A paciência é uma virtude que a aposentada Maria Nilse Kunrath acumula. Aos 60 anos, se dedica a cuidar dos pais e já foi referência no cuidado de crianças em sua cidade – dos pequenos recebeu o apelido de Sisse. Mas a delicadeza do trato não lhe tira o pique. Acorda antes das 7h e dorme depois das 23h30. E, a partir de fevereiro, essa rotina será ainda mais apertada, pois ela irá realizar um sonho antigo: fazer faculdade de Enfermagem.
Nascida e criada em Travesseiro, fez o ensino fundamental na escola Maurício Cardoso, onde atualmente funciona a Monsenhor Seger. Depois, como não havia ensino médio no município, acabou se afastando dos estudos. Com a vida adulta, veio a necessidade de se dedicar ao trabalho para tocar a vida. “Eu brincava com as minhas bonecas e pensava: ‘eu vou ser doutora que cuida de crianças. Decidi, depois de velha, ser enfermeira, que é uma coisa que também gosto.”
Concluiu o ensino médio no Neeja, em Lajeado, em 2017. Depois, conseguiu entrar no VestVates, o cursinho popular da Univates, onde se preparou para prestar vestibular. Quem lhe incentivou foi a irmã, Neiva, 49. “Quando eu soube do cursinho, disse para ela ir, que ela estava pronta. Ela estava com medo, mas eu insisti”, lembra. A mais nova também quer voltar para a sala de aula, em um curso da área da Saúde. “Ainda não sei se vou fazer Enfermagem ou Fisioterapia.”
Maria admite que temia ser deixada de lado ou virar motivo de piadas entre os jovens, mas se surpreendeu com a receptividade dos colegas. “Fizemos um grupo muito bom. Nunca ninguém me olhou diferente. E os meus professores, então? Muito queridos!”
“Eu ainda subo no alto das árvores”
As duas moram com os pais, que têm problemas de saúde. Há cerca de seis anos, Seu Edevino, 96, precisa de cadeira de rodas, em função de uma fratura no fêmur. Dona Ercida, 87, também se desloca de forma limitada. Por causa do excesso de peso, a matriarca teve complicações na coluna e depende de bengala. “Uma sozinha não dá conta. É muito trabalho na casa. Temos que dar banho neles, arrumar os remédios…”, ressalta Maria, lembrando que o pai tem mais de 1,90 metro.
Maria trabalhou durante 20 anos na antiga Calçados Majolo. Nunca se casou, mas conheceu o sentimento de mãe quando ajudou os pais a criarem uma sobrinha, na época com um ano. A menina é filha da irmã mais velha de Maria, que morreu aos 29 anos em decorrência de um câncer. “A gente se criou como irmãs. Eu tinha 26 anos, então já era mamãe do coração.”
Mas Maria não reclama. Mesmo enquanto narra as maiores dificuldades, mantém um sorriso no rosto. Além disso, é muito ativa. Sempre que pode joga vôlei, e até futebol. “Eu ainda subo bem no alto das árvores”, orgulha-se.
Com a mochila que ganhou no cursinho já limpa para a graduação e algumas canetas separadas, Maria está quase mais ansiosa para terminar do que para começar o curso. “Nem preciso daquelas roupas pretas e festa. Se me deram o papel dizendo que vou poder fazer o que eu gosto, já me basta.”