“O jovem precisa ser um parceiro de negócios”

Entrevista

“O jovem precisa ser um parceiro de negócios”

Lucildo Ahlert, economista e consultor em Gestão Empresarial e Pesquisas, fala dos desafios para garantir a sucessão. Além da transferência patrimonial, é preciso ceder ao jovem o poder de decisão, de responsabilidade e de autoridade sobre a propriedade

“O jovem precisa ser um parceiro de negócios”
Vale do Taquari

No RS, quem tem mais de 65 anos já representa 23,1% do total de homens e mulheres atuando no campo, enquanto o número de jovens caiu de 1,9% em 2006 para 1,2% conforme dados do Censo Agropecuário, de 2017.

A seguir, o economista e consultor em Gestão Empresarial e Pesquisas, Lucildo Ahlert, destaca formas de garantir a permanência dos jovens na lavoura.

Como se forma sucessores?

Lucildo Ahlert – Prepare os filhos para o empreendedorismo. Abra os horizontes dos negócios existentes e possíveis na propriedade. Dialogue com os filhos para conhecer as suas ideias e projetos para o futuro. Prepare os prováveis sucessores, especificamente na gestão de negócios. Faça a gestão dos negócios de forma compartilhada com os filhos. Implante uma sistemática de administração de caixa das finanças na propriedade e remunere os integrantes ativos por resultados. Crie um sistema de negócios de parceria com os filhos que atuam nas propriedades. Planeje o seu próprio futuro como sucedido na propriedade. Formalize um plano de sucessão com todos os filhos, sucessores e não sucessores. Organize a transferência patrimonial da propriedade ao(s) sucessor(es), com definição das funções e da remuneração dos sucedidos.

Como garantir a “passagem do bastão” entre as gerações?

Ahlert – É importante que os atuais produtores entendam que nas últimas décadas ocorreram profundas mudanças na sociedade, que afetaram o meio rural: possibilidade de emprego de jovens rurais na cidade, ampliação do tempo escolar, em ambientes urbanos, com enfoque em profissões urbanas, produção rural focada no mercado, com compra de insumos e financiamentos a pagar; necessidade de investimentos constantes, filhos casam mais tarde ou não se casam, entre outros. Esta nova realidade torna a administração de uma propriedade mais complexa, aumentando os seus riscos, o que dificulta a obtenção de resultados econômicos adequados. Nessa situação, ser produtor rural não é mais para amadores.

O que o jovem precisa fazer para administrar a propriedade?

Ahlert – É vital que ele se prepare profissionalmente para ser sucessor, principalmente para conhecer ferramentas de gestão que possam ser utilizadas na propriedade e conhecimentos técnicos que permitam melhorar a produtividade. No entanto, para que o jovem tenha interesse em aplicar os conhecimentos, ele precisa ter participação nos resultados, ou seja, ele precisa ser considerado um parceiro dos negócios pelos pais. Onde as famílias conseguiram ter clareza de como proceder e onde os filhos buscaram a devida formação, a sucessão volta a acontecer com normalidade, a exemplo do que ocorre no município de Westfália, onde em torno de 60% ou mais estão com sucessores.

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Quem serão os produtores do futuro?

Ahlert – A redução do número de pessoas residentes no meio rural é algo natural e aconteceu em todos os países desenvolvidos e, nem por isso, a produção agropecuária diminuiu; ao contrário, aumentou. Dependendo das perspectivas econômicas, as migrações podem ocorrer nos dois sentidos, tanto do meio rural para as cidades, como o inverso, ainda mais na nossa região, onde as distâncias entre os dois meios são pequenas e os estilos de vida são semelhantes. Cabe às escolas formar cidadãos que conheçam as duas realidades, campo e cidade, para que no futuro cada um possa decidir onde quer desenvolver as suas atividades.

Como podemos aumentar a participação das mulheres?

Ahlert – A mulher sempre teve uma participação importante na propriedade. Além de ser a dona de casa, ela participa praticamente em todas as demais atividades. No entanto, no meio rural, há um preconceito em relação às mulheres. Mesmo a sociedade em geral ainda considera que a mulher é do sexo frágil e que não pode exercer determinadas funções. Como as atividades rurais no passado eram braçais, formou-se a ideia de que ser responsável por uma propriedade é de competência dos homens. Esta ideia ainda impera em muitas propriedades, mesmo de forma inconsciente, fazendo com que os pais escolham os filhos do sexo masculino como seus sucessores. Atualmente, as atividades no meio rural são menos braçais e mais alicerçadas no uso de equipamentos tecnológicos, não havendo mais nenhuma razão lógica, se é que antes isso poderia ser considerado, que impeça as mulheres assumirem a gerência.

Considerações finais

Ahlert – A grande preocupação é com o equilíbrio social, pois as propriedades vão aumentar de tamanho, concentrando a produção em poucos produtores, com escalas maiores. Assim, teremos, também no meio rural, duas classes, os proprietários capitalistas e os trabalhadores subordinados, o que acabará com a agricultura familiar tradicional. Esta realidade já existe na produção de ovos, altamente concentrada em poucos produtores que trabalham com mão de obra contratada. Nesse caso, em épocas de crise, teremos desemprego também no meio rural. Para que o processo não seja dominado por capitalistas com recursos financeiros próprios de outros setores, são necessárias políticas públicas que permitam incluir o máximo de jovens existentes no campo, instrumentalizando-os com conhecimentos de gestão e financiamentos subsidiados, com prazos mais longos, de 20 a 25 anos, como ocorre em países como a Alemanha.

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