A terra e o cooperativismo perdem um defensor

Vale do Taquari - Despedida

A terra e o cooperativismo perdem um defensor

Legado de Eugênio Schmidt é marcado pela proteção ao ambiente e respeito pela justa extração e distribuição dos alimentos.Também será lembrado como entusiasta do trabalho cooperativista

A terra e o cooperativismo perdem um defensor
Vale do Taquari

A comunidade despediu-se na manhã de ontem do frei Eugênio Schmidt, natural de Linha Delfina, Estrela. Depois de ter passagem marcante por várias localidades da região, viveu os últimos anos na Província do Rio Grande do Sul, em Porto Alegre, onde não resistiu a uma enfermidade recente e morreu no dia 26, aos 90 anos.

Cerca de 20 padres e freis de várias regiões do RS também participaram da cerimônia de sepultamento, no Convento São Boaventura em Daltro Filho, Imigrante. O líder comunitário foi criador da União Fraterna Pro-Terras (Unifrater), que há dois anos foi transferida de Santo Antônio da Patrulha para Linha Delfina, Estrela, em função da expansão urbana na região.

frei eugenio

A entidade ocupa quatro hectares, onde são realizados experimentos, cursos e projetos voltados ao desenvolvimento do meio rural. O projeto foi trazido ao Brasil por Schmidt na década de 1970, quando ele distribuía terras e alimentos e incentivava os pequenos agricultores a trabalharem para conseguirem comprar as propriedades onde viviam.

Filho de agricultores, Schmidt tinha oito irmãos, dois ainda vivos. Entre eles, Guido Schmidt, que ainda mora em Estrela. “Ele estava muito doente, recentemente. Como estava em Porto Alegre, e eu também já tenho 88 anos, não conseguia ficar mais próximo dele. O que ficam são as lembranças e os ensinamentos de alguém que fez muito pela nossa família”, ressalta.

Exemplo de amor à terra

João Pedro Schmidt é sobrinho do frei e atual presidente da Unifrater. Ele conta que a entidade foi criada em 1983, na época em que o Movimento Sem Terra (MST) estava em evidência. “Meu tio acreditava que simplesmente dar as terras não era o mais correto”, lembra.

Familiares, padres, freis e amigos de Eugênio Schmidt prestaram as últimas homenagens na manhã de ontem,  no Convento São Boaventura, em Daltro Filho, Imigrante. O corpo foi enterrado no cemitério do monastério

Familiares, padres, freis e amigos de Eugênio Schmidt prestaram as últimas homenagens na manhã de ontem, no Convento São Boaventura, em Daltro Filho, Imigrante. O corpo foi enterrado no cemitério do monastério

Frei Eugênio acreditava que a propriedade devia ser paga com o trabalho. Assim, conseguiu verba na Alemanha e comprou mais de mil hectares em Santo Antônio da Patrulha e região, para começar a distribuição. “Aos poucos, as famílias produziram e conseguiram ressarcir o valor da terra para a Unifrater”, conta o atual presidente.

Em outubro deste ano, foi inaugurada uma escola na entidade. Lá, são ensinados o cultivo de verduras, a criação de abelhas, de peixes, e de flores. O frei Schmidt foi o segundo presidente da Unifrater, depois de um padre jesuíta, e há dois anos passou o cargo para o sobrinho.

“Meu pai faleceu quando eu tinha 17 anos. O frei nos cuidava e orientava como pai. Nos mostrou os caminhos certos da educação. A mim, aos meus irmãos e a toda a família. Ia visitá-lo frequentemente”, lembra. Ele conta que os maiores ensinamentos deixados pelo tio foram o respeito à terra, dizendo que ela era sagrada pela produção de alimentos.

O Coral Santa Cecília, de Linha Delfina, e o da Comunidade São Luiz, ambas localidades de Estrela, prestaram homenagem em forma de música

O Coral Santa Cecília, de Linha Delfina, e o da Comunidade São Luiz, ambas localidades de Estrela, prestaram homenagem em forma de música

Legado de cooperativismo

Schmidt teve participação ativa na fundação da Certaja, uma distribuidora de energia de Taquari. Segundo o presidente da cooperativa, Renato Pereira Martins, de 1969 a 1978, o frei deu suporte burocrático, além de redigir atas e estatutos e coordenar as assembleias da empresa.

“Quando saímos para angariar sócios, pelo seu envolvimento com o cooperativismo e com a terra, ele ia nos pequenos agricultores, entre os quais tinha credibilidade por ser religioso.”

