mas o Estado não autorizou”.
A embarcação ficou por décadas no pátio da casa construída pelo avô de dona Geselda. “Apodreceu tudo. Hoje não existe mais nada da balsa.”
“Pela relação sentimental, a ponte é de Arroio do Meio”
Parte da construção foi paga pelos governos de Lajeado e de Arroio do Meio. A divisa entre as cidades fica exatamente no pilar central. “Ainda assim, pela relação sentimental, a ponte é de Arroio do Meio”, diz o músico, editor de vídeos e servidor municipal, Wanderley Theves, o Xumby.
Esse pensamento considera os movimentos de valorização da ponte. “Não lembro de alguma celebração organizada por Lajeado. Não é uma crítica, nada disso. Acredito que a ponte está mais no coração da comunidade de Arroio do Meio.” Tanto que ele trabalha na produção de um vídeo sobre a Ponte de Ferro. “Foi um pedido da vice-prefeita. Vamos divulgar nas redes sociais do município a partir de terça-feira, data da inauguração.”
Ele relembra das histórias contadas pelos familiares. O tio-avô dele, Ethol Grün, trabalhou na construção. “Inclusive temos uma foto. É acervo da família. Minha tia não libera, nem pra mim. Eu só pude olhar ela”, brinca. O familiar dele inclusive participou da festa de inauguração da ponte.
Em Arroio do Meio, a Casa do Museu apresenta até o fim do ano uma exposição dos anos 30. Foi nessa década que a cidade se emancipou de Lajeado. Na data da abertura da ponte, o município tinha quase seis anos.
O acervo tem com fotos da inauguração, da construção e reformas. Também está lá a tesoura do senhor Osvaldo Käfer, pai de Geselda. Constam ainda documentos sobre aqueles anos, o discurso feito no dia 16 de julho de 1939.
Pedalada no domingo
Para comemorar o aniversário da inauguração, ocorre neste domingo o Passeio Ciclístico dos 80 anos da Ponte de Ferro e uma cerimônia na ponte. A saída será às 14h, na rua coberta. O grupo ruma até a estrutura. Descendentes daqueles que trabalharam na ponte e de autoridades da época participam do ato.
Em Lajeado, o Arte na Praça será temático. No domingo, a partir das 10h, os visitantes poderão ver uma exposição dedicada à Ponte de Ferro.
Notícia pela história
Pesquisa do jornalista e colunista do A Hora, Deolí Gräff, encontrou na primeira edição jornal A Semana, periódico que circulou em Lajeado de 1932 até 1943, notícia sobre a obra. Na publicação do dia 2 de janeiro, informava que o presidente Getúlio Vargas cumpriu promessa feita ao deputado estadual Monsenhor Nicolau Marx, e que a ponte seria financiada pelo Estado Novo.
O parlamentar era ligado à Arquidiocese de Porto Alegre, a qual pertenciam as Paróquias de Lajeado, Estrela, Arroio do Meio, Santa Clara do Sul e Bella Vista do Fão. Também as paróquias de Encantado, Roca Sales e Guaporé. Marx reivindicou junto ao governo a construção da ponte, assim como também haviam feito as lideranças políticas de Lajeado e Arroio do Meio.
Como o transporte dependia da navegação, por vezes enchentes ou o baixo nível dos rios dificultavam os planos dos padres para chegar às comunidades. “A preocupação do Monsenhor também considerava isso. Os fiéis ficariam sem a missa, batizado ou casamento em caso de algum imprevisto”, analisa Gräff.
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FILIPE FALEIRO – filipe@jornalahora.inf.br