Jazia um sol de 40ºC no Rio de Janeiro. Ao gesticular com as mãos para o alto, era possível sentir no ar as bolas ectoplásmicas de calor da cidade maravilhosa.
Lá estava eu. Tomando cerveja semi-gelada no Samba da Pedra do Sal, vendo bundas bronzeadas e anotando coisas aleatórias no meu bloquinho.
O único radicalizado nos pampas selecionado entre outros 25 jornalistas de todo Brasil pro curso de Jornalistas em Áreas de Conflito do Centro Conjunto de Operações de Paz do Brasil (CCOPAB), nas Forças Armadas. Eu estava me sentindo mais gaúcho do que nunca naqueles 15 dias.
Só faltava eu andar de bombacha, sem cueca, com a xerenga atravessada na guaiaca de revesgueio e alpargatas com esporas praianas – conchas colhidas na praia de Cidreira.
Falava “bah”, “tchê” e “mas capaaaz” mais do que nunca.
O tempo todo. Era preciso representar os prados. As origens. O homem do campo. O maragato que não leva desaforo pra casa. O ximango que preza pelo churrasco acima de tudo e de todos – embora eu fosse semi-vegetariano.
Pra tu ver como é. Antes de conhecer o Rio de Janeiro, eu era um cidadão gestado/produzido em Encantado, mas que nasceu estrelense e que achava que era lajeadense que por fim se tornou num porto alegrense, mas que se achava carioca.
Deu pra entender? Mas é bem isso mesmo.
Mas aí aconteceu que quando estava no Rio de Janeiro, eu queria ser simplesmente o estrelense que sempre fui.
Depois da noite de bundas sambando e cervejas suadas na Pedra do Sal, na manhã seguinte eu estava indo para a guerra. Guerra mesmo. Do tipo, tive que comer RAÇÃO HUMANA no meio do mato.
Tá, mas não foi só isso.
Pra comer a ração humana precisei abrir um pacote verde camuflado, espremer álcool gel num alumínio e acender fogo com APENAS UM FÓSFORO que se eu errasse o “tic” do acender, teria que comer cru e esperar o organismo esquentar durante a digestão.
Também fui sequestrado e feito de refém. Tive que negociar minha liberdade jornalística, encapuzado e falando um paquistanes-inglês com terroristas num morro carioca.
Sem contar que fui obrigado a correr com um bloquinho e uma caneta em meio a barracos sendo cravejados de balas num conflito entre ONU e terroristas de Carcana.
Por falar nisso, em meio a reportagem tive que salvar pessoas feridas em um acidente entre jeeps do exército.
Algumas tinham ossos pra fora do corpo, olhos saltados da cabeça e tripas expostas ao relento.
Tudo isso feito e orquestrado pelas Forças Armadas. Uma formação digna de qualidade Netflix e HBO de produção.
Até que me levaram para a CÂMARA DE GÁS LACRIMOGÊNEO. Diferente dos protestos em que cobri durante a vida com bombas da Brigada com 10% de lacrimogêneo, os dutos daquela câmara exalavam gás com 90% de pureza.
Aí me meteram uma máscara contra gás na cara. Daquelas de filme mesmo, sabe? Com o calor do Rio de Janeiro e aquele gás lacrimogêneo todo, um ardor em volta da borracha da máscara dava a impressão de que o rosto poderia explodir a qualquer momento.
Fui me queixar. Afinal, sou míope e astigmata. Meus olhos pareciam que estavam prestes a explodir. Quando falei, entrou gás na boca. Invadiu os pulmões. Aí tossi, aí ardeu a garganta. Aí tossi mais um pouco. Aí a glote parecia estar engolindo magma direto da terra.
COOFFFF, COFFFFFFF, ARGHHHHHH, COFFFFFFF, BLEEEEEEARGH!!!!
E depois de estar quase entrando em óbito, os militares mandaram que eu tirasse a máscara e desse algumas voltas dentro da câmara com aquele gás todo exalando.
Segurei a respiração tudo que pude. Abriram a porta da câmara.
Liberdade.
Corri pelo gramado do quartel, contra o vento e com os braços abertos. Escrementos de saliva e lágrimas exalavam da minha cara. Eu parecia uma cascata.
– ALGUÉM ESTÁ PASSANDO MAL? ALGUÉM ESTÁ PASSANDO MAL? – berrava ao fundo o Major Félix. Preocupado.
Levantei o braço pra cima.
– O que você tem gaúcho? Você tá bem? – dizia o Major enquanto eu pensava “ora, vejam só, já sou chamado de “gaúcho”.
Todo um Brasil de jornalistas de tudo quanto é canto parou para ver o que estava acontecendo com este jovem repórter nerd.
Respirei fundo. Engoli o choro e disse de pronto.
– Olha, bem eu até tô, ô seu Major. MAS BAHHH! É QUE ME DEU UMA SAUDADE DO RIO GRANDE.
Boca no trombone
Sem perder o tom ou o compasso, o Concerto da Banda da Brigada Militar celebrou os 181 anos da instituição.
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@danieldias: Falar de mim é fácil… Não tem continuação não, gente. É fácil mesmo.