“Muitas vezes  o lucro está na compra e  não na venda”

Entrevista

“Muitas vezes o lucro está na compra e não na venda”

Lauro Baum preside uma das principais redes de supermercado do Vale do Taquari

“Muitas vezes  o lucro está na compra e  não na venda”

Nascido no interior de Forquetinha, o produtor rural e administrador Lauro Baum, 53, aprendeu cedo a lidar com as responsabilidades após perder os pais com 16 anos de idade. Ele apostou nos estudos e também no melhoramento genético do gado para transformar uma pequena propriedade em uma grande produtora de leite, com animais que se destacaram nas feiras do setor nos anos 1990.
 
Na década seguinte, Lauro ingressou na faculdade de Administração da Univates e abriu novos horizontes. Após um curto período na administração pública, foi convidado para ingressar no Sindicato dos Trabalhadores Rurais Lajeado, uma das principais entidades associativistas da região.
 
Fundado em 1º de julho de 1963, o STR Lajeado surge para unir os agricultores por meio de uma entidade que defenda os seus interesses. Hoje a entidade é responsável por cinco unidades de supermercados e tem área de atuação em Lajeado, Forquetinha, Canudos do Vale Santa Clara do Sul, Marques de Souza e Estrela.
Mais 1,2 mil associados fazem parte da entidade, responsável pela geração de cerca de 450 empregos. Além da atuação no STR, Baum também é vice-presidente da Cooperativa Certel e continua com as atividades na propriedade rural.
 
Quando nasce a sua vocação para os negócios?
Lauro Baum – Empreendedor não tem tamanho nem atividade. Empreender é, indiferente do que você faz, fazer bem-feito. Você pode trabalhar com agricultura, indústria, comércio, serviços. Eu vim de uma propriedade típica da região, um minifúndio onde trabalhava na agricultura com meus pais. Produzíamos leite, suínos, plantávamos milho. Ainda na infância, coloquei na minha cabeça que seria um grande produtor de leite, mesmo em uma pequena propriedade. Na minha cabeça, isso era possível e conseguimos. Perdi meus pais cedo, quando tinha 16 anos. Tive que criar a minha identidade.
 