Martins ressalta que Schmidt sempre lutou e teve papel ativo para tornar a cooperativa realidade. E mesmo depois de se mudar para Porto Alegre continuava visitando Taquari e auxiliando da forma como podia.

“O legado que ele deixa por aqui é muito positivo. Ele dizia que as coisas acontecem por meio da união, essa é a forma mais adequada”, ressalta.

Familiares e fiéis se despediram de Eugênio, lembrado como uma pessoa engajada em prol da comunidade e de temperamento sereno

Familiares e fiéis se despediram de Eugênio, lembrado como uma pessoa engajada em prol da comunidade e de temperamento sereno

No meio familiar

A família de Schmidt vive em Estrela, onde ele passava as férias ou fazia visitas sempre que podia. A sobrinha Elisabeth Schmidt recorda que um dos maiores ensinamentos que ele deixa é a serenidade ao tratar com pessoas e ao realizar o trabalho.

A sobrinha-neta Petra Schmidt também lembra dele com carinho. “Ele tinha um cuidado especial com a família, gostava de reunir todos e contar suas histórias.” O sobrinho Roque Schmidt cita uma frase que o tio costumava dizer quando via alguém preocupado: “Não te preocupa, Deus é providente”. Quando visitava os pais e os irmãos, não deixava os rituais religiosos de lado. Pelo menos duas vezes ao dia, retirava-se ao quarto para rezar.

O Coral Santa Cecília, de Linha Delfina, e o da Comunidade São Luiz, também de Estrela, prestaram homenagem em forma de cânticos durante a cerimônia de despedida.

Elisabeth Schmidt, sobrinha de Eugênio, destacou as virtudes do tio

Elisabeth Schmidt, sobrinha de Eugênio, destacou as virtudes do tio

Convivência fraterna

O frei João Carlos Karling conviveu com Schmidt nos últimos dois anos, em Porto Alegre. Ele conta que a grande marca deixada pelo amigo é a força e a espiritualidade, além da dedicação pela Unifrater.

“Ele fez muitos projetos com o Evangelho e trabalhos na comunidade. Mesmo chegando aos seus limites, nunca desistiu.” Schmidt também foi o pioneiro da Província do Rio Grande do Sul, que hoje tem 50 anos.

Depois da missa, o corpo foi enterrado no Cemitério do Convento São Boaventura, conhecido como cemitério oficial e sede espiritual dos freis do RS.

Aprendiz de Eugênio

O frei Leonardo Kuhn foi seminarista no Seminário Seráfico, em Taquari, onde Schmidt foi professor e vice-diretor. Depois disso, os dois trabalharam juntos no município e moraram na Vila Franciscana, em Porto Alegre.

“Ele era carinhoso, generoso, cordial, mas também exigente e perfeccionista nas questões profissionais”, lembra. Fora a missão religiosa, ele conta que Schmidt gostava de pescar e caçar, além de ser gremista e gostar de jogar canastra.

Enterro ocorreu no cemitério do Convento São Boaventura, onde o corpo ficará por pelo menos cinco anos

Enterro ocorreu no cemitério do Convento São Boaventura, onde o corpo ficará por pelo menos cinco anos

Trajetória

Schmidt era filho de Pedro Jorge Schmidt e Theolina Luiza Gregory Schmidt. Sua formação inclui a passagem por Minas Gerais, onde cursou Teologia. Seu noviciado foi em fevereiro de 1948 no Convento São Boaventura, tendo recebido ordens menores como a tonsura, subdiaconato e diaconato entre 1951 e 1953. Quando entrou na vida franciscana, trocou o nome civil, Renato Francisco, pelo religioso: Eugênio.

Ao longo de sua atuação, passou por comunidades como Santos Dumont, em MG, sendo professor dos seminaristas. Em 1956, foi professor no Colégio Santo Antônio, em São João Del Rei, no mesmo estado. Cerca de cinco meses depois, foi para Belo Horizonte, onde tornou-se estudante e continuou na docência.

Em 1962, foi professor e vice-diretor no Seminário Seráfico, em Taquari, onde ficou até 1972. Naquele ano, foi para Porto Alegre, atuando em entidades como ONG Pão dos Pobres, Paróquia São Francisco de Assis, Provincialado, Vila Franciscana e Fraternidade Monte Alverne.

Bibiana Faleiro: bibiana@jornalahora.inf.br | Fernando Weiss: fernandowweiss@jornalahora.inf.br

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