Marcelo Dickel foi aprovado no último concurso realizado pelo governo de Estrela para o cargo de motorista. Ele estudou, pagou os R$ 60 da inscrição e fez a prova em 2018. Hoje, trabalha em uma concreteira, onde faz serviço de pátio das 6h às 20h e aguarda ser chamado para a vaga de motorista, função em que sempre quis atuar profissionalmente.
O emprego público traria uma garantia maior de emprego e um horário menos desgastante do que ele cumpre no momento. O concurso foi homologado em outubro, mas até agora ele não foi chamado.
“Realmente é uma situação chata porque, se tem este pessoal à disposição para ser chamado, não tem motivo para colocar outras pessoas, principalmente se for para favorecimento político”, lamenta Dickel.
Assim como ele, outros aprovados no processo seletivo aguardam chamado. O concurso tem validade de dois anos, podendo ser renovado por mais dois. São diversos cargos, como motorista, fiscal de trânsito, técnico de enfermagem, professor e nutricionista.
Denúncias de contratações de indicados políticos para cargos em comissão (CC) e terceirizados se multiplicam no município. Informações dão conta de que futuros candidatos e cabos eleitorais para as eleições de 2020 estariam com empregos na administração municipal. Candidatos a vereador que não conseguiram votos suficientes no último pleito municipal trabalham no governo estrelense.
Enquanto isso, profissionais aprovados no mais recente concurso público do município veem outros, que não passaram na prova, assumindo os postos de trabalho.
A situação foi confirmada à reportagem por pelo menos quatro servidores de diferentes setores do Executivo e por aprovados no concurso. A maioria prefere não se identificar, por temer represálias. Um funcionário relatou que um colega que denunciou um CC por não cumprir horário foi transferido de posto, como forma de punição.
A reportagem fez contato com os setores em que atuam – ou deveriam atuar – os funcionários e confirmou as informações.
Na Secretaria da Saúde, há pelo menos dois agentes políticos atuando como motoristas. Os nomes constam nas escalas do setor de transportes da pasta e em relatórios de viagens. Avalício José Wille, conhecido como Sabão, foi filiado ao PSD e hoje integra o PTB, partido do secretário Elmar Schneider. Contratado como CC, Wille deveria atuar como assessor. Na prática, Sabão é motorista.
Antônio de Castro, o Antônio da Saúde, concorreu a vereador em 2016 pelo PTB. Hoje, atua como motorista terceirizado na pasta. A situação se repete em outros setores da administração.
Adivasson Rerig, o Chico do Gás, está relacionado como assessor na Secretaria de Administração de Recursos Humanos. Na prática, ele desempenha funções de motorista no almoxarifado. No setor, foi confirmada sua atuação, porém, a informação é de que ele estaria em férias. Rerig concorreu a uma vaga na câmara em 2016 pelo PSDB.
Juarez Fülber também tentou sem sucesso uma cadeira no Legislativo municipal, pelo PV. Hoje atua no Departamento de Trânsito desempenhando funções gerais. No papel, ele é coordenador de capatazia, vinculado à Secretaria de Planejamento e Desenvolvimento Econômico.
Todos esses nomes tiveram suas funções confirmadas nos setores em que ocupam cargos ou nos setores nos quais estão designados. Além do concurso público e dos cargos comissionados, a outra forma de acesso ao serviço público é por meio de contratos de empresas terceirizadas.
No fim de abril, entrou em vigor uma lei municipal que prevê a publicação da lista dos empregados de empresas que prestam serviço ao município. No site da câmara de vereadores, já estão disponíveis as informações. O Executivo ainda não divulgou os nomes.
Seis partidos dividem os cargos no governo
Cinquenta dos 125 cargos em comissão – excluindo do cálculo os onze secretários – são integrantes de partidos da base governista. É o que aponta o levantamento feito pela reportagem do A Hora a partir da relação de CCs da administração municipal referente a abril e dos registros de filiação partidária do Tribunal Regional Eleitoral. Entre os nomes, há ex-candidatos a vereador e cabos eleitorais de secretários do município.
O partido com mais cargos é o PTB, com 13 indicados e dois secretários. Depois, o MDB, do prefeito Rafael Mallmann, com sete cargos e dois comandos de secretaria, e o PV, do vice, Valmor Griebeler, com nove cargos e uma secretaria.
Na Secretaria da Agricultura, todos os quatro cargos comissionados são ocupados por membros do PP e do MDB. Na Secretaria da Saúde, nove dos 19 comissionados integram legendas da base governista. Oito deles são do mesmo partido do secretário Elmar Schneider, o PTB.
Após o caso se tornar público, nos últimos dias, houve movimentação interna no governo estrelense. De acordo com servidores municipais, alguns profissionais que atuavam em desvio de função foram orientados a se afastarem de maneira provisória. Pelo menos dois dos funcionários procurados pela reportagem estão em férias.
Denúncia sem sucesso
O vereador Volnei Zancanaro (PR) apresentou denúncia ao Ministério Público. O parlamentar aponta desvio de função de fiscais municipais que estariam atuando em outras atividades. De acordo com o relato, o servidor Andreas Hamester atuaria na Secretaria de Cultura, enquanto Siglinde Ströher realizaria serviços internos na Secretaria de Administração.
“Para dar conta da demanda, a fiscalização precisa de três funcionários. Nós temos os três, só que dois estão em desvio de função. Por isso eu peço que estes dois funcionários retornem às funções para as quais foram contratados.”
De acordo com o parlamentar, os prejuízos causados ao serviço público são o acúmulo de denúncias não verificadas, a carga excessiva e a demora na realização de vistorias, que, segundo Zancanaro, chegam a levar quatro meses.
“Esta denúncia é muito recente e muito vazia, não vem acompanhada de nada, nem de informações básicas que eu teria que ter para saber se é caso de nós atuarmos ou não”, afirma o promotor de Justiça de Estrela, Daniel Cozza Bruno.
O promotor diz que o cargo em comissão se destina, pela Constituição Federal, ao preenchimento de cargos em chefia, assessoramento superior e direção. “Em tese, só poderiam ocupar CC os chefes de setor ou de gabinete, diretor de algum departamento ou aqueles que têm nível superior, por exemplo assessor jurídico. Motorista, em princípio, não preenche nenhum desses requisitos.”
Cozza Bruno afirma não ter conhecimento de desvios de função em cargos em comissão. Nenhuma denúncia foi feita ao órgão neste sentido. Diante da informação de que há casos confirmados, afirmou: “Se realmente estão nomeando motoristas em cargos em comissão, é irregularidade. Pode ser uma ilegalidade? Pode. Mas não quer dizer que vai ser hipótese de atuação do Ministério Público, mas do MP de Contas ou do Tribunal de Contas”, reconhece.
Cozza Bruno esclarece que são casos de atuação do MP os que podem envolver improbidade administrativa. Cerca de um mês atrás, um dos aprovados no concurso fez denúncia ao Tribunal de Contas do Estado. A pessoa pediu sigilo de sua identidade. A denúncia dá conta de que CCs atuariam como auxiliares administrativos no governo estrelense.
Prefeito desconhece desvios
O prefeito Rafael Mallmann nega que existam indicados políticos atuando em cargos para os quais há concurso válido e que os cargos comissionados são selecionados de acordo com conhecimento na área de atuação e ser de confiança. Mallmann diz desconhecer qualquer desvio de função na administração municipal.
O chefe do Executivo afirma que foram chamados mais de 200 pessoas aprovadas no concurso mais recente e que só há previsão de novos chamamentos para fiscais de trânsito, o que deve ocorrer no segundo semestre. “A necessidade foi suprida”, conclui. Um novo concurso deve ocorrer no segundo semestre para os cargos de biólogo, engenheiro ambiental e monitor escolar.
Em relação aos apontamentos feitos por Zancanaro, classificou como “denúncia muito vaga”. De acordo com Mallmann, os dois servidores apontados na denúncia do vereador atuam em funções gratificadas. “É legal, é possível, ninguém está em desvio de função. O vereador tem que se aprofundar um pouquinho, ler a lei antes de falar na tribuna. Inclusive uma das servidoras, a Siglinde, está nesta função desde 2010”, acrescenta.
Concurso foi anulado e refeito
O concurso foi realizado em agosto de 2017, mas foi cancelado após sindicância apurar irregularidades na aplicação das provas. Foi constatada fragilidade nos lacres dos envelopes e a presença de celulares nos ambientes de prova.
A investigação surgiu a partir de um abaixo assinado organizado por candidatos. As queixas incluíam ainda concorrentes que chegaram atrasados e puderam prestar a avaliação. A empresa responsável pela elaboração, aplicação e correção das provas era a Schnorr – Contabilidade, Informática e Assessoria Ltda. Em 2018, a prova foi aplicada novamente. Desta vez, a Fundação La Salle foi a realizadora.
MATHEUS CHAPARINI – matheus@jornalahora.inf.br