Como foi ter que assumir as responsabilidades da propriedade tão cedo?
Baum – Fiquei primeiro um bom tempo reorganizando a vida. Ajeitamos a propriedade de várias formas, porque na época não havia nenhum tipo de ajuda e arcamos com despesas. Eu era um guri, mas nunca baixei a cabeça e sempre lutei para deixar tudo em dia. Fiquei um tempo longe da escola e na época eu sonhava, literalmente, que estava na sala de aula. Consegui voltar para o colégio e terminar o segundo grau. Então, decidi ir para a universidade. Nunca esqueço a data: 29 de julho de 2002. A primeira aula foi de Teoria Geral da Administração, TGA 1, com 63 alunos, dos quais apenas dois eram agricultores.
Qual foi o papel da universidade no seu crescimento?
Baum – Nunca fui para a faculdade apenas para ganhar um certificado de diploma, e sim para aprender. Foi extremamente importante. Sempre comentei com meus professores que não me preocupava com a nota que iria receber, e sim com o que levaria para casa. O conhecimento faz você enxergar as mesmas coisas de uma forma diferente. Abre a nossa cabeça para o mundo, pois percebemos que não estamos isolados. Sempre digo: se você acha o estudo caro, tente a ignorância. É mais cara. O conhecimento que adquiri nos estudos ninguém vai me tirar.
Como você conseguiu produzir grandes quantidades de leite em uma propriedade pequena?
Baum – Produzimos muito por animal. Fomos premiados na Expovale quando Forquetinha ainda pertencia a Lajeado. Era o início dos anos 1990. Participávamos das festas de interior, onde treinávamos os animais para os desfiles. Não perdíamos um dia de campo, onde os técnicos da Emater e da Secretaria de Agricultura falavam sobre a atividade. Na época, estávamos orgulhosos em expor nossos animais em Lajeado, junto com as maiores granjas da região. Nosso animal deu 64 litros de leite em duas ordenhas. A maioria do pessoal duvidou. Ali eu estava chegando onde queria, ser um grande produtor por animal, para não precisar de quantidade. Eles tinham genética própria, obtida por meio de inseminação artificial. Teve dias que eu tinha que abrir mão de um almoço, porque priorizava meus animais. A preparação para as exposições começava um ano antes e eu abria mão das minhas coisas para investir neles, porque sabia que o reconhecimento viria depois. Não foram tempos fáceis, mas levo comigo a ideia de nunca reclamar do passado.
Como começou a sua relação com o associativismo?
Baum – Com o tempo, a minha identidade, Lauro Baum, começou a chamar a atenção nas feiras, por causa dos meus animais. Isso deu certeza para que as pessoas apostassem nas minhas condições de ajudar em alguma entidade. Em 2004, fui secretário de Agricultura e Obras em Forquetinha. Quando você é colocado em um setor público, é fiscalizado o tempo todo, precisa aprender a lidar com pessoas e interesses. Às vezes, se você faz o seu serviço bem-feito, algumas pessoas se sentem incomodadas. Sempre dei o melhor de mim neste momento, sem me preocupar com o amanhã, que é uma incerteza. Então isso mostrou que eu poderia ser aproveitado no STR.
Por que o seu trabalho no setor público se destacou?
Baum – Eu posso estar sem nenhum dinheiro no bolso, mas sempre terei uma caneta e um bloquinho. Quando trabalhei na prefeitura, no fim do dia, meu bolso estava cheio de bilhetes. Sempre que alguém me pedia uma coisa, eu anotava porque não tem como guardar tudo na cabeça. Cada um precisa encontrar uma forma de se organizar. Eu achei uma forma boa para mim. Uma pessoa organizada vive melhor, pois é menos cobrada e xingada, em especial no setor público. Também sempre respeitei muito as diferentes ideologias, sejam elas políticas, esportivas ou religiosas. Só não gosto dos radicais, porque esses não pensam mais.
Quando você ingressou no STR?
Baum – Entrei em 2007, na função de tesoureiro. A entidade já era grande e comecei a me inteirar nas áreas comercial e social. Fazíamos muitas obras do Minha Casa Minha Vida na categoria rural. A origem dos sindicatos é a área social, é trazer benefícios aos associados. Hoje, pensamos no associado, no cliente e em proporcionar uma vida melhor para a comunidade de Lajeado e municípios da região com oportunidade de comércio e serviços sociais. A força da região está nesse compromisso social do associativismo, de entidades como o STR e as nossas cooperativas. Esse compromisso as empresas privadas não têm.
Quais as vantagens do associativismo para a região?
Baum – Uma empresa privada, quando é atraída para o município, com vantagens fiscais e de estrutura, visa exclusivamente o lucro. Quando não atingem mais o lucro, botam a mochila nas costas e vão embora. Se ficarem 200, 300 pessoas desempregadas, não importa. Isso não ocorre com as associações e cooperativas e esse compromisso social muitas vezes ameaça as empresas privadas. As ameaças ao associativismo são constantes. É preciso uma gestão profissional para evitar os apadrinhamentos. Os números devem ser geridos da mesma forma, seja no setor privado, público ou cooperativo.
Quais os desafios do sindicato no setor de supermercados?
Baum – O setor de supermercados é muito concorrido, porque todos precisam de alimentos todos os dias. Isso faz com que grandes empresas mundiais se organizem para competir com os empreendimentos locais. O grande comércio define o preço, porque ele compra em escala. Por isso, investimentos na abertura de filiais, para não perder poder de barganha na compra. Muitas vezes, o lucro está na compra e não na venda. É preciso comprar bem e ter um grande controle interno para proporcionar preços muito próximos ao do gigante que está do outro lado. Vários concorrentes desse setor ingressaram na região. Tivemos que nos adaptar a essa realidade e encontrar formas de sobreviver. Nós optamos por um atendimento diferente, ter um pouco de calor humano. Conversar com os clientes, pensar no trabalhador. Não abrimos em feriados porque valorizamos o nosso colaborador. São diferenciais que as pessoas percebem.
É possível inovar nos negócios de uma entidade associativista?
Baum – É necessário. Sempre participamos das feiras estaduais e nacionais, pois temos que acompanhar o que os outros fazem e tentar fazer melhor. Estamos testando um aplicativo em que é possível acompanhar as ofertas e promoções do supermercado. Na hora de ser um mercado, você não pode ser o sindicato, e sim ser profissional. Se você não tem conhecimento para isso, precisa se cercar de técnicos. Hoje tudo está informatizado e os dados estão disponíveis instantaneamente, e é preciso estar sempre à frente para não ser ultrapassado.
Como o jovem no campo pode se tornar empreendedor?
Baum – Acreditar em si mesmo, buscar informações e fazer tudo da melhor forma. Hoje existem várias maneiras de se informar além da faculdade. Não desanimar, porque a produção de alimentos é única coisa que todos vamos precisar. Você pode ficar um ano sem comprar roupas ou calçados, mas nunca sem comprar alimentos. É preciso estar atento aos nichos de mercado. Existem no mundo fazendas que ganham mais dinheiro produzindo baratas do que produzindo leite. O importante é se reinventar e buscar um diferencial para a propriedade, porque o tradicional todo mundo faz.
 

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