Viaduto V13 completa 40 anos

Especial - viaduto V13

Viaduto V13 completa 40 anos

O viaduto férreo mais alto das Américas e o quarto do mundo foi inaugurado em 19 de agosto de 1978, mesmo com as obras perdurando até 18 de setembro daquele ano. Já o anúncio oficial veio só em 7 de dezembro, com uma viagem de trem realizada pela comitiva do ex-presidente Ernesto Geisel. Quatro décadas depois, o gigante de concreto está ocioso diante do alto investimento do governo militar

Viaduto V13 completa 40 anos
Vale do Taquari

O Livro de Registros Diários da obra do Viaduto 13, o popular V13, confirma o dia 25 de julho de 1975 como a data inicial de construção de uma das mais imponentes pontes ferroviárias do mundo. Eram tempos de vultosos empreendimentos no Vale. A barragem de Bom Retiro do Sul e o Porto de Estrela estavam em andamento. A BR-386 fora recém-entregue.

Mesmo antes do início dos serviços, realizados em conjunto pelo Batalhão Ferroviário do Exército, a empresa Brasília Obras Públicas – responsável pelos pilares – e outras sub-empreiteiras e diaristas, os números do V13 já impressionavam. Foi utilizado o que de mais moderno existia no país em termos de engenharia.

São 143 metros de altura e 509 de extensão. O maior entre os 27 viadutos da denominada Ferrovia do Trigo, ou EF-491, no trecho de 153 quilômetros entre Passo Fundo e Roca Sales. Todas as atenções estavam voltadas para o gigante de concreto construído, à época, em Muçum, e depois “emancipado” junto com o novo município de Vespasiano Corrêa, em 1995.

A obra da ferrovia mudou a rotina do Vale, em especial nos municípios de Muçum, Roca Sales, Encantado e Guaporé. Para tocar o empreendimento, que previa ainda 32 túneis no trecho, o Batalhão Ferroviário contava com um efetivo médio de 40 oficiais, 90 subtenentes e sargentos, e 480 praças. Além deles, eram mais de 700 funcionários civis e outros 1,2 mil contratados.

Com 509 metros de extensão por 143 de altura, o Viaduto 13 interliga montanhas e hoje recebe no máximo um trem por dia. Geralmente, à noite. Estrutura fica em Linha Lucano Conedera

Com 509 metros de extensão por 143 de altura, o Viaduto 13 interliga montanhas e hoje recebe no máximo um trem por dia. Geralmente, à noite. Estrutura fica em Linha Lucano Conedera

“Era muita gente. Não foram poucas as famílias que se estabeleceram pela região após a obra”, lembra Severino Bernardi, que faz mais de quatro décadas mora próximo às margens do Rio Guaporé, por onde hoje passam as curvas da EF-491. Ele trabalhou como vigia das máquinas do batalhão. E acompanhou as obras do V13 desde o primeiro golpe de picareta.

06_AHORA

A testemunha do empreendimento de 50 milhões de cruzeiros viu a construção dos 15 pilares de sustentação desde a sapata – que recebia em torno de 400 metros cúbicos de concreto – até o topo. Lembra que no local onde hoje existe um bar, no pé do V13, e próximo à residência dele, existiu uma “vila temporária” formada só por funcionários. “Trabalhavam dia e noite.”

Bernardi recorda em tom de tristeza do fim da obra. A movimentação, intensa durante três anos, cessou por completo em poucas horas. “Quando acabou, acabou. Pegaram as coisas, derrubaram os alojamentos e refeitórios que eram bem simples e foram embora. Disseram que o Geisel veio pra cá. Mas eu não vi nada. Não me convidaram.”

Movimento na economia

O volumoso número de funcionários civis e militares envolvidos na obra da EF-491 alterou a economia a infraestrutura dos municípios beneficiados com os trilhos. Diversas pequenas empresas locais cresceram com os contratos firmados com o Exército para serviços terceirizados e de suporte ao empreendimento.

A maioria do maquinário utilizado era de propriedade do 1º Batalhão Ferroviário. Também atuavam na obra da EF-491 as construtoras Brasem S/A, J.Dantas, CR Almeida e Toniolo Busnello. Todas de fora. Mesmo assim, empresas locais também foram contratadas para suprir outras demandas. Entre essas, a firma onde atuava Damaceno Rodrigues, natural de Muçum.

“Eu trabalhava em uma central de dobragem de ferro. Preparávamos toda a ferragem e mandávamos para todas as obras do modal ferroviário que construíam na nossa região. Eu levei muitas cargas até o V13”, conta. “Mas não subia até o topo. Ficava no solo, bem tranquilo”, diverte-se.

Rodrigues reconhece a coragem dos funcionários, civis e militares. Lembra que a altura já impressionava a todos, mesmo antes da obra estar finalizada. “Subir até o topo não devia ser nada fácil com aqueles andaimes antigos. Eu só subi depois de pronto. E lá de cima eu olhei para baixo, enxerguei as pessoas, parecendo formiguinhas, e pensei: que coisa incrível.”

Obra foi de julho de 75 a agosto de 78. Custo chegou a 50 milhões de cruzeiros

Obra foi de julho de 75 a agosto de 78. Custo chegou a 50 milhões de cruzeiros

“A perna tremia”

Além da “vila temporária” junto ao canteiro de obras do V13, diversas casas de madeira foram construídas em estilo padrão para abrigar o alto comando do Exército durante as inspeções. A maioria foi erguida no centro de Muçum, mais especificamente na rua Presidente Kennedy.

Uma única dessas segue de pé. Pintada de verde, a cor predominante no uniforme do Exército, a residência foi adquirida por Leonélio Zanen, 78, mediante um acerto por serviços prestados ao batalhão. Ele atuou durante pouco mais de dois meses na construção do V13. Era carpinteiro. “Também atuei nos viadutos 3, 5, 7, 12 e no 17. E ainda nos túneis.”

