Uma morte. Muitas dúvidas

fazenda vilanova - MORTE DE TOQUINHO

Uma morte. Muitas dúvidas

Nécio de Souza Pereira, 68, morreu com pelo menos cinco disparos da arma de um policial militar. Família contesta ação. BM alega que idoso disparou contra agente

Uma morte. Muitas dúvidas
Vale do Taquari

Gabriel Pereira estava em casa após comemorar o aniversário de 25 anos. Da porta, escutou a discussão entre o pai e o inquilino de uma casa no terreno da família. Ali, viu o pai ser baleado no tórax e cair próximo ao portão. De acordo com ele, um homem apareceu da escuridão, não disse nada e disparou diversas vezes.

Pelo menos cinco tiros atingiram o tórax de Nécio de Souza Pereira, 68, conhecido na cidade por Toquinho. Ele morreu no local. Passavam das 21h de quarta-feira. Servidor aposentado da prefeitura, Toquinho era muito conhecido no município de pouco mais de quatro mil habitantes.

A discussão era em torno da desocupação do imóvel. Gabriel Pereira, filho da vítima, conta que a casa havia sido emprestada ao casal pelo prazo de um mês, que venceu no domingo. Ficou combinado que o casal retiraria os pertences na quarta-feira. Quando os inquilinos chegaram, Nécio impediu a entrada, alegando que só poderiam entrar para tirar os pertences. Nisso, o casal chamou a Brigada Militar.

“Eles terminaram a discussão e cada um foi para um lado. Quando meu pai se virou, aquele cara apareceu do nada e começou a atirar nele. Não houve nenhum tipo de abordagem, de avisar que era a polícia, que era para ele se render, nada”, afirma o filho da vítima. Ele diz ainda que, ao tentar se aproximar do corpo, foi ameaçado pelo policial.

Morte de Toquinho aconteceu no dia do aniversário do filho Gabriel. Fazia 12 anos que ele não celebrava a data. Fato começou após discussão com vizinho

Morte de Toquinho aconteceu no dia do aniversário do filho Gabriel. Fazia 12 anos que ele não celebrava a data. Fato começou após discussão com vizinho

Tarde de confraternização

A tarde foi de festa na casa em que moravam Toquinho e Gabriel. Para celebrar o aniversário, o filho convidou colegas do trabalho e o pai fez um churrasco. Toquinho estava feliz com os elogios ao preparo da carne.

“Foi o primeiro aniversário que comemoramos após a morte da minha mãe, que faleceu 12 anos atrás. A gente já tinha se recuperado, já estava em reconstrução e aí aconteceu essa tragédia.”

O sobrinho Jones mostra uma das poucas fotos que restaram da vítima

O sobrinho Jones mostra uma das poucas fotos que restaram da vítima

Querido pela comunidade

Toquinho se aposentou do serviço público faz cerca de seis meses. No trabalho, fazia reparos nas ruas da cidade. Circulava com sua bicicleta vermelha e a caixa de ferramentas. Há alguns meses, havia pintado o posto da Brigada Militar no município. Com frequência, cortava a grama do local.

O velório, na tarde de ontem, mobilizou mais de 50 pessoas na capela mortuária do município. O clima era de incredulidade e tristeza. “Ninguém consegue entender porquê o brigadiano atirou nele”, diz o sobrinho David de Almeida. Outro sobrinho da vítima, Jones de Almeida, lembra que no dia do incidente, se dirigiu até a casa do tio. Quando chegou, viu Toquinho no chão, de chinelo, calção e sem camisa.

O vizinho, Almiro da Rosa, descreve Toquinho como “um homem muito bom”. Rosa mora há mais de trinta anos no terreno ao lado. Ambos se ajudavam nas lidas com a plantação e os animais.

“Ele tinha muitos amigos. Tudo que era lugar tinha algum conhecido dele”, afirma. A descrição é a mesma feita por vários moradores do município de Fazenda Vilanova.

Tiros foram efetuados pelo lado de fora e deixaram marcas no portão

Tiros foram efetuados pelo lado de fora e deixaram marcas no portão

Brigada alega que homem disparou

A Brigada Militar tem outra versão dos fatos. Um casal com duas crianças procurou a BM reclamando que estariam sendo impedidos de entrar em casa. A viatura foi ao local e encontrou a discussão em andamento. O homem estaria armado e não teria acatado à ordem de largar a arma. Em uma segunda recusa, ele teria disparado pelo menos uma vez contra a guarnição.

O policial teria reagido, baleando o homem. O responsável pelo Comando Regional de Policiamento Ostensivo, coronel Ricardo Alex Hoffmann, não confirma quantos disparos foram feitos, mas garante que apenas um policial atirou com uma arma MT .40, que pode disparar rajada.

“Segundo o policial, ele agiu dentro da técnica para evitar que fosse ferido. Qualquer pessoa que puxa uma arma e aponta para um policial em qualquer lugar do mundo vai ser alvejado”, afirma o comandante.

De acordo com Hoffmann, em situações como esta, a orientação é disparar na direção do tórax e o objetivo é cessar a iminência à agressão. A Brigada Militar abriu um Inquérito Policial Militar (IPM) para investigar o caso. O prazo é de 40 dias.

Policia Civil abre inquérito

A Polícia Civil também vai investigar o caso. “Não vamos abrir mão. Para mim é muito claro, é atribuição constitucional da Polícia Civil investigar quando há um crime”, afirma a delegada Márcia Scherer, que esteve no local. Ela confirmou que a Nécio de Souza Pereira estava armado com um revólver calibre 32.

Segundo ela, a perícia encontrou 12 cápsulas no local. Sobre Toquinho ter disparado, diz: “Essa é uma grande dúvida.” Na manhã seguinte ao ocorrido, a delegada ouviu o casal inquilino e o filho da vítima. O inquérito está em andamento. Agora, o objetivo é buscar testemunhas que não tenham relação direta com o caso.

Matheus Chaparini: matheus@jornalahora.inf.br

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