A vida de Martin Luis Tag, 29, é marcada por reviravoltas. Natural de Bom Retiro do Sul, ele cresceu em Lajeado e reside atualmente em São Paulo, onde trabalha como modelo. Tornou-se atleta de triatlo, a ponto de concluir uma das mais desafiadoras provas da modalidade no mundo. Mas a superação encontra raízes em uma história familiar, de três anos atrás.
Um momento de dor, que mexeu com a família. No dia 2 de novembro de 2016, Martin perdeu a tia Margareth Bohrer. Era o fim de uma luta de 13 anos contra um câncer. “Minha madrinha era muito querida. Tratava como se fosse uma segunda mãe”, comenta. O fato que não sai da cabeça, entretanto, aconteceria na mesma data da perda.
“No dia em que faleceu, sonhei com a minha tia. Sonhei que estava competindo na prova IronMan e que ela me aguardava na linha de chegada, feliz, alegre e vibrando por mim. Quando acordei, contei o sonho para minha esposa, emocionado. Duas horas depois, ela veio a falecer”, recorda.
IronMan é o nome dado para a maior prova de triatlo da América Latina, realizada anualmente desde 1982 no Brasil, com trechos de natação, corrida e ciclismo. A partir de 2001, a competição sempre teve Florianópolis como palco. Martin competiu pela primeira vez no último domingo, 26, concluindo a prova em 10 horas e 46 minutos.
O estímulo para o objetivo principal
A perda da tia foi um choque para a família de Martin. Ao mesmo tempo, porém, surgiu como uma forma de estímulo para o atleta, que já pretendia ingressar no triatlo. “Comecei com corrida de rua, comprei uma bicicleta e depois surgiu o interesse de praticar esta modalidade”, lembra.
Martin entendeu o sonho com a tia como um recado. Era em nome dela que deveria competir. E assim o fez.
“Descobri minha maior motivação para realizar a prova. Sei que a dor que eu sentiria durante os treinos e a prova, todas as vezes em que pensaria em desistir, não seria nem 10% de toda a força e vontade de viver que ela teve na luta contra o câncer”.
[bloco 1]
A preparação para o IronMan exigiu um esforço que Martin Tag jamais havia experimentado. Foram cinco meses com treinos planejados e busca por evolução constante em cada modalidade do triathlon. Havia dias em que treinava transição para acostumar o corpo com a prova.
Fechou parceria com a assessoria de triatlo Agiglioli, que o orientou em todo o processo preparatório. Contou, ainda, com ajuda de profissionais da nutrição, quiropraxia, fisioterapia e médico especialista do esporte.
Treino, trabalho e família
A rotina diária de exercícios preparatórios fez Martin se desdobrar para dar conta também das demais obrigações. Acordar às 4h se tornou comum para o modelo durante o período. “Fazia treinos de bike, corrida ou natação, depois trabalhava e, à noite, ainda estudava. Eu estava muito focado na prova, então tive que aprender a reorganizar minha vida para conseguir ter vida social e família”, salienta.
Este foi um dos mais difíceis momentos durante a preparação para o IronMan. O foco excessivo nos treinos, por vezes, não era compreendido. A ajuda e paciência da esposa Ketlin Tag foram essenciais para Martin seguir com o seu objetivo principal.
Encarar problemas de frente, aliás, nunca foi novidade para ele. Quando ainda era criança, aos 11 anos, teve que retirar o baço após realizar exames que constataram uma púrpura. “Essa doença destrói as plaquetas e deixa você sempre com a imunidade baixa. Eu vivia cansado”, lembra.
A prova
Mais longa prova do triathlon da América Latina, o IronMan é dividido em três etapas: 3,8 quilômetros de natação, 180 quilômetros de ciclismo e, por fim, 42 quilômetros de maratona. A primeira dificuldade, para Martin, foi relacionado à logística, alimentação e suplementação, de saber o horário certo de cada item.
“Na hora da prova tem que controlar a frequência cardíaca e ritmos. E o mais importante, controlar o psicológico, pois tem hora que o corpo quer parar e a cabeça deve estar forte”, avalia. Já na primeira volta da natação, Martin teve cãibras nas duas pernas. Na bicicleta, a maior dificuldade foi o vento na direção contrária, que o acompanhou por 50 quilômetros.
Por fim, na maratona, o corpo já não aguentava a partir do quilômetro 35. “Negociei com a dor e o psicológico. Colocava metas pequenas e assim fui até o final. Chegou em 46º na categoria de 30 a 34 anos, de 155 participantes, e em 314º no geral, entre mais de 1,2 mil competidores.
Os sonhos e o luto
Os fatos ocorridos com Martin Tag encontram explicações na psicanálise. A temática foi abordada pela primeira vez na obra “A interpretação dos sonhos”, de 1900, de Sigmund Freud.
“Os sonhos são considerados como guardiões do sono e realizações de desejo. É a partir de registros de memória e fragmentos do cotidiano chamado restos diurnos que sofrem a ação de mecanismos como condensação e deslocamento, que são compostas as imagens que, em geral, realizam desejos inconscientes do sujeito sonhador”, explica Thianne Rezende, 31, psicóloga especialista em atendimento clínico psicanalítico.
Segundo Thianne, baseando-se na teoria de Freud, os efeitos de um sonho não podem ser pré-definidos ou antecipados, pois se referem tanto a um repertório de memórias e acontecimentos prévios quanto aos sentidos que o sonho pode ganhar com novas experiências, dentro de uma temporalidade lógica que é própria ao inconsciente.
Já o luto é trabalhado com a elaboração da perda de um ente querido e a possibilidade de que, lentamente, o sujeito possa reinvestir a energia psíquica que era endereçada ao que foi perdido em outro objeto. Neste processo, com o passar do tempo, que varia de acordo com cada pessoa, a dor vai cedendo lugar à sentimentos mais amistosos, o mundo vai recobrando suas cores e novos objetivos vão ganhando contorno.
“O caso do atleta que, a partir de seu sonho vislumbra uma saída possível para seu luto, decorrente da morte de uma pessoa querida, é um belíssimo exemplo de como a produção subjetiva nesses contextos é pessoal e intransferível, cabendo a cada um sua invenção desde seu sofrimento, muito embora essa construção possa ou precise ser acompanhada por um profissional”, avalia Thianne.
EZEQUIEL NEITZKE – ezequiel@jornalahora.inf.br
MATEUS SOUZA – mateus@jornalahora.inf.br