A oferta de produtos sem procedência, vendidos por ambulantes nas principais ruas comerciais da cidade, mostra um problema de difícil solução. Mais do que fiscalizar e aprender os itens clandestinos, essa prática comprova a necessidade de conscientizar a comunidade sobre responsabilidade social.
“Sempre que fazemos uma operação, as pessoas na rua se rebelam contra nós. Elas protegem os ambulantes”, afirma o secretário de Planejamento e Urbanismo (Seplan), Rafael Zanatta. Mudar essa postura é o desafio assumido pelo Sindilojas, CDL Lajeado e governo municipal.
As formas de coibir a venda de artigos piratas pelos ambulantes no centro de Lajeado foi tema de reunião na manhã de ontem. Mais de 50 pessoas estiveram no Salão de Eventos da prefeitura. O público se dividiu entre autoridades políticas, policiais, representantes de instituições de classe, comerciantes e ambulantes regularizados.
Integrantes da Fecomércio trouxeram detalhes sobre o trabalho feito no estado. Em específico, as medidas adotadas em Bento Gonçalves. O coordenador da comissão de combate a informalidade, Daniel Amadio, acredita ser necessário levar conhecimento às pessoas e preciso orientar a população. “Quem compra produto pirata ajuda o crime organizado.”
“Temos de levar informação às pessoas. Esses produtos ilícitos alimentam a informalidade e o crime organizado”, realça o presidente do Sindilojas, Kiko Weimer. De acordo com ele, se solidarizar com os vendedores irregulares traz prejuízos à coletividade. “São menos vagas nas creches, são obras que deixam de ser feitas e falta de dinheiro para serviços essenciais”, alerta.
Conforme o Instituto Brasileiro de Ética Concorrencial (ETCO) e o Instituto Brasileiro de Economia da Fundação Getúlio Vargas, entre junho de 2017 a junho de 2018, o comércio ilegal movimentou R$ 76 milhões no RS, o equivalente a 6% de toda a venda de itens clandestinos e falsificados no Brasil.
“Não existe ‘coitadismo’”
Integrante da Fecomércio, Roberto Tenedini, atua na comissão de combate à informalidade. “Não existe ‘coitadismo’. Há um crime e que precisa ser combatido.” De acordo com ele, os prejuízos não ficam restritos à classe empresarial ou dos governos, também impactam na saúde da população e na geração de empregos. “As pessoas precisam entender, quando se burlam as regras, está se provocando perdas à sociedade.”
A presidente da câmara de vereadores, Neca Dalmoro, acredita ser necessário criar mecanismos para tirar as pessoas da clandestinidade, inclusive fornecendo qualificação e oportunidades no mercado de trabalho.
Com base na experiência junto à comissão da Fecomércio, Tenedini afirma que os resultados de ações semelhantes foram frustrantes. “Ouvi de um líder dos ambulantes que eles não têm interesse em trabalhar no comércio formal. Não querem cumprir as exigências de expediente e o salário é menor do que eles ganham nas ruas.”
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Saúde dos olhos em xeque
A venda indiscriminada de óculos sem procedência é um problema crescente, afirmam empresários. Proprietário de uma ótica na cidade, Vanderlei Luis Pohl, acredita ser necessário aliar uma fiscalização mais efetiva ao trabalho de conscientização.
“Enquanto precisamos de validação de um técnico com certificado, os vendedores ambulantes oferecem produtos de baixa qualidade e que pode trazer problemas sérios aos usuários. É o barato que sai caro”, frisa.
Também empresário do setor, Alexandre Schroeder, critica a inconstância da fiscalização municipal. “Os ambulantes ocupam um espaço que é para caminhar, não pagam impostos e prejudicam todo o comércio da cidade. Se eu colocar óculos falsificados na minha loja, posso ser multado e ter a empresa fechada. Se estiver na rua, tudo pode e nada acontece.”
“O consumidor é o fiscal da ponta”
Vice-presidente de finanças da Fecomércio, presidente do Sindiótica do RS e representante da confederação nacional do comércio na comissão de combate a informalidade, André Roncatto, destaca a necessidade de um trabalho conjunto para reduzir a venda clandestina. Para ele, a iniciativa de Lajeado tem potencial para se tornar uma referência no estado.
A Hora – A discussão sobre ambulantes ilegal se arrasta faz no mínimo oito anos. A partir disso, quais os principais prejuízos à sociedade?
André Roncatto – Lembro de uma campanha da Interpol em que o Papa Francisco veste uma camiseta sobre a pirataria. É um alerta mundial dos perigos dessa prática. Mostra que o simples, aquele ingênuo comércio de rua está vinculado ao tráfico de drogas, ao contrabando de armas e ao enriquecimento das quadrilhas. O crime criou uma nova fórmula para buscar lucro, avalizado pela sociedade.
A Hora – Na sua avaliação, qual o motivo para a defesa dos ambulantes por parte de uma parcela da sociedade?
Roncatto – A população financia o comércio ilegal, pois o cidadão entende que leva uma vantagem. Afinal, ao comprar um óculos falsificado, o que a pessoa ganha? Ela está colocando a saúde dos olhos em uma balança. Pode desenvolver patologias graves e corre o risco de ficar cego. É uma ignorância revestida de um coitadismo. As organizações por trás desse comércio usam pessoas humildes como vendedores. Estes são a ponta do iceberg.
Na reunião, foi dito que muitos ambulantes preferem ficar nas ruas a conseguir um emprego formal. Por quê?
Roncatto – Nas audiências que participamos, ouvimos de muitos vendedores que eles têm renda de no mínimo quatro mil por mês. Então, por que migrar para o comércio legal, onde precisam cumprir jornada de trabalho, compromissos, qualificação, metas e ganhar pouco mais de um salário mínimo.
Conquistas trabalhistas, férias. Nada disso são vantagens para tirar essas pessoas da rua. Eles querem dinheiro no bolso. Fizemos, por meio do sistema S uma série de esforços para qualificar e conseguir vagas de empregos para essas pessoas.
Foi frustrante. Poucos se mostraram interessados e no encerramento do curso, quase ninguém finalizou. Para Lajeado, pela participação de diversas forças da sociedade, saio daqui motivado. É só com engajamento que podemos mudar esse quadro.
De que forma é possível coibir esse comércio ilegal?
Roncatto – Não há um movimento único. Diversas organizações precisam se unir. A imprensa tem um papel fundamental de informar as pessoas e trazer o assunto para o debate. É preciso deixar claro que a clandestinidade prejudica a sociedade.
Com essa mobilização de Lajeado, pode-se traçar estratégias para reverter essa situação, pois o crime se reinventa. Temos de ter a capacidade de entender isso e não aceitar a pirataria. O consumidor é o fiscal da ponta. Todas as iniciativas para coibir essa prática estão sustentadas no tripé educação, conscientização e repressão. Sem isso, nada vai se conseguir.
FILIPE FALEIRO – filipe@jornalahora.inf.br