Volta dramática. Governo de Cuba antecipa término do convênio

Vale do Taquari - Programa mais médicos

Volta dramática. Governo de Cuba antecipa término do convênio

O atendimento nos postos de saúde feito pelos médicos cubanos chegou ao fim ontem. Pela madrugada, receberam a convocação para retornarem à ilha caribenha nos próximos dias. Na despedida, comoção e incertezas. Em Teutônia, governo tenta manter as três profissionais na cidade

Volta dramática. Governo de Cuba antecipa término do convênio
Vale do Taquari

Os médicos cubanos que atuam na região cessaram o atendimento nos postos de saúde. Ainda durante a madrugada de ontem, foram informados pelo governo cubano sobre o fim antecipado do acordo entre as duas nações. Amanhã eles embarcam para Brasília e, em princípio, deixam o Brasil em direção à ilha caribenha no sábado.

A decisão surpreendeu os profissionais. Em Lajeado, maior cidade da região, o clima era de comoção entre os nove médicos que atendem nos postos de saúde do Campestre, Jardim do Cedro, Moinhos, Montanha, Morro 25, Santo André, Santo Antônio, São Bento e São José.

Na manhã de ontem, estavam reunidos em uma sala da Secretaria de Saúde, no sexto andar do prédio instalado na esquina da av. Benjamin Constant com a rua Alberto Torres.

Danieyis Nunes Hechavarria atuava há dois anos e três meses no posto de saúde do bairro Jardim do Cedro. “Estamos saindo do programa após decisão do Ministério da Saúde de Cuba. Mas estamos um pouco apreensivos porque a informação inicial era de que deixaríamos o país apenas no dia 25 de dezembro. E agora nos ligaram pedindo para pararmos de trabalhar, pois a saída será antecipada.”

Ela ainda não recebeu a confirmação do voo de volta para Cuba. “Sei apenas que deve ser antes de segunda-feira”, relata.

Com auxílio do município, Danieyis alugou uma casa no bairro e, com recursos próprios, mobiliou o imóvel. Com a antecipação do voo de volta, lamenta o pouco tempo para vender os utensílios. “É uma casa completa, com geladeira, máquina de lavar, tudo. Tenho que vender até quinta-feira ou deixar para trás e perder”, lamenta. “É uma agonia para nós, e para a população, que fica sem médico.”

Na manhã de ontem, médicos cubanos se encontraram na Secretaria de Saúde de Lajeado para finalizar contratos

Na manhã de ontem, médicos cubanos se encontraram na Secretaria de Saúde de Lajeado para finalizar contratos

“Não somos escravos”

Danieyis critica as informações divulgadas pelo presidente eleito, Jair Bolsonaro. “Não somos escravos. Eu volto pois vou cumprir o contrato. Estão falando muita coisa, mas todos nós assinamos e sabíamos o valor que receberíamos. Ninguém foi obrigado a vir. Logo, estamos de acordo com o que foi firmado.”

Sobre a parte do salário repassada para a estatal do governo cubano, demonstra satisfação. “Não vai para uma pessoa específica, para a família Castro, por exemplo. Esse valor vai para garantir bons hospitais, para comprar medicamentos, para nossa previdência social, para garantir a saúde, por exemplo, de minha própria família. Também vai para escolas, para que meu filho tenha educação de graça. Não é para uma ditadura.”

Ela tem um filho de 5 anos. Diz que o menino continua na ilha caribenha por decisão familiar. “Todo médico cubano pode trazer a família. Mas tenho que pagar as passagens. O governo cubano não paga, e a passagem é bastante cara. E cada família tem suas prioridades de vida. A população não conhece a realidade de Cuba.”

Richard Marquez

“Me sinto ofendido”

Yenifer Morales Gonzalez trabalha há um ano e seis meses. Ela demonstra intranquilidade com a relação diplomática entre os dois países. “Gostamos muito daqui, e sempre fomos bem tratados. Mas não gostaria de ficar no Brasil com essa situação entre os dois governos. Se o clima estivesse melhor, sim. Mas, dessa forma, prefiro voltar.” Ela tem dois filhos na ilha e queria levar alguns utensílios domésticos para Cuba, mas os trâmites envolvendo Polícia Federal lhe desestimularam.

Ela visitou os filhos em maio, quando voltou para Cuba para passar um mês de férias. Assim como o médico Richard Marquez, que está há quase cinco anos no posto do Centro, e tem uma filha de apenas 4 anos. “Eu mal vi ela. Agora quero voltar, aproveitar o Natal com minha família, e depois pensar no meu futuro profissional.”

Ele já atuou na Venezuela e Paquistão, após terremoto, e se sente “ofendido”. “O presidente eleito disse que deveriam nos evitar, que não éramos médicos.”

medicos cubanos 1

“Vamos remanejar profissionais”

“Até dia 6 de dezembro, vamos remanejar médicos de outros postos. Onde hoje tem agenda aberta, vamos ter que fechar e tirar o profissional daquele posto e colocá-lo onde não tem ninguém”, adianta o secretário da Sáude de Lajeado, Tovar Musskopf. Ele não pretende encerrar atendimento em nenhum local, mas prevê diminuição no horário, e observa que um novo edital já foi aberto pelo governo federal para suprir as vagas agora em aberto. Os novos profissionais devem chegar já no início de dezembro.

Hoje, entre os nove postos de saúde, três tinham apenas médicos cubanos: Campestre, Santo André e Morro 25. “Vamos buscar junto à Univates para contratar outros terceirizados, e cujo salário chega a R$ 27 mil para 40 horas semanais. Pelo programa do governo federal, são 32 horas e mais oito horas de estudo, mas gastávamos apenas R$ 3,2 mil de ajuda de custo. Haverá impacto financeiro”, resume Musskopf.

“Também é importante que a população aguarde os novos profissionais, e não procure a UPA para atendimentos básicos de postos de saúde.”

Secretário de Teutônia, Hélio Brandão, tentará manter as três médicas

Secretário de Teutônia, Hélio Brandão, tentará manter as três médicas

Impacto em Teutônia

A administração municipal busca manter as três médicas cubanas, “tendo em vista a qualidade nos serviços prestados à comunidade nas três Estratégias de Saúde da Família (ESFs)”. Yusimi Martinez Ordunez, no ESF 1; Yudiennys Acosta Pupo Arnt, no ESF 2; e Kaliannis Perez Dominguez, no ESF 3. Juntas, fazem, em média 1,5 mil atendimentos por mês.

Se as profissionais tiverem que deixar o município, explica o secretário Hélio Brandão, a demanda de atendimentos terá que ser feita por outros clínicos. Hoje o custo mensal das três médicas aos cofres municipais é de R$ 7,8 mil. Duas delas recebem R$ 3,5 mil de auxílio-alimentação e moradia, e a outra R$ 770, tendo em vista que ela já tem residência própria em Teutônia. Já o custo mensal de um médico brasileiro para carga horária de 40 horas semanais é de R$ 16,1 mil.

Rodrigo Martini: rodrigomartini@jornalahora.inf.br

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