“Se o gestor fica no operacional, não consegue crescer”

Entrevista

“Se o gestor fica no operacional, não consegue crescer”

Empresária trabalhava em uma loja de tecidos quando teve a inspiração de iniciar o próprio negócio. Ao ver uma senhora do interior comprar um rolo de 50 metros de renda para confeccionar as próprias cortinas, percebeu um nicho de mercado ainda inexplorado

“Se o gestor fica no operacional, não consegue crescer”
Vale do Taquari

A empresária Andrea Feine fez das dificuldades o combustível para crescer. Após uma infância difícil, começou a trabalhar ainda na adolescência para ajudar com as contas da família. Ela atuava na loja de tecidos dos sogros quando teve a inspiração de iniciar o próprio negócio.

Ao ver uma senhora do interior comprar um rolo de 50 metros de renda para confeccionar as próprias cortinas, percebeu um nicho de mercado ainda inexplorado. Aos 29 anos, no ano 2000, conseguiu empréstimos para abrir a primeira loja e comprar uma câmera digital com a qual tirava fotos dos ambientes onde os clientes queriam instalar as cortinas, uma novidade para a época.

Inovadora, a empresa teve muitas dificuldades nos primeiros anos, mas passou a se tornar referência em um segmento ainda inexplorado. Em 2012, já com grande volume de vendas, Andrea apostou na profissionalização da gestão e passou a colher resultados ainda mais expressivos. Hoje a marca Andrea Feine é referência internacional no segmento.

Andreia Feine em alta 1

Por que você se tornou empreendedora?

Andrea Feine – Tudo começa na minha infância, que foi muito difícil. Trabalho com uma profissional formada em Administração e Psicologia que me perguntou como desenvolvi a resiliência de ultrapassar qualquer dificuldade. Minha mãe ficou seis anos no hospital e eu disse que não havia aprendido muito com ela ou com meu pai porque eles foram praticamente ausentes. Ela olhou para mim e disse: tua mãe lutou seis anos contra a morte, e isso foi um ensinamento. Eu não tinha me dado conta do quanto isso foi forte para que eu nunca desista de nada e sempre seja forte, porque lutar contra a morte é o maior desafio de um indivíduo. Fui criada por minhas irmãs, que eram muito jovens e perdemos todo o dinheiro, porque foi um tratamento muito caro. No colégio, sempre queria apresentar os melhores trabalhos porque pensava que teria que arrumar uma forma de me destacar. Então estudava muito e sempre levei muito a sério as coisas que fazia. Aprendi que se eu quisesse ser alguma pessoa teria que ser por mim e fazer sempre o melhor que podia. Tive muita resiliência em tudo. Então, quando comecei com as cortinas, decidi fazer o melhor que eu posso e não só o trivial.

Quando você começou a sua trajetória profissional?

Andrea – Na adolescência, com cerca de 16 anos, comecei a trabalhar em uma fábrica de calçados para ajudar no rancho do fim do mês. Conheci meu marido bastante jovem e a minha sogra convidou para trabalhar na empresa dela. Era uma loja em Estrela que vendia rolos de renda. Na época, o Brasil ainda não havia aberto mercado para importação, então, todo material disponível era feito pela indústria brasileira, que era limitada, porque não tinha muito recursos e produzia sempre o mesmo tipo de produto. Não tinham fios ou maquinários diferentes, então, as pessoas compravam renda para tudo. Se pensarmos na casa das nossas avós, tudo era feito de renda.

Andrea Feine fabrica

Como surgiu a inspiração para abrir a própria empresa?

Andrea – Um dia, eu vi uma senhora do interior comprando um rolo enorme de tecido de renda, de 50 metros. Perguntei o que ela faria com aquilo e ela me disse que iria de ônibus para casa e costurar na sua máquina de costura todas as cortinas da casa. Ela disse que ia pedir para o cunhado dela perfurar a casa com a furadeira para instalar as cortinas e deixar a casa bonita. Fazer cortina era quase um serviço comunitário, pois todo mundo fazia um pouquinho. Fiquei bastante impressionada com essa senhora, uma mulher de personalidade forte, e gostei muito dela. De noite, eu fui para casa e fiquei pensando em como eu poderia facilitar a vida dessa senhora. Se eu pudesse orientar sobre tecido, ajudar a escolher modelos, tirar as medidas para ela, deixaria a vida dela mais fácil e mais tranquila. Essas mulheres trabalhavam muito durante o dia e ainda ficavam trabalhando nisso nos fins de semana. Foi aí que surgiu a ideia de fazer um serviço completo para facilitar a vida das pessoas.

Foi difícil começar o negócio?

