Cultura engessada

Opinião

Cultura engessada

Esscrever matérias de cultura, como foi o caso da capa do caderno de hoje, acende uma discussão dentro de mim. Claro que não pelo tema em si, porque quem me conhece sabe que sou uma profunda admiradora das artes, em especial da música. Toquei por quase dez anos em orquestras, conjuntos instrumentais. Dei aula de violino, flauta, musicalização infantil. Sou apaixonada mesmo, mas o pouco caso que a nossa sociedade faz com os grandes artistas locais me dói.
Em um mundo onde músicos de sertanejo cover ganham a vida mais facilmente do que aqueles profissionais, graduados e empenhados na cultura que engloba as sonoridades, manter-se firme no apoio a estes beira a um ato de resistência. Sou uma pessoa muito eclética, gosto de verdade de me divertir com música pop, com bandinha e funk. Mas também mantenho o apreço pela bossa, pelo clássico, barroco e pelos músicos de estilo independente.
A polarização da sociedade brasileira é geral. Quem nos dera fora só na política – claro, sempre existem as exceções. Espera-se de todos que tenham seus gostos bem definidos e, que de preferência, não mudem ao longo do tempo. Ou você é funkeiro, ou do sertanejo. Gostar de ambos e ainda apreciar o rock soa inaceitável por todos os lados. Que doença!
Essa definição engessada de lados é um problema sério para a nossa diversidade cultural. A definição de valores com dois pesos e duas medidas também. Explico: ir a um show de pagode e pagar R$ 70 o ingresso é admissível por causa do status social, da aceitação em massa, da foto no Instagram mostrando que se está fazendo aquilo que todo mundo faz. Agora, pagar o mesmo valor a um artista local soa quase como ofensa. Mas por quê?
Quem acompanha de perto os músicos locais sabe o quanto de dedicação é preciso empenhar para chegar ao nível profissional, que gera admiração do público. O velho vício brasileiro de só se gostar daquilo que vem de longe ou de fora desestimula e diminui a grandeza dos nossos artistas. Quantos foram – perdi as contas – dos músicos do Vale do Taquari que pousaram na Europa para, só então, receber os devidos aplausos? Ao voltarem para cá, caem no esquecimento.
Enquanto músicas de dois acordes e uma estrofe ganham o país, dinheiro e reconhecimento, os gênios permanecem na clandestinidade. Dá para entender, claro, que são duas vertentes culturais muito distintas. Mas e custa abrir a mente e mostrar apreço por aqueles que se criaram no mesmo lugar que a gente? Temos muito a evoluir, sinceramente. Tenho fé! Um ótimo fim de semana.

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