Acordar às 7h. Tomar café da manhã e se arrumar para ir treinar. Às 8h30min inicia-se o treino. Ao meio-dia, pausa para o almoço. Às 14h, treino na academia. Às 17h, novo descanso. A partir das 19h, aula. Essa é a rotina de Júlia Daltoé Lordes, volante do Internacional e da Seleção Brasileira sub-18. Natural de Encantado, ela representa o Vale do Taquari em um esporte que vem ganhando visibilidade e respeito: o futebol feminino.
“O esporte está crescendo, a passos lentos, mas está”, destaca a jogadora que cita as transmissões do Campeonato Brasileiro e da Copa do Mundo como as grandes responsáveis por ajudar neste desenvolvimento.
A paixão pelo futebol começou cedo. Desde os 6 anos de idade, treinava no CFM, escolinha de Encantado. O início foi delicado, sofreu muito preconceito por jogar com os meninos, mas que foi superado com o passar dos anos. “Ouvia muito que lugar de mulher não é jogando futebol, me criticavam por estar no meio dos meninos. Hoje com a televisão ajudando na divulgação, as críticas e o machismo estão menores, o pessoal está vendo que mulher também sabe jogar futebol.”
Para ela, falta apoio por parte da CBF e dos clubes. Cita como exemplo os campeonatos europeus de clubes e a estrutura dos mesmos. “É absurda a diferença com o Brasil, mas aqui está melhorando, estamos no caminho certo.”
Com 17 anos, sonha em disputar as Olimpíadas de 2020, em Tóquio, no Japão. “Espero estar no grupo, pois sei das chances que tenho. É um sonho e trabalharei muito todos os dias para realizar ele.”

Vanuza de Rosso organiza torneios e é figura presente nas competições
“Nós banimos muitos tabus e desafios”
No Vale do Taquari, em média, são realizados de cinco a sete campeonatos e uns dez torneios de futebol feminino. A falta de apoio financeiro é um dos principais motivos para que não ocorra mais competições.
“Já passamos a fase do engatinhar. Estamos caminhando. Nós banimos muitos tabus e desafios. Obstáculos foram e estão sendo superados diariamente e, assim conquistamos o respeito e credibilidade de muitas pessoas. Estamos numa crescente positiva”, destaca Vanuza Adriana de Rosso, 44, uma das principais responsáveis pela organização de competições de futebol feminino em Lajeado e no Vale.
Ela relata que para difundir ainda mais o esporte na região, precisa-se fazer um trabalho forte com escolinhas. Angariar apoiadores que estejam afim de patrocinar times e eventos. Cita também a falta de união entre a classe de atletas. “Precisamos sair da zona de conforto, parar de criticar quem faz e apoiar a causa, levantar essa bandeira, lutando para que tenhamos um órgão, um setor representativo específico”, explica.
No esporte faz muitos anos, Vanuza relata que a situação mais marcante foi em 1995. Em janeiro o pai e maior incentivador faleceu e em setembro conquistou o primeiro título estadual de futsal. “Quis desistir quando ele faleceu, mas minha família não deixou. O título foi para ele em especial.”
Categorias de base
Em 2014, Diomar Nunes e Edgar Flores, moradores do Bairro Igrejinha, Lajeado, fundaram o Guarani. O projeto, que primeiramente era voltado para o futebol masculino, ganhou outra cara quando Bruna Nunes, neta de Diomar, pediu para que criasse o time feminino. Desde então, o clube vem colecionando bons resultados no Vale e no Estado.

Guarani, do Bairro Igrejinha, disputa inúmeras competições pelo RS, entre elas o Campeonato Piá
Em 2016, disputaram o Gauchão feminino terminando na quarta colocação. Já em 2018, a disputa foi na categoria sub 18. Neste ano, o Guarani representará o Vale no Estadual sub 14 e sub 16.
Com meninas de diversas cidades do Vale do Taquari, os treinamentos ocorrem sempre nas quintas-feiras, no ginásio do bairro Planalto, às 18h (sub 12) e 19 (sub 14 e sub 16). Já nas segundas e sextas-feiras, os treinos ocorrem no campo do Guarani, sempre à tarde.
“Estamos nos esforçando para manter o projeto ativo, mas é difícil. As meninas gostam de futebol, mas não são como os guris. Faltam muito os treinos e as vezes desistem de ir nas competições”, conta André Nunes, o “Seco”, um dos responsáveis por organizar o time.
Sem cobrar mensalidade das atletas, o clube sobrevive com a ajuda da administração municipal que paga o salário de um professor e fornece os materiais esportivos. Além disso, o Guarani promove rifas, jantares e venda de lanches. “O único custo para as meninas é de dividir o valor da locação do ginásio dos treinos”, explica.
Seco tem o mesmo pensamento de Vanuza sobre a falta de apoio e interesse de empresários. “O pessoal olha somente para o masculino, pensando em lucrar em uma possível venda. Acredito que, com o tempo, o futebol feminino ganhará mais destaque.”
Cita como exemplo a Copa Piá, competição de futsal de base promovida em Lajeado. “Nos últimos anos, quase triplicou o número de equipes femininas na competição, isso comprova que a visibilidade na televisão está ajudando a difundir o esporte.”

CAETANO PRETTO – caetano@jornalahora.inf.br
EZEQUIEL NEITZKE – ezequiel@jornalahora.inf.br