Passou brilhantina no cabelo, penteou-os para trás e pôs os óculos fundos de garrafa na cara esgualepeda. Atrasado. De novo. Pegou a pasta , a chave da caminhonete e partiu enquanto o despertador ainda alarmava ao lado da cama.
Tricotava o trânsito com a Pajero enquanto pensava na reunião em que já deveria estar há 30 minutos. Lembrou das mensalidades do filho Augusto que ainda não conseguira pagar. Das safadezas com a esposa Lívia, que não perdia fogo nem com 20 anos de casados.
Enquanto trocava a estação da rádio, cruzou o sinal vermelho. Ouviu um estrondo. Olhou para as mãos no volante. Tudo certo. Estavam ali. Porém, ao olhar para o retrovisor, viu seu carro espatifado contra um caminhão.
Adalberto morreu na hora, mas o espírito ficou ali. Nunca imaginou que fosse assim.
Voltou correndo para perto de seu próprio corpo. Olhou para a cara sem vida estatelada contra o símbolo da Mitsubishi no volante.
No que pensou em Lívia, a alma transportou-se para a residência da esposa. O celular de Lívia toca, é Augusto.
– Mãe, acabei de saber que o pai sofreu um acidente e morreu! – disse o menino atônito. Aos prantos.
– Calma, meu filho. Posso te tranquilizar. Saibas que esta dor não é pela morte de seu pai. Adalberto não é o seu pai de verdade – revela Lívia.
Com as mãos, em espírito, Adalberto pula em Lívia. Não adianta. Ela não percebe nada. Decide contar para Sérgio. O ex-namorado metido a artista que volta e meia atazanava a vida do casal. Estava morando no Rio de Janeiro há seis meses.
– Adalberto morreu, Sérgio. Já adiantei o assunto ao Augusto. Agora poderemos viver juntos como sempre desejamos. Nem precisei seguir o nosso plano de contratar um assassino de aluguel. O idiota conseguiu morrer sozinho.
Adalberto não conseguia acreditar. Parou para pensar e lembrou que o filho tinha as mesmas feições de Sérgio. Até meio metido a artista o menino já era. Já se achava um mpbista aos 18 anos.
[bloco 1]
No velório, em meios a familiares e amigos acionistas, Lívia chorava debruçada sobre o caixão de Adalberto. Embora tivesse duas passagens para o Rio de Janeiro na bolsa, disfarçava bem a lamúria.
Augusto ficara quieto. No canto da capela, com os olhos arregalados. Em dois dias, conheceria o pai, que também era metido à bossa nova e sambinhas de malandro.
Com o fogo de Lívia que ardeu por todos estes anos, toda a fortuna que Adalberto conquistou na corretora foi para esposa. Um sobrado de esquina, uma casa nos campos de Mampituba, um pastor alemão e uma Pajero batida. Tudo para usufruto dela e de Sérgio.
Na beira da praia de Copacabana, viu o filho Augusto tocando Tom Jobim com o verdadeiro pai dele. Sérgio.
Entrou no mar. Inundando o oceano em lágrimas.
Chorou por toda sua vida até desaparecer no Atlântico.
Lajeado
Não há o que não haja por uma boa selfie ou para ficar mais perto de São Cristóvão no Dia dos Motoristas. Ao alto e avante