A situação da histórica autarquia é preocupante. Em um espaço com mais de 6,6 mil metros quadrados, localizado em um dos principais cruzamentos de Lajeado, e onde mais de três centenas de funcionários atuavam na década de 1970, apenas 44 pessoas seguem trabalhando para atender 47 municípios e 608 quilômetros de rodovias para supervisionar. E a queda drástica no quadro de servidores tende a piorar nos próximos meses.
Sem previsão de concursos públicos e com novas aposentadorias à vista – 32 dos 44 já estão com idade para se aposentarem –, o trabalho a ser desempenhado pela 11ª Superintendência Regional no futuro é uma incógnita. Nos bastidores, ventilou-se, recentemente, a possibilidade de fechamento da unidade de Lajeado. Fato rechaçado, por ora, pela direção geral do Daer. De concreto, apenas a provável mudança de endereço para local ainda não definido.
Entre os 375 funcionários que atuavam na unidade de Lajeado em 1975, poucos permanecem. Entre eles, Jorge Osvaldo Textor, dirigente administrativo. Ele já vivenciou diversas fases da autarquia. Da escassez de recursos e maquinários às abundantes obras. E agora neste período quase ocioso do órgão, fundado em 11 de agosto de 1937. “Na construção da ponte na Alberto Pasqualini, antes da Ponte de Ferro, os aterros eram feitos com carroças puxadas com burros”, diverte-se.
Textor conhece essa e muitas outras histórias do órgão. Nos anos de ouro, por exemplo, os superintendentes tinham status de governador. “Na época não havia as empreiteiras. E era só o Daer que tinha equipamentos modernos com capacidade para obras de grande envergadura. Por isso, os líderes locais sempre enxergavam as visitas como grandes oportunidades de desenvolvimento”, relembra o engenheiro.
Entre as grandes obras, cita as construções da ERS-130 e a ERS-129. “Também fazíamos toda a manutenção da BR-386. De Soledade até Canoas”, orgulha-se. A instalação da rodovia federal (antes RS-13) também contou com importante apoio do Daer, embora a maior parte da engenharia e dos custos do empreendimento tenha sido disponibilizado pela chamada “Aliança pelo Progresso”, uma parceria firmada na década de 1960 entre o governo brasileiro e os EUA.
Mas os tempos mudaram. Desde 1982 não há compra de novos maquinários. “Não houve mais investimentos. É triste. É como uma casa. Quando estraga uma coisinha e tu não tens dinheiro para consertar, aos poucos o resto vai caindo também. Sinto muita tristeza de vivenciar essa fase atual. Já são 44 anos ‘de casa’”, reforça. Como ele, outros seis colegas também são remanescentes de 1975. “Muitos já deixaram o cargo. E outros tantos estão com tempo para sair.”
Prédio atual tem 75 anos
O prédio da 11ª Superintendência Regional, instalado próximo ao entroncamento entre as avenidas Benjamin Constant, Alberto Pasqualini e a rua Júlio de Castilhos, foi inaugurado em setembro de 1943. “Sofreu algumas alterações, principalmente na parte interna e na fachada durante a década de 70”, ressalta Textor. É quase um “cartão postal” da cidade.
A pequena patrola de ferro colocada sobre um pequeno lago artificial com peixes exóticos continua lá. É um símbolo do local. “Tivemos que soldar, pois muitas crianças tentavam pegar”, brinca Textor. Na matrícula do imóvel, uma curiosidade. “No endereço, consta ‘prolongamento da Av. Benjamin Constant’. Isso porquê, na época, a avenida terminava exatamente naquele ponto.”
Antes da inauguração da sede atual, a unidade do Vale do Taquari funcionava em um prédio na rua Osvaldo Aranha, às margens do Rio Taquari, ao lado da chamada “Praça Trieweiler”. A edificação original foi demolida. Naquele mesmo terreno funciona hoje a Escola Municipal de Ensino Infantil Risque e Rabisque, ao lado da antiga casa da família Born. “Infelizmente, demoliram aquele prédio”, lamenta o dirigente.
Veículos sucateados
O cenário interno da unidade lajeadense é melancólico. Salas estão vazias. E a última remessa de maquinário chegou há 37 anos. Hoje, são 12 caminhões, três motoniveladoras, dois tratores, uma caminhoneta e uma retroescavadeira para serviços de terraplanagem, drenagem e pavimentação. Outros cinco caminhões, três motoniveladoras e um trator estão bastante danificados. É pouco para uma superintendência responsável por 30 rodovias pavimentadas, e outras 12 estradas de chão.
Diante da situação caótica da autarquia – que possui outras 16 superintendências regionais –, a direção-geral anuncia a diminuição das estruturas físicas do interior e da capital. “Contudo, a superintendência de Lajeado, em razão da localização, é fundamental para a operação das rodovias da região. O que pode ocorrer é uma mudança na estrutura física, mas não a eliminação dessa superintendência. Por enquanto, não temos novos locais para divulgar”, avisa a direção-geral.
A previsão para 2019 é continuar as ações de conservação da malha pavimentada e não pavimentada nos 47 municípios. Além disso, a autarquia dará continuidade à pavimentação dos acessos municipais de Sério a Boqueirão do Leão e também do acesso à Coqueiro Baixo, os quais somam 54 km. Também está na agenda a conclusão das obras de convênios com Encantado, Relvado, Dois Lajeados, Guaporé, Roca Sales e Capitão.
Mudança radical
O prefeito de Encantado, Adroaldo Conzatti, atuou como diretor do Daer entre 2003 e 2006. “Já estava bastante complicada a situação. Sofríamos com a falta de equipamentos e realizávamos poucas obras. É triste para um órgão que já chegou a ter mais de 11 mil funcionários no estado”, salienta o gestor.
Ele deixou uma recomendação ao sair do cargo. “Pedi uma mudança radical. Indicando que a autarquia deixasse de executar serviços e passasse a apenas fiscalizar. Também recomendei a terceirização dos demais empreendimentos e a realização de convênios com municípios, para que esses gerenciassem a manutenção em trechos mais urbanos.”
Trechos em Lajeado das ERSs 421 e 413, em Conventos e São Bento, são exemplos deste novo momento. Ambas estão em processo de municipalização. “A tendência é acelerar esses modelos”, opina Conzatti, que faz questão de enaltecer os serviços já prestados pelo Daer, como os acessos à Santa Clara do Sul, Putinga e parte da ERS-332.
“Daer está na história do rodoviarismo do Brasil”
Fabiano de Oliveira assumiu a 11ª Superintendência em julho de 2018. Natural de Santana do Livramento, ingressou no Daer em 2000 e já passou pelas unidades de Bagé, Santiago, Passo Fundo e Alegrete. “O departamento gaúcho é o segundo mais antigo do Brasil na área. Perde apenas para o de São Paulo. São mais antigos que o já extinto Dner. O Daer participou da história do rodoviarismo do Brasil.”
No início, não havia normas, lembra. “Os engenheiros eram mandados para a Europa, principalmente Alemanha, para intercâmbios. De lá, trouxeram bagagem teórica e criaram as normas e especificações, cuja base permanece até hoje.”
Sobre o momento atual da autarquia, trata as mudanças com naturalidade. “Antes construíamos rodovias e pontes. Hoje somos mais fiscalizadores, realizando ensaios de material utilizados pelas terceirizadas. A tendência é essa. Foi assim com o Dnit. De minha parte, quero trabalhar sempre com empenho para garantir conforto e segurança para os motoristas”, finaliza.
RODRIGO MARTINI – rodrigomartini@jornalahora.inf.br