Zanen é vizinho de Rodrigues. Na época da obra, auxiliava no escoramento da estrutura do V13. “Eu ajudava a fazer o ‘encontro’ e colocar as treliças. Minha equipe trabalhava em um dos lados do viaduto, em direção a Dois Lajeados. Era tudo encaixado. Cada viga de concreto tinha cerca de cinco metros”, conta.

No 1º Batalhão Ferroviário desde 1961, tinha experiência em obras de maior vulto, como a ponte férrea do Rio da Prata. Mas nada comparado aos 143 metros do V13. “Medo eu tinha, não tem como negar. Mas tinha que fazer. Era meu trabalho. Lembro que às vezes o pilar não encaixava bem. Daí tinha que caminhar por cima das treliças. A perna tremia”, admite.

“Quando chovia muito lá em cima, bebíamos cachaça”

Miguel Aldrovandi tem 64 anos. Nasceu em Roca Sales. Aos 21, como funcionário do 1º Batalhão Ferroviário, trabalhou como “armador de ferro” na obra do maior viaduto. Um pouco antes, prestou serviços no V5, V6, V8 e V12. “Eu fiquei do início ao fim no V13. Ajudei até na ferragem da sapata. Ficávamos até às 22h.”

Miguel (terceiro da esquerda para a direita) tomando uma cerveja “Brahma” a mais de 100 metros do chão

Miguel (terceiro da esquerda para a direita) tomando uma cerveja “Brahma” a mais de 100 metros do chão

Ele se diverte e se emociona ao mesmo tempo. “Não tinha medo naquela época. Hoje já não tenho tanta coragem. Minha pressão é mais alta, né”, brinca. “Nós começamos de baixo para cima. Acabamos nos acostumando com a altura”, explica.

viaduto v13 antiga 2

Mas nem todos eram iguais. “Tinha um lá que morria de medo. Quando chegava próximo ao ‘encontro’ das vigas, voltava de ‘quatro pés’, quase engatinhando”, conta, aos risos. Aldrovandi montava as treliças. “Elas balançavam até meio metro para o lado, lá em cima.” Também ajudava na montagem das madeiras, que serviam de moldes para o concreto.

Da época, lembra os amigos e as cervejadas. “Tenho orgulho de ter participado. Lembro as festas a cada etapa cumprida. Churrasco e cerveja a 100 metros do chão. E quando chovia muito lá em cima, o chefe nos dava um garrafão de cachaça para esquentar. Mas só depois do horário de serviço, claro.”

“Saí um pouco antes do soldado cair”

Aldrovandi faz questão de desmistificar o local. “Tem muita lenda sobre corpos que caíram e foram concretados. Mas na verdade só morreu um militar no V13.” O ex-funcionário lembra com detalhes. “Já passava das 18h. Eu saí um pouco antes do soldado cair”, conta.

viaduto v13 antiga 3

Segundo ele, tudo começou quando os funcionários civis que atuavam na construção das torres de ferro pediram aumento ao comando militar. “Eles negaram e nos tiraram do setor. Trouxeram soldados novos e com pouca experiência.” Entre esses novatos vindos de Lages, o homem que caiu de 90 metros de altura.

“Ele estava retirando restos de cabo. E lá em cima tinha um mastro com roldana para puxar os materiais e ferramentas para cima ou levá-los para baixo. Uma peça trancou e ele estava apoiado nesse mastro. Naquele momento, o equipamento se dobrou. Ele perdeu o equilíbrio e se foi. Estava sem cinto na torre de ferro erguida ao lado do pilar. Foi uma pena”, lamenta.

“Saí da roça e vi um homem pendurado”

Trens de passageiros pararam de circular ainda na década de 1980. Hoje, no máximo, um trem de carga passa por dia sobre o V13. Com isso, a gigantesca obra do Exército vem sendo utilizada muito mais por praticantes de esportes radicais e turistas em geral, embora a Rumo Logística, concessionária responsável pela malha, reforce a todo o momento a proibição do acesso aos trilhos.

viaduto 13 a hora jornal

(SEM LEGENDA)

viaduto v13 antiga 4

O secretário de Turismo em Vespasiano Corrêa, Arielo Albino Gheno, fala da intenção de criar trilhas ecológicas próximas aos viadutos e túneis da EF-491. “Um projeto em conjunto com a Amturvales. Vamos iniciar em setembro. Haverá sinalização até o V13”, resume.

Já o uso dos trilhos para práticas de esportes como rapel e base-jump vem diminuindo, garante Nair Bernardi, que foi morar no pé do V13 aos 17 anos. Faz cerca de 15 anos, ela estava na roça, por volta das 18h, quando ouviu pedidos angustiantes de socorro vindo do alto. “Olhei para cima e não vi nada. Saí da roça, olhei um pilar e vi um homem pendurado.”

Era um praticante de base-jump. Estava sozinho e, durante o voo, parte do paraquedas ficou preso em uma barra de ferro, no quinto pilar do V13, no sentido Muçum a Dois Lajeados. “Eu fiquei desesperada. Queria pegar as cordas dos bois e jogar para ele.” Duas horas depois, Sílvio Zonatto, um praticante de rapel que mora próximo, foi chamado e resgatou o homem.

“O homem chegou branco no chão. Parecia uma vela. Pediu para eu tirar os tênis dele”, conta ela, já em tom de bom humor. “Acho que foi a coisa mais maluca que já aconteceu. Porque no dia a dia, o viaduto é bem calminho”, finaliza a esposa do “seu” Severino.

Rodrigo Martini: rodrigomartini@jornalahora.inf.br

Acompanhe
nossas
redes sociais