“Tuas águas cristalinas que cintilam nas alturas, modulam notas divinas no meu canto de ternura”. Assim o poeta e escritor Jorge Moreira descreve a Lagoa da Garibaldi, local de origem de um dos maiores festivais de música da Região Sul. Apesar de ter mudado de lugar, o espetáculo carrega, 25 anos depois, a essência inspiradora de uma das mais belas paisagens da cidade.
Moreira conta que sua biografia se mistura com a história do Canto da Lagoa. Afirma ter participado de praticamente todas as edições, acompanhando a consolidação do evento como referência para músicos, compositores e letristas de todo o Brasil. Para 2018, foi convidado a ser conselheiro pela experiência e sabedoria, desenvolvidas ao longo de 89 anos de vida.
Com dezenas de troféus e medalhas de festivais espalhados pela casa, guarda com carinho o prêmio de canção mais popular de Encantado, conquistado no segundo Canto da Lagoa, em 1995, com a letra de Rumos de Esperança. Composta por Daniel Orlandini e Marcelo Nolibos e interpretada por Stela Máris e Grupo Tebiquari, a música foi a mais aplaudida, na avaliação dos jurados da época.
Poeta e escritor Jorge Moreira, 89, guarda troféu de canção mais popular de Encantado
Autor de 12 livros e centenas de poesias, o advogado aposentado dá nome ao memorial montado na Casa de Cultura em 2005 para reunir os registros e documentos do festival.
Natural de Cruz Alta, Moreira vive faz mais de 70 anos em Encantado, cidade cuja rotina inspirou a maior parte de suas expressões artísticas.
Entre os prêmios colecionados, estão 1ª e 2ª Penhas da Canção Crioula de Lajeado; 3º Canto dos Sete Povos, de São Luiz Gonzaga, 11ª Coxilha da Música Nativista de Cruz Alta, 16ª Canção Nativa de Carazinho e 8º Canto Farroupilha de Ijuí, entre outros.
Sobre a retomada do Canto da Lagoa após quatro anos de intervalo, o Cidadão Honorário de Encantado ressalta a relevância do festival por estimular o desenvolvimento de canções inéditas. “É muito importante porque desperta o gosto pela música e pela arte em nossos jovens, que hoje estão tão presos aos celulares e tecnologias”, avalia.
Entre os artistas renomados que participaram do Canto da Lagoa, estão Délcio Tavares (1), Sérgio Reis (2), Paixão Côrtes (3) e Belchior (4)
Uma brincadeira
O prefeito Adroaldo Conzatti era o chefe do Executivo em 1993, quando o Canto da Lagoa teve início. Tem orgulho em dizer que foi o idealizador da “brincadeira entre amigos”, que cantavam em um restaurante próximo às margens da lagoa situada na Linha Garibaldi. Ainda de forma tímida, na base do improviso, o evento teve a participação de 34 amantes da música.
“Tudo começou há 25 anos, como uma brincadeira, com músicas só interpretadas, ainda não eram canções inéditas. O festival começou às 11h e terminou às 23h. Mais de 70 músicas foram apresentadas. Foi um sucesso”, relembra.
Para a edição seguinte, com oferta de automóveis como prêmios aos vencedores, a estrutura ficou pequena para comportar a grandeza do festival. A etapa nacional foi passada para o Parque Municipal João Batista Marchese.
Mesmo assim, o ginásio do parque não foi suficiente para receber o público interessado em acompanhar as apresentações, e telões precisaram ser montados na área externa. Segundo o prefeito, o segredo para o “pulo do gato” foi a cobrança de ingresso a R$ 2, incluindo o direito a concorrer ao sorteio de um carro. Sem patrocínios, foi a forma encontrada para dar cobertura às despesas.
Conzatti revela que havia a intenção de promover a edição de 2018 no seu local de origem. Contudo, por limitações financeiras, não foi possível captar os recursos necessários para adequar o espaço a um evento de grande porte, tal como se tornou o Canto da Lagoa. O plano está mantido para 2020, assegura.
Conforme o chefe do Executivo, o festival e a Suinofest são os dois principais eventos que identificam Encantado no cenário turístico estadual, com força inclusive em nível nacional. A proposta é que ambos ocorram a cada dois anos, de forma alternada.
Resgate cultural
O Canto da Lagoa é promovido pela Associação Cultural, em parceria com a administração municipal. Criada com intuito de centralizar a captação de recursos e liderar a organização da festa da música, a entidade foi reativada no fim do ano passado, justamente em função da retomada do evento.
Presidente da Associação Cultural, Jandir Passaia foi o coordenado da 2ª e 3ª edição do evento
O presidente da associação é Jandir Passaia, 67, que foi coordenador da segunda e terceira edição e colaborador das demais. Recorda com entusiasmo da fase embrionária do festival, que mais tarde se tornaria tradição do município e referência nacional. “Queremos retomar esse espaço que tínhamos junto aos festivais de todo o país”, afirma.
Segundo ele, o resgate do Canto da Lagoa representa um “ganho cultural de grande valia” para o Vale do Taquari. Além de propiciar um belo espetáculo para a comunidade regional, incentiva o apreço pela arte, elemento tão importante para a formação do caráter do ser humano, constata.
“Podemos citar inúmeros artistas daqui que se destacaram a partir do festival, ganharam reconhecimento e se consagraram como grandes nomes da música”, destaca Passaia.
Dos artistas renomados que estiveram em Encantado, lembra da presença de Belchior, Sérgio Reis, Rui Biriva, Oswaldir e Carlos Magrão, Délcio Tavares, Élton Saldanha e outros. Destaca também a participação de Paixão Côrtes, um dos principais expoentes do tradicionalismo gaúcho, que morreu em agosto em 2018.
“O Paixão Côrtes foi um grande incentivador, desde o começo. Lembro quando fomos à casa dele para convidá-lo a ser jurado Nos recebeu com um pelego e um mate e se entusiasmou muito pelo projeto. Sempre foi um conselheiro nosso”, relata Passaia.
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Amor pela música
Apenas canções inéditas participam do festival. Ao todo, mais de 400 foram inscritas. Nessa sexta-feira, 23, a fase regional contou com a apresentação de 12 músicas, das quais quatro foram escolhidas pelos jurados para avançar à noite de sábado, 24. Elas disputarão com outras dez de fora da região, quando ocorre a etapa nacional da competição.
No domingo, 25, será a vez dos jovens e crianças demonstrarem seus talentos na disputa estudantil. Nessa categoria, a competição será entre dez canções também inéditas de autoria de alunos de Ensino Fundamental, Médio e EJA, de escolas públicas e privadas de toda a região.
A primeira noite encerrou com a participação dos gaúchos Kleiton e Kledir. Para sábado, a atração será a dupla sertaneja Fernando e Sorocaba. Essa é a única atividade em que haverá cobrança de ingressos. Para as demais, a comissão organizadora pede a doação de alimentos ou brinquedos, que serão repassados a entidades beneficentes.
Segundo o presidente do Canto da Lagoa 2018, vereador Luciano Moresco, o festival retrata a forte relação que a comunidade de Encantado e região tem com a canção. “A música está diretamente vinculada à vida das pessoas. O Canto da Lagoa celebra isso e oportuniza que essa paixão se materialize.”
Para ele, por ser restrito a canções inéditas, o evento instiga os artistas. “Isso propicia que a gente conheça novas composições, inspirações e mensagens. Isso já é um mérito incontestável”, frisa.
Alexandre Miorim: alexandre@jornalahora.inf.br
