Cidades pequenas temem saída de médicos cubanos

Vale do Taquari

Cidades pequenas temem saída de médicos cubanos

Cerca de 80% dos profissionais do Mais Médicos na região são oriundos do país caribenho

Cidades pequenas temem saída de médicos cubanos
Vale do Taquari

O fim da parceria com Cuba no Mais Médicos atinge 28 municípios da região. Dos 50 profissionais que atuam em cidades do Vale por meio do programa, cerca de 40 são oriundos do país caribenho. As mais afetadas são as localidades de pequeno porte, que enfrentam dificuldades para atrair médicos ao serviço público.

Após o anúncio feito nesta semana pelo governo cubano de que o país vai retirar seus médicos do Brasil, gestores municipais estudam soluções para o preenchimento das vagas. As maiores preocupações estão na escassez de profissionais brasileiros interessados em atuar no interior e nos altos custos para a contratação dos mesmos.

Conforme o coordenador regional de Saúde, Ramon Zuchetti, cerca de 80% dos médicos que trabalham no Vale por meio do programa criado em 2013 são cubanos. Na estratégia da União, os municípios apenas arcam com as despesas em moradia e alimentação dos trabalhadores. Segundo o coordenador, o atendimento dos caribenhos é bem avaliado em todas as cidades em que atuam.

Ramon Zuchetti

Expectativas e preocupações

Os secretários de Saúde aguardam com expectativa uma posição oficial do governo federal sobre como solucionar a saída dos médicos. De acordo com João Batista Picoli, titular da pasta em Boqueirão do Leão, o profissional cubano que atua na cidade é responsável por atender cerca de 3,5 mil habitantes. Realiza, em média, 350 consultas mensais.

Além do atendimento na UBS, o médico faz visitas domiciliares e acompanhamentos das atividades de grupos, que envolvem profissionais de diversas áreas. “Temos dois médicos pelo programa federal, um deles é de Cuba. Sem eles, não temos como manter os serviços da Estratégia Saúde da Família”, observa Piccoli.

“Esperamos que, junto da notificação, venha uma orientação de como ficará o programa”, ressalta o secretário. Atualmente, o município paga apenas as despesas de moradia ao médico cubado, cerca de R$ 2 mil por mês.

A situação é a mesma em Sério. O secretário de Saúde, Adriano Bergmann, afirma que haverá dificuldades para o governo federal preencher as vagas com a retirada dos profissionais estrangeiros. “Os médicos brasileiros não vão querer trabalhar nos municípios de interior. Assim já temos grande dificuldade em achar profissionais para atender nossa população”, comenta.

No município, são dois médicos que atendem na UBS da cidade, um deles por meio do programa federal. Os gestores locais também não foram comunicados de qualquer mudança. “Ficamos sabendo através da imprensa. No mais, o trabalho segue normalmente”, informa Bergmann.

Desde maio, o médico cubano realiza também cerca de 350 consultas ao mês. “É uma pena essa decisão do governo caribenho. Faltou diálogo e acho que nosso governo não sabe ao certo o que está fazendo”, critica o secretário municipal.

Em Canudos do Vale, o secretário Paulo Cesar Bergmann afirma que a situação da saúde pública no município melhorou de forma significativa depois que uma profissional cubana passou a atender na cidade. Ela faz cerca de 550 consultas por mês. Com outros dois médicos brasileiros atuando no posto de saúde, fica responsável pelos trabalhos de promoção e prevenção, por meio de visitas nas casas dos pacientes.

Embora a cidade esteja preocupada em relação ao futuro do Mais Médicos, Bergmann acredita que o governo federal vai encontrar uma solução adequada para repor os profissionais, sem grandes prejuízos aos municípios.

No estado

Conforme dados do Ministério da Saúde, são 600 profissionais cubanos com presença em 361 cidades do RS. Estima-se que a saída dos estrangeiros vai impactar 1,8 milhão de pacientes no estado.

O Conselho Regional de Medicina do RS (Cremers) publicou nota nesta semana em apoio às alterações pretendidas pelo governo eleito e se colocando à disposição para a busca de soluções aos problemas que afetam o sistema de saúde brasileiro. Conforme a entidade, o programa retirou a função fiscalizatória dos conselhos regionais sobre os profissionais, e as vagas devem ser preenchidas por médicos brasileiros com a necessária qualificação para atender a população.

“O Cremers, sempre pensando em promover o perfeito desempenho ético e moral da medicina, acredita que a decisão do Ministério da Saúde de Cuba de encerrar a participação de mais de 11 mil intercambistas no Programa Mais Médicos apenas reforça nosso entendimento de que este programa era prejudicial para a saúde”, registra a entidade.

Médico em Boqueirão do Leão, Fernandez planeja permanecer no Brasil

Médico em Boqueirão do Leão, Fernandez planeja permanecer no Brasil

“Vamos casar em Cuba e voltar ao Brasil”

A decisão do governo de Cuba pegou de surpresa o médico Alfredo Rodriguez Fernandez, 40. Desembarcou no Brasil em junho de 2017 e, desde então, atende na UBS de Boqueirão do Leão. Relata que foi uma decisão pessoal participar do programa, considerada uma “missão” pela saúde pública.

Médico há 15 anos, também já trabalhou em projeto similar na Venezuela. “Nós sabíamos das condições antes de embarcar. O valor que retornava ao governo de Cuba estava descrito no convênio”, lembra.

Pelo programa, permaneceria por três anos, com possibilidade de renovação. Espera agora a publicação de edital para seu retorno a Cuba, o que deve ocorrer até 25 de dezembro. Mas ele não vai sozinho, levará a leo-boqueirense Ângela Maria Klaus, 36, com quem mora há seis meses.

Vamos casar em Cuba e voltar ao Brasil”, conta entusiasmado. Eles namoraram por quase um ano até decidirem pela união. A surpresa dos fatos mudou os planos e a cerimônia será no país caribenho, junto da família de Fernandez.

O médico precisará se desligar do Ministério da Saúde de Cuba para dar seguimento ao plano de retornar ao Brasil. “O matrimônio legaliza também minha situação no Brasil. Retornando, posso dar andamento ao processo para obter o registro junto ao CRM”, detalha. Não sabe ao certo quando estarão de volta, mas acredita que dentro de dois meses o processo burocrático será concluído.

Ao mesmo tempo, Fernandez mostra preocupação quanto aos pacientes e municípios que deixarão de ter o atendimento dos médicos cubanos. “Faltou articulação entre os governos. Deveria ocorrer a substituição gradual dos profissionais e não da forma como foi anunciada”, analisa.

Alexandre Miorim: alexandre@jornalahora.inf.br | Felipe Neitzke: regional@jornalahora.inf.br

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