Medo de errar trava processos de inovação

WORKSHOP

Medo de errar trava processos de inovação

Painel que encerrou as atividades do projeto Negócios em Pauta em 2018 adentrou no papel do erro como forma de aprendizado e indutor da inovação nos processos corporativos. Evento teve como debatedores o empresário Géferson Locatelli, a psicóloga e professora da Univates Elisângela Zanelatto e o diretor administrativo da Interact Solutions Fábio Frey, com mediação do diretor-geral do grupo A Hora, Adair Weiss. Abominada por empresas demasiadamente conservadoras, a cultura do erro é considerada um dos fatores de sucesso das startups, modelo de negócios que avança com o desenvolvimento tecnológico

Medo de errar trava processos de inovação
Vale do Taquari

Diante de um mercado que se transforma muito rápido, as empresas se deparam com a necessidade de rever paradigmas. As mudanças na sociedade de consumo e as novas formas de fazer negócios se sobrepõem a conceitos que perduram por décadas.

O workshop Negócios em Pauta que encerrou as atividades do projeto em 2018 adentrou no papel do erro como forma de aprendizado e indutor da inovação nos processos corporativos. Abominada por empresas demasiadamente conservadoras, a cultura do erro é considerada um dos fatores de sucesso das startups, modelo de negócios que avança com o desenvolvimento tecnológico.

O evento ocorreu no espaço dos cervejeiros do Parque Histórico de Lajeado, local cotado para integrar a rota da inovação prevista para a cidade. O evento teve como debatedores o empresário Géferson Locatelli, a psicóloga e professora da Univates Elisângela Zanelatto e o diretor administrativo da Interact Solutions Fábio Frey.

Mediador do painel, o diretor-geral do grupo A Hora, Adair Weiss, introduziu a temática falando sobre a formação regional e a influência do medo no comportamento dos empreendedores. Lembrou que os colonizadores do Vale do Taquari saíram de ambientes urbanos dos países europeus e foram enviados para terras inexploradas.

“Chegaram com seus filhos e pessoas idosas no meio do mato, onde a primeira tarefa foi derrubar a mata para poder enxergar o sol e depois construir uma barraquinha para abrigar a família”, afirmou. À noite, os pioneiros do Vale do Taquari tinham que se proteger dos animais. Esse ambiente inóspito fez com que a precaução e a cautela se tornassem características culturais da região.

Painelistas falaram sobre o papel do erro como forma de aprendizado. Abominada por empresas conservadoras, a cultura do erro faz parte do modelo de sucesso das startups

Painelistas falaram sobre o papel do erro como forma de aprendizado. Abominada por empresas conservadoras, a cultura do erro faz parte do modelo de sucesso das startups

“Nós temos um medo acima do normal. Por isso não gostamos de errar”, resumiu. Weiss iniciou o debate questionando Locatelli sobre os motivos que o fizeram iniciar um empreendimento, as dificuldades e os medos enfrentados nesse processo.

Géferson Locatelli

Locatelli trabalhou por 17 anos no setor comercial de uma empresa de mármores e granitos que teve o alvará caçado pelo Ministério Público por problemas ambientais. “Foi um balde de água fria, pois eu tinha uma boa carteira de clientes e muitos tinham material comprado e obras em andamento.”

Na época, o empresário recém havia reformado a casa e trocado o carro, por meio de financiamentos. “Eu tinha um pacote de boletos e estava desempregado”, lembrou. Antes disso, ele e a mulher fizeram cursos técnico e de pós-graduação na Univates, onde desenvolveram planos de negócios pensando em empreender no futuro.

“Os próprios clientes diziam ser a hora de abrir a minha própria empresa”, apontou. Segundo ele, a primeira lição aprendida a partir do erro cometido pela empresa em que trabalhava foi a de respeitar a natureza.

“Chamamos engenheiros e pessoas que conheciam o que era necessário e montamos uma empresa pequena, mas sustentável e atentas às questões ambientais”, relatou. Diante dos desafios do cotidiano e do mercado, Locatelli disse não ter medo de arriscar tudo pelo negócio.

Ousadia necessária

A psicóloga e professora da Univates, Elisângela Zanelatto, questionou o público sobre qual o pensamento mais recorrente relacionado ao erro. As palavras medo, punição, dificuldade, cobrança, culpa e frustração mostraram o tom negativo da expressão.

Elisângela Zanelatto

“Só reconhecemos como algo positivo quando o erro já foi percebido e transformado em acerto”, ressaltou. Segundo ela, esse modelo mental está relacionado à aprendizagem. Lembrou que nas famílias e nas escolas o erro tem como consequência uma punição, por isso, causa medo.

“Por isso, nem todos os seres humanos são empreendedores”, assinalou. Elisângela ressalta a característica de não querer olhar para as coisas que não são boas, algo que hoje encontra nas redes sociais a principal representação. Para ela, o workshop inaugura um importante momento de reflexão.

