Durante esta semana, comissões de 137 países, ONGs e Organização Mundial da Saúde debateram estratégias para conter o consumo do cigarro na Conferência das Partes da Convenção-Quadro para o Controle do Tabaco (COP8), em Genebra, na Suíça.
A família Lutz, de Arroio Alegre, Forquetinha, acompanhou com preocupação as discussões. Com 1R$10 mil pés plantados, dependem da cultura para se manter no meio rural. “Se proibir o cultivo hoje, amanhã eu procuro emprego na cidade. Não há alternativa tão rentável, com garantia de compra, assistência técnica e preço justo igual ao tabaco’, observa André, 27.
Na safra passada, o rendimento bruto em seis hectares chegou a R$ 187 mil. Segundo Lutz, para diversificar, é preciso ter acesso a crédito e garantia de compra do produto. “Se deixarmos de plantar aqui, um outro país vai atender a demanda. Quem decide sobre o controle não conhece a realidade e por isso somos criminalizados”, defende.
Lutz cobra medidas mais rigorosas quanto ao comércio ilegal de cigarros. No país, quase 50% do produto vendido é contrabandeado. Por ano, a perda aos cofres públicos chega a R$ 6 bilhões.
Quanto ao vício, Lutz é categórico. “Fuma quem quer, todos sabem que faz mal. Antes de proibir, apresentem alternativas com rendimento igual ou superior”, finaliza.
“Culturas existem, poucas têm rentabilidade”
Enquanto observa as mudas recém-transplantadas, o produtor Nélio Fuchs, 50, de Três Saltos Alto, Travesseiro, justifica os 24 anos dedicados à atividade. “O tabaco me deu tudo, terra, casa. Apesar de exigir bastante mão de obra, o lucro é garantido”, afirma.
Na safra passada, as 250 arrobas colhidas renderam R$ 32 mil. “Nenhuma outra cultura daria esse resultado. Tentamos produzir leite, mas as exigências não compensam o preço pago”, lamenta.
A desvalorização do milho e do feijão fez o casal Francisco, 66, e Anari Reginatto, de Boqueirão do Leão, migrar para o fumo faz 40 anos. O baixo investimento e a boa remuneração mantêm a área de 70 mil pés. “As demais cadeias, como suínos, leite e aves, exigem altos investimentos e lucro mínimo. Passaria o resto da vida pagando financiamentos”, observa.
Ao lado dos filhos Roberto, 36, e Renato, 32, Reginatto até tentou diversificar, mas esbarrou na falta de mercado. “Plantamos 40 mil pés de eucalipto e hoje nem conseguimos vender. Se proibir o fumo, ficamos sem alternativa”, comenta.
No último ciclo, o faturamento chegou a R$ 136 mil.
Alto investimento
Plínio, a mulher Irsilete, ambos 54 anos, cultivaram tabaco por 15 anos. Com a saída do filho Cristiano da propriedade, abandonaram a cultura. Por ano, eram plantados 15 mil pés. “Apesar da boa rentabilidade, a atividade exige muita mão de obra. Entre dois ficou difícil de continuar”, recorda Plínio.
Com as economias oriundas da fumicultura construíram um aviário para alojar 12 mil aves. Ainda são mantidas 18 vacas, cuja produção diária chega a 500 litros. “O investimento é alto e as exigências são grandes. O lucro cada vez menor. Por isso, quem tem mão de obra, persiste no fumo”, comenta.
“É preciso acelerar a diversificação”
Tânia Cavalcante, secretária-executiva da Comissão Nacional para Implementação da Convenção-Quadro para o Controle do Tabaco (Conicq), alerta para a redução da demanda por tabaco no mundo e enfatiza a importância de acelerar o processo de diversificação. “Dizer que inexiste outra cultura tão rentável ou que é a única a garantir sustento ao produtor é algo equivocado”, defende.
Para ela, é urgente a necessidade de a Associação dos Municípios Produtores de Tabaco (Amprotabaco) mostrar independência e desassociar-se “o mais rápido possível das empresas de tabaco”. Fechamos as portas nas convenções para a indústria pelo histórico de práticas desleais”, argumenta.
Médica do Instituto Nacional do Câncer (Inca), Tânia prega cautela para discutir a regulamentação de cigarros eletrônicos e de tabaco aquecido. “Nenhum dispositivo substitui parar de fumar”, afirma.
Vício recua
Segundo índices divulgados pela ministra da Advocacia Geral da União (AGU), Grace Maria Fernandes Mendonça, a implantação de medidas para conter o comércio e consumo de cigarro tem reflexos positivos.
Entre 1990 e 2015, o hábito de fumar recuou de 29% para 12% entre os homens e de 19% para 8% entre as mulheres. E o percentual de fumantes no todo da população brasileira teria diminuído 33% no período entre 1990 e 2017.
Opiniões
“As políticas de combate ao contrabando de cigarros precisam avançar, com atuação rigorosa nas fronteiras. Os novos produtos de tabaco, anunciados como de risco reduzido, precisam ser discutidos de forma coerente e vistos como alternativas para os fumantes que não querem deixar de fumar. É a oportunidade do consumidor optar por um produto que tem menor risco.” – Presidente do Sindicato Interestadual da Indústria do Tabaco (SindiTabaco), Iro Schünke
“A diminuição de consumo é um desafio para a produção. Os projetos de diversificação não levam em consideração o conhecimento que nós temos dos produtores e nem as iniciativas de fomento a novos cultivos.” – Vice-presidente da Associação dos Fumicultores do Brasil (Afubra), Marco Dornelles
“Os produtos originários do tabaco, combatidos pela COP-8, são legais, de indústrias legais. Nós vamos lutar até o fim, pois a cadeia produtiva é fundamental para os municípios.” – Presidente da Amprotabaco, Telmo Kirst
“Nos preocupa ver pessoas que desconhecem a realidade definir o futuro de quem produz. Defendemos a segurança ao produtor, que vem diversificando, e que ele deixe de ser criminalizado por plantar tabaco.” – Vice-presidente da Federação dos Trabalhadores na Agricultura no Estado (Fetag), Nestor Bonfanti
Raio X no RS
– Municípios produtores: 238
– Produtores: 75 mil
– Pessoas no meio rural: 300 mil
– Hectares plantados: 156 mil
– Toneladas produzidas: 344 mil
– Receita aos produtores: R$ 2,94 bilhões
– RS é responsável por 50% da produção da Região Sul
– Renda familiar média: R$ 1.926,73
– 50% produzem outras culturas além do tabaco
– 52% representa o tabaco na renda bruta das propriedades
– 39% têm outra fonte de renda
– 73% tem sucessores e pretendem continuar no tabaco