“Quando eu enxergava, não olhava nem pra mim”

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“Quando eu enxergava, não olhava nem pra mim”

Moradora de Lajeado, Marisa Nicolini, 48, aprendeu a encarar a vida de outro jeito depois de perder a visão. • Como a senhora ficou cega? Eu descobri o diabetes do tipo I com 16 anos, mas comecei a ter problemas…

“Quando eu enxergava, não olhava nem pra mim”

Moradora de Lajeado, Marisa Nicolini, 48, aprendeu a encarar a vida de outro jeito depois de perder a visão.
• Como a senhora ficou cega?
Eu descobri o diabetes do tipo I com 16 anos, mas comecei a ter problemas aos 30. Foi aí que começou a perda da visão. Sempre tratei, mas chegou um dia, aos 37 anos, que não teve mais o que fazer.
• Como foi o episódio do coma?
Em 2003, fiz o primeiro transplante de pâncreas isolado do RS. Por quase dois anos, me livrei do diabetes, mas peguei uma bactéria da água e fiquei 24 dias em coma. Quando acordei, só conseguia falar e mexer a cabeça, e ainda enxergava. No coma, os médicos nos amarram na cama, para a gente não cair quando acorda. Acordei e briguei com o enfermeiro para me soltar. Ele ergueu meus braços e soltou, para eu acreditar que estava paralisada. Me ver assim foi o fim. Demorei três meses para me recuperar. Os médicos ainda não sabem como eu sobrevivi.
• Lembra-se de alguma coisa desses 24 dias?
Me lembro que eu estava de pé, na parede do quarto, me vendo deitada na cama do hospital e a minha mãe colocava rosas ao meu redor. Não entendia o que ela estava fazendo, só pensava que eu tinha que cuidar dos meus filhos. De repente, a minha mãe era a minha tia. Depois disso, não sei mais. Os médicos acham que foi aí que eu acordei.
• Como é a sua rotina?
Superei a cegueira. O meu filho mora comigo, mas eu que cuido da casa. Não saio muito. Vou para Porto Alegre sozinha e me viro, mas aqui eu não consigo; as calçadas são muito desniveladas. Vou na Apadev e aprendi a escrever em braile. Ler não dá porque fiz muitos exames e perdi a sensibilidade nos dedos por causa das picadas.
• Isso tudo teve um lado positivo?
Eu vejo as coisas de outra forma. Os problemas me ajudaram a olhar mais para o próximo. Quando eu enxergava, não olhava nem pra mim. Só trabalhava. Comecei a viver depois de perder a visão. Estou no escuro, mas consigo caminhar, cuidar da minha casa e de mim. Já fiquei atirada em uma cama sem poder fazer nada, e isso é pior. São as dificuldades que te ensinam a viver. Aliás, a maioria das coisas boas não te ensina a viver.
• Se pudesse escolher uma situação para enxergar, o que seria?
Ver meus filhos. O meu mais novo tinha 9 anos quando eu perdi a visão. Hoje, está com 20. Ele mora comigo, e a minha filha tem 31 e também está sempre perto, mas, sabe aquela vontade de olhar no rostinho deles? Isso eu queria muito.

Gesiele Lordes: gesiele@jornalahora.inf.br

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