Cabelo crespo, encaracolado, cacheado e enrolado, seja black, seja power, trançado ou alisado. As inúmeras possibilidades das donas dos cabelos afros dão liberdade e permitem a criação de muitos estilos. Apaixonada por suas madeixas, a cobradora de ônibus Joana Pulu dos Santos, 37, sempre sustentou com orgulho seus cachos.
Desde criança dona de um exuberante black power, Joana relembra dos cuidados da mãe ao fazer tranças e hidratações para que crescesse mais rápido. Da adolescência em diante, começou a cuidá-los sozinha. Mantém os fios sempre hidratados e faz química para relaxamento a cada dois meses. “Nunca tive nenhum problema em aceitar meus crespos. Muito pelo contrário. Amo meu cabelo. E quanto mais volumosos mais eu gosto”, acrescenta.
Apesar de nunca ter feito cortes mais radicais, Joana conta que sempre cuidou sozinha dos cabelos. De vez em quando, pinta com um tom mais avermelhado e, claro, adora! Ao discutir sobre o famoso alisamento, ela desabafa. “Vejo muitas meninas hoje alisando por não gostarem dos seus cabelos crespos. Eu sou da opinião de que cada um precisa se aceitar e amar seu cabelo do jeito que Deus o fez”, aconselha.
Mais satisfeita com a gama de produtos que, segundo ela, finalmente chegaram ao mercado, fica mais fácil manter os cabelos em dia. “Têm tantos produtos criados para manter nossa cabeleira em alta, não é mesmo? Sou muito feliz com meus crespos”, diz.
A felicidade de Joana apenas não está tão em alta assim em um quesito: profissionais. “A única coisa que lamento é o fato de que aqui na nossa região não existam muitos profissionais especializados no cabelo afro. Tive que aprender sozinha”, reclama. A cobradora corta, pinta e hidrata seus cachos em casa por ainda não ter encontrado profissionais que atendam às suas necessidades. “É preciso de cuidado. O cabelo crespo é muito sensível”, alerta.
Uma em mil
Cabeleireira faz oito anos, Daisy Carolina Pereira da Rosa, 35, é muito conhecida em Lajeado por ser uma expert em cabelos afro. “Na verdade eu faço todos os tipos de cabelos, das loiras às negras, mas acabei ficando conhecida pela habilidade com os crespos”, conta.
Ela relata que muitas mulheres passam anos alisando as madeixas e quando, empoderadas, resolvem assumir os cachos, levam mais um longo período para recuperar a estrutura dos fios. “O cabelo crespo é muito sensível e os danos de um alisamento podem levar até quatro anos para serem recuperados. E é nesse processo que entram os apliques de mega hair”, revela.
De volta aos cachos
O processo de muitas mulheres para abandonar os cabelos lisos e voltar aos cachos leva bastante tempo. Na opinião de Daisy, a maioria das clientes que alisaram o cabelo fizeram isso por causa da pressão social para se ajustar ao perfil de cabelo liso que a maioria das propagandas vendia incessantemente até cinco anos atrás. “Isso é um problema sério. As meninas, quando novas, acabam querendo se encaixar em um padrão e depois na vida adulta sofrem as consequências de não conseguirem mais ter cachos definidos”, lamenta. Por outro lado, também tem as mulheres que simplesmente se amam com as madeixas alisadas. “Eu já mudei, coloquei cachos, mas não me reconheci. Só me sinto eu com o cabelo liso”, exemplifica Daisy.
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No processo de regressão ao estado natural do fio, Daisy explica que é recomendável o acompanhamento de um profissional. Primeiro se faz uma hidratação intensiva nos fios, cortando as pontas ressecadas de pouco em pouco. “Mudanças bruscas costumam assustar a maioria de nós”, frisa. Para quem quer manter o cabelo em ordem enquanto as curvas definidas não aparecem, o indicado é apenas escova sem química.
“Quando o cabelo novo cresce de cinco a seis centímetros, colocamos um mega hair, abrimos de quatro em quatro meses para acompanhar o crescimento até que, enfim, consigamos deixar apenas o cabelo natural da cliente”, diz.
“O Vale precisa acordar”
Quando indagada sobre a variedade de produtos destinados aos cabelos cacheados e crespos, Daisy afirma que a região não está preparada para atender essa demanda. Ela, que domina 11 técnicas de apliques capilares, sente falta de produtos específicos. “Apesar de termos diversas lojas especializadas, não se encontra produtos, seja para cabelos quanto para maquiagem, compatíveis com a mulher negra. Isso é um preconceito silencioso”, critica.
Com o salão bem movimentado, a profissional precisa buscar produtos em Porto Alegre ou São Paulo para atender melhor as clientes. “Acho que está todo mundo focado na tal maioria que esqueceram que os negros também são muitos em Lajeado, por exemplo”, afirma.
Mesmo sendo cabeleireira, Daisy ressalta a importância de a mulher encontrar em todo seu corpo a autoestima completa. “O cabelo não é tudo. Tenho muitas clientes que perdem seus cabelos em tratamentos de câncer, por exemplo, que percebem que antes de tudo é necessário amar a nossa essência”, reflete.
Livre, leve e solta
Orgulhosa de seus cachos, Débora Brito, 27, relembra o tempo da adolescência em que não aceitava bem seu cabelo. “Eu passava um alisante, mas depois de um tempo fui cortando aos poucos para tirar o produto do cabelo e voltar ao natural”, compartilha.
Apesar de receber diversas opiniões para que alise seu cabelo, Débora conta que é irredutível. “Eu amo ele assim e, para falar a verdade, eu não me vejo com cabelo liso”, comemora. Por ser uma mulher de personalidade forte, conta que não liga para as opiniões e não se importa com comentários.
Moradora de Arroio do Meio, Débora conta que tem dificuldade de encontrar produtos para cabelos cacheados. “Aos poucos começam a chegar mais opções de cremes, gelatinas e hidratantes”, avalia. E nos seus hábitos de cuidados, compartilha logo sua rotina. “Costumo lavar com shampoo para cachos, depois passo condicionador, penteio embaixo do chuveiro pra tirar nós e finalizo fazendo fitagem com creme de pentear”, explica. E, quando quer mais definição, usa uma gelatina para cachos, passando em seguida uma toalha para tirar o excesso de umidade.