“É preciso trazer o erro para dentro das discussões, admitir e pensar sobre as falhas em um mundo que cobra a perfeição e o alto rendimento o tempo todo”, acredita. Mesmo em um ambiente como a universidade, Elisângela percebe uma baixíssima tolerância dos alunos ao erro, às críticas construtivas e à possibilidade de encarar as falhas como uma possibilidade de criação.

“Thomas Edison, para inventar a lâmpada, tentou umas mil vezes até fazer funcionar. Ele errou muito, mas tentou mil maneiras diferentes até acertar”, relatou. Conforme a professora, ainda vivemos em um mundo binário, dividido entre certo e errado, quando se faz necessário um modelo mental mais flexível para crescer e empreender com inovação.

Modelo híbrido

Diretor administrativo da Interact Solutions, empresa que atua no mercado da tecnologia e fabricação de softwares, Frey explicou como funciona a criação de programas.

Segundo ele, cada produto tem em média seis milhões de linhas de códigos de programação, escritos da mesma forma que um livro, porém, em um ambiente virtual.

Fábio Frey

“Se convertemos isso em uma enciclopédia, nos últimos seis ou sete anos, teremos 220 livros com 500 páginas cada um. Esse conteúdo todo são instruções de trabalho e metodologias de gestão”, frisou. As instruções contidas nos softwares desempenham papel fundamental para o bom funcionamento das empresas, explica, por isso, é necessário ser o mais assertivo possível.

“Ao todo, são 40 produtos ou metodologias que desde o início foram adotadas por empresas importantes como o Hospital Sírio Libanês e o Boticário”, aponta. Conforme Frey, uma falha em um sistema de acompanhamento na saúde, por exemplo, traz graves consequências.

“Só existe uma chance de minimizar o erro. É investir cada vez mais no aprendizado”, apontou. A empresa aposta em um modelo híbrido para buscar a inovação ao mesmo tempo em que minimiza falhas nos produtos já consolidados.

Segundo ele, a criação da Interact Bridges, dentro de um ambiente como o Tecnovates, tem o objetivo de construir os próximos 20 anos da empresa. “É um ambiente de debate, pesquisa e criatividade, onde mais de mil ideias estão registradas para que nossos produtos se renovem e se aprimorem.”

A coordenadora do Comitê de Empreendedorismo de Lajeado, Caroline Bücker, questionou a possibilidade de estabelecer processos e rotinas em que se permita falar sobre o erro de forma a utilizá-lo como ferramenta de inovação e aprendizado.

Frey disse acreditar que não apenas as rotinas cotidianas, mas também os processos de criação e inovação precisam ser sistematizados. No caso da Interact, todos os insights de colaboradores e clientes ingressam em um banco de dados com prazo para serem aproveitados pela empresa.

“A cada 15 dias, paramos e identificamos todos os pontos que podem ser integrados aos produtos, e todas as manhãs cada equipe se reúne por 5 minutos para falar sobre os processos em curso”, relata.

Diretor da Reinigend Química do Brasil, Renato Scheffler

Diretor da Reinigend Química do Brasil, Renato Scheffler

Zona de conforto

Diretor da Reinigend Quimica do Brasil, Renato Scheffler questionou os debatedores sobre as consequências do excesso de conservadorismo e da falta de inovação de parte do setor empresarial. “Mesmo com palestras, cursos e a oferta de auxílio de entidades como o Sebrae, boa parte das empresas prefere se manter na mesma rotina há décadas.”

Conforme Elisângela, muitas empresas acabam caindo em uma zona de conforto, algo que está diretamente relacionado aos seus gestores. Segundo ela, pensar em um modelo diferente exige deixar o medo de lado e ter a coragem para desvendar quais as fragilidades e agir, promovendo as mudanças necessárias para o negócio.

Para a professora, é preciso criar um clima organizacional em que as pessoas estejam constantemente aprendendo e saibam que os momentos de parada para planejamento e criação não são perda de um tempo que seria empregado na produção.

Parque Histórico de Lajeado recebeu workshop de dezembro

Parque Histórico de Lajeado recebeu workshop de dezembro

Conforme Elisângela, a academia tem um papel fundamental na criação de uma cultura de constante aprendizado. Lembra que a Univates faz parcerias para promover a educação financeira e empreendedora, tanto nas atividades de extensão quanto na formação de professores que instigam a proatividade dos estudantes para que possam montar o próprio negócio.

De acordo com a coordenadora administrativa do Tecnovates, Cíntia Agostini, Instigar a inovação e aproximar a academia dos empresários é um dos papéis da universidade. Para ela, a pesquisa científica precisa se conectar com as necessidades da região e das empresas.

Thiago Maurique: thiagomaurique@jornalahora.inf.br

 

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