Andrea – Conversei com meu sogro e minha sogra e eles acharam a ideia genial. Compramos um carro. Era uma Belina e, como não tinha muitos recursos, sempre dava problema e me deixava empenhada na frente da casa dos clientes. Primeiro tocava a campainha para medir as cortinas e depois tocava para pedir ajuda para empurrar a Belina. Era constrangedor, mas hoje é muito engraçado. Então fui construindo a ideia do que eu não queria. O cliente não pode empurrar o carro. É para facilitar a vida das pessoas, deixá-las mais satisfeitas e felizes. Desde o início, o foco não era o produto e acho que esse foi um dos segredos do sucesso. Então o início foi com bastante dificuldade, mas as pessoas gostavam muito desse atendimento. Tivemos dois anos muito difíceis quando viemos para Lajeado abrir essa empresa só de cortinas, porque a especialidade estava começando. Sempre tive ideias um pouco à frente, e o negócio foi crescendo.

De que forma a inovação ajudou no crescimento da empresa?

Andrea – Nós usamos uma das primeiras máquinas digitais de Lajeado. Sempre apostamos em tecnologia. As pessoas adoravam porque a gente fotografava e na hora já estava na tela do computador. Isso foi uma inovação na época. Também fomos uma das poucas empresas que usavam decoração nos carros. Colocamos emblemas com flores o que chamou a atenção do consumidor. Tirou um pouco a conotação de que a empresa sempre tem que ser super séria. Ela pode ser séria, mas pode ter um pouco de criatividade e design atrelado ao nome. Fomos traçando um caminho bastante árduo, mas sempre com muita dedicação e paixão. É muito motivador quando tu não vê o produto somente, e sim o resultado que ele gera. Em 2012, vendíamos muito, mas o lucro não acompanhava as vendas e decidi olhar para mim mesmo como gestora.

Sede copiar

Como foi esse processo?

Andrea – É algo importantíssimo para o negócio quando o diretor de uma empresa olha para si e vê onde ele pode melhorar, quais são seus pontos fortes e fracos. Eu detectei coisas importantes nessa análise e percebi que teria que sair do operacional. E teria que gerir melhor as pessoas para que pudesse sair do operacional e assim ter uma visão mais global do negócio. Também tinha todos os números na mão, mas não sabia fazer a gestão deles. Percebi que precisava dois profissionais para me ajudar, e ambos estão comigo até hoje. O Tiago Iori é o nosso economista que gerencia os meus números. Foi incrível porque a partir disso a gente conseguiu abrir um novo universo de melhorias financeiras na empresa. Contratamos também a Denise, que é formada em Administração e Psicologia. Ela ajudou a me reconhecer como diretora e organizar a equipe para que realmente eu conseguisse sair do operacional. Se o gestor fica no operacional, não consegue crescer. Isso é um desafio.

Abandonar o operacional costuma ser complicado para os empresários. Por quê?

Andrea – Esse sofrimento é por cuidar daquela empresa com carinho, amor e dedicação. É esse sentimento que segue até você perceber que o filho começa a ficar feliz de ser cuidado por outra pessoa. O cliente hoje me diz amar o atendimento, mas ainda temos medo de perder o cliente. No início até acontece, porque os funcionários também passam por uma fase de confiança, de acreditar que é possível desempenhar o papel. Hoje eu consigo ver a empresa como um todo e saber o norte que devemos seguir. É difícil, mas o empresário precisa de ajuda, pois sozinho não consegue. Precisa alguém que estudou isso para embasar teoricamente essa mudança.

Como sobreviver diante das constantes mudanças no comportamento do consumidor?

Andrea – Nós estamos junto com o consumidor. Nossas reuniões são diárias, analisando pesquisas. Contratamos empresas muito sérias para fazer as pesquisas de mercado, e olhamos o tempo todo para não ter surpresas e entender o que esse consumidor está pensando. Fiz um curso de branding e o nosso professor dizia: nós pensamos e falamos, mas fazemos o que sentimos. A pessoa pode falar uma coisa, mas quando vai fazer ou sente uma necessidade, ela muda o comportamento. Então estamos o tempo inteiro cuidando do que a pessoa sente e qual é o comportamento dela. Sempre que alguma coisa acontece, a gente busca entender para poder melhorar. Para estar no mercado de hoje, tem que ter a constância de planejamento o tempo inteiro. Não tem problema nenhum se entendermos que algo definido no mês passado precisa ser alterado. Nós mudamos o tempo inteiro conforme o comportamento do cliente.

Qual seu conselho para os jovens que pretendem se tornar empreendedores?

Andrea – Planejamento. Não fazer as coisas de qualquer jeito porque o insucesso pode vir muito rápido. Outra coisa importante é não ser mais um. Hoje eu percebo que no mercado, principalmente do Brasil, as empresas estão se equiparando cada vez mais. Não adianta abrir uma empresa porque outra pessoa fez. Tem que criar um diferencial. Qual é o diferencial que poderia fazer o cliente aqui, nesse momento, escolher você. Outra coisa talvez seria tirar o foco do produto. O produto tem que ser excelente, claro. Não adianta empreender com produto ruim. Mas é preciso pensar no sentimento que aquele cliente terá ao adquirir o produto. E ser resiliente. A resiliência é importante para que, se algo der errado, eu possa olhar para ver o que pode dar certo. Resiliência com inteligência, porque não adianta insistir em algo que dá errado. É pensar estrategicamente e ver o que pode dar certo.

Acompanhe
nossas
redes sociais