Eu não estava aqui. Estava em férias, longe, desligado do dia a dia do trabalho e das notícias tristes. Um exercício de alienação necessário, do tipo estratégia de preservação da saúde física e mental. Mas a tecnologia da informação não nos poupa e o quase vício de olhar o celular com frequência atrapalha o tal exercício de alienação.
A menos que a gente se embrenhe numa caverna onde não haja sinal de celular, a informação nos alcança: queiramos ou não, ela nos alcança. Não tem como fugir, nem das boas e muito menos das más notícias. Foi neste contesto de cabeça fresca que recebi as notícias do incêndio no Museu Nacional e do atentado à vida do candidato Jair Bolsonaro.
Primeiro o incêndio, porque esse não tem mais volta. Nada mais revelador do descaso como é tratada a coisa pública. O que é de todos não é de ninguém, variação do tema “cachorro com dois donos morre de fome”. Como disse a professora Glicéria Jesus da Silva, indígena da tribo tupinambá, da aldeia Serra do Padeiro, na Bahia: “Tem um período aqui na aldeia em que acontecem incêndios. A mata queima, o fogo devasta tudo. Só que a mata, deixando lá, renasce. É diferente de um museu: um museu é muito frágil.” Sábias palavras.
Li a respeito dos pesquisadores de várias áreas que perderam acervos e documentos, anos e anos de trabalho que não será recuperado. Assisti a entrevistas com biólogos que dedicaram suas vidas à pesquisa e à catalogação de espécies da fauna brasileira, do que agora só restam cinzas e arquivos digitais. Resta o consolo dos arquivos digitais, que talvez venham a compor o acervo do Museu do Amanhã.
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O atentado à vida do candidato é um golpe direto na democracia do Brasil, já tão fragilizada e tão desacreditada. Não me impressiono com as falas ideológicas atribuindo a Bolsonaro a culpa pelo próprio flagelo. Nem mesmo aqueles que pregam a violência merecem ser vítima da violência. Porque a violência é a negação da civilidade, da capacidade do diálogo, dos princípios democráticos e republicanos. Só me resta repudiar.
Nas minhas férias, visitei um país que cultua a guerra, como manifestação de honra e de força. Foram tantas nos séculos XX e XXI, todas bem longe do seu território e sob o pretexto de defender a paz e a democracia, que eles resolveram erguer museus e memoriais para lembrar dos seus mortos. Eles são ricos, vivem como se não houvesse amanhã e na sua maioria desconhecem o que está se passando além das suas fronteiras. Mas internamente eles cuidam muito bem do seu país e preservam com incomparável competência seus traços culturais, sua ciência e seu modo de vida.
Abandonar a memória do nosso passado é condenar as gerações futuras à ignorância. Justificar uma guerra em nome da paz e da democracia é negar esses princípios básicos. Atentar contra a vida de um semelhante, só porque ele pensa diferente, é negar a essência humana.
Tecnologia a serviço da Justiça
A juíza de Direito Cecília Laranja da Fonseca Bonotto, da Vara Criminal de Santiago, tem realizado audiências por WhatsApp, para ouvir testemunhas que estão fora da comarca, em processos criminais. Os depoimentos são feitos por chamadas de vídeo. O trâmite é o mesmo pelo qual a testemunha passaria se estivesse no Foro e, da mesma forma, responde às perguntas da magistrada, dos promotores de Justiça e dos advogados.
Em Porto Alegre, a juíza Betina Meinhardt Ronchetti também já realizou audiências por WhatsApp. Em uma delas, a vítima prestou depoimento por vídeo e também fez o reconhecimento do acusado pelo aplicativo, mas por meio de uma foto. Ela explicou que a foto para identificação foi feita na hora da audiência. “Fizemos a foto, gravamos em vídeo e o ato de reconhecimento com a resposta da vítima ao vivo. Depois, juntamos a foto impressa no processo”, afirmou a juíza. “Não é mais possível deixar de utilizar os recursos tecnológicos disponíveis a qualquer pessoa para a realização do nosso trabalho, nem aceitar argumentos que elejam a forma pela forma e se neguem a dialogar com a essência e a finalidade dos atos processuais. Esse compromisso, que deve ser de todos os operadores do processo, é em maior medida ainda do juiz, pois a ele cabe primar pela prestação jurisdicional eficaz”, salientou Betina.
Direitos dos refugiados é tema de livro
No livro Direito dos Refugiados: do eurocentrismo às abordagens de terceiro mundo, a professora Laura Madrid Sartoretto investiga as origens do eurocentrismo no direito internacional e os instrumentos regionais de proteção aos refugiados, criados na África e na América. Também analisa o caso da migração haitiana ao Brasil.
Os instrumentos internacionais de proteção aos refugiados, como a Convenção de 1951, foram criados para enfrentar a situação dos europeus que tiveram que deixar seus países com a Segunda Guerra Mundial. Mas o mundo mudou absurdamente nos últimos 70 anos e esses regramentos vêm sendo questionados por não darem conta das causas de migração forçada em países periféricos.
Com base nas chamadas Abordagens de Terceiro Mundo do Direito Internacional (TWAIL, na sigla em inglês), o livro aborda a tendência de aumento das restrições migratórias na Europa e nos Estados Unidos, além dos instrumentos regionais de proteção aos refugiados criados na África e na América Latina. No capítulo final, a autora ainda analisa o caso da migração haitiana ao Brasil e a concessão de visto humanitário em detrimento do instituto do refúgio, assim como as mudanças da nova Lei de Migração rasileira, de 2017. Leitura interessante.