Há poucos dias, aqui escrevi sobre o fenômeno das criptomoedas e o enredo de trades, robôs, pirâmides e afins que se multiplicam igual a pólvora. Nomes estranhos e desconhecidos surgem da noite para o dia, vendendo a ideia de dinheiro fácil e rápido. Alguns, mais conservadores e outros bastante agressivos. Quase todos prometem o que não existe.
São basicamente empresas de Marketing Multinível. Algumas disfarçadas e outras mais abertas.
Fato é que esse mercado ganha cada vez mais adeptos. No Brasil, o sonho do ganho fácil leva milhões de apostadores às loterias, faz anos. Com o advento da internet, este mundo de oportunidades se ampliou e democratizou. O que antes estava na mão de alguns, agora está acessível a qualquer “entendido” em criar e operar um plano de escala, se aventurar no mundo virtual, vender sonhos e ideias. Basta ter quem acredita e coloca dinheiro.
As oportunidades e aspectos positivos existem. Por outro lado, tem muita mutreta para tirar o dinheiro das pessoas. Este é o perigo e o cuidado a ser tomado. Ontem, o jornal NH de Novo Hamburgo trouxe matéria de capa sobre uma empresa daquela cidade, a InDeal, uma espécie de corretora de mercados digitais, e que rentabiliza com 15% de juros ao mês para quem faz aportes de dinheiro. É uma das que mais captou grana no RS até o momento. Passa de R$ 1 bilhão, em menos de ano.
A reportagem com viés crítico é sustentada por fontes financeiras tradicionais e um tanto céticas aos criptoativos. A InDeal refuta e também reclama que a matéria ignorou detalhes importantes como a exigência de documentos autenticados e sequer falou dos ganhos do cheque especial de bancos.
Os contratos da empresa são registrados em cartório e remuneram 15% ao mês, com cláusula de renovação de 30 em 30 dias. O saque pode ser feito a qualquer momento e sem perdas aos investidores, reforça a empresa, em comunicado interno. Inclusive, sugere aos investidores temerosos que preferem dar ouvidos aos “boicotadores” que saquem seu dinheiro ou nem entrem na InDeal. O NH tentou contato antes da reportagem, mas não conseguiu.
Tendenciosa ou não, a matéria do NH é um tanto reflexo da discrição adotada pela InDeal, que não se posiciona publicamente.
Existem outras
Se 15% já é um ganho exponencial, então saiba que existem outras ditas similares com oferta bem mais generosa. Algumas chegam a operar com 3,5% ao dia, o que soma mais de 100% ao mês. Um verdadeiro atentado ao trabalhador ou empreendedor que mal vê seu ganho anual crescer uma ou duas casas após a vírgula.
Para o leigo, “tudo é igual” e pouco importa o histórico ou a coerência do negócio. Tem gente se atirando no que vem pela frente.
Verdade é que as coisas são mais complexas e há, de fato, muitas diferenças entre empresas. Por isso, o perigo é real.
Não resta dúvida que o mundo financeiro está em mudança, e com ela vem oportunidades e riscos. Cada indivíduo tem liberdade de investir ou botar seu dinheiro fora como bem deseja. Se aventurar sempre foi arriscado. Ganhos altos, riscos altos. Depende do quanto cada um dispõe ou quer arriscar.
Ameaça ao empreendedorismo
A continuar esta multiplicação de ganhos fáceis, o empreendedorismo corre riscos, opinam alguns empresários que preferem não se expôr. Se baseiam em colegas que, simplesmente, pararam de cuidar do próprio negócio para fixar o olhar apenas na tela do celular e ver o ganho fácil crescer. Outros vendem carro, casa ou bens de uma vida inteira para aplicar nas novas formas de ganho.
“Daqui a pouco não terá quem investe ou trabalha. Todos vão querer viver de dinheiro fácil”, opina um empresário, um tanto incomodado com o fenômeno. Outro confessa ter desistido de investir no próprio negócio, literalmente, para aplicar nas criptomoedas. “Pra que vou me estressar e incomodar com funcionários”, resume.
Tem até assalariado colocando reservas de uma vida inteira. E por aí vai…
Sugere-se cuidado. Multiplicar em 100% o ganho em apenas 30 dias é uma oferta generosa demais para ser sustentável. Repito: ainda assim, cada um é livre para ganhar ou perder do jeito que quiser.
Substituir o próprio negócio por algo tão volátil tem o tamanho da irresponsabilidade da oferta milagrosa que alguns espertalhões tentam emplacar no mercado.
Então, o que fazer?
O risco existe. Assim como no atual contexto nada é 100% seguro.
O mundo das criptomoedas chegou para ficar e avançar no Planeta, sustentam quase todos os especialistas financeiros mais coerentes. Muitos ganharão com isso. O problema está no tipo de negócio que opera com elas.
Entender o risco e a diferença das empresas, e conhecer mais sobre seus donos e CNPJs, pode fazer a diferença. Não se atirar com tudo e de qualquer jeito. O resto fica por conta e risco de cada um.
É mais complexo do que isso
Circulou no WhatsApp, nesta semana, uma notícia do The New York Times, com alguns comentários sobre os subsídios agrícolas, sugerindo ser um erro a mobilização em relação ao setor leiteiro. Recebi de vários e não tenho como deixar de fazer algumas considerações.
A matéria cita a Nova Zelândia como parâmetro. Eis o primeiro equívoco. A carga tributária, o juro alto e a legislação rígida brasileira são incomparáveis com o mesmo aspecto no país oceânico.
Competitividade e livre comércio são excelentes, desde que as condições sejam equiparadas. Em conversa com o presidente executivo da Dália Alimentos, Carlos Alberto de Figueiredo Freitas, ele corrobora para este pensamento. Ele defende as normativas para qualificar a produção e o fim dos incentivos fiscais, mediante condições justas e iguais de produção e industrialização, de países europeus ou outros. “A carga tributária perversa, os altos juros e a legislação complexa e burocrática exigem muito mais da indústria brasileira do que de qualquer outro país desenvolvido. Então, como vamos competir?”, questiona.
A falta de infraestrutura na zona rural, com energia elétrica ainda precária, é outro fator impeditivo.
Freitas cita um exemplo comparativo com a Espanha. Em visita a um frigorífico naquele país, apurou o custo de produção do quilo de suínos. “Enquanto eles gastam R$ 3,10, no Brasil são necessários R$ 3,58. Isso é desleal”, comenta. E o que puxa para cima são os fatores salientados acima.
“Não conseguimos mais carregar o setor público pesado. Ele é como um país rico e consolidado com altos salários, enquanto o setor privado o serve e perde competitividade”, resume Freitas.
Fecho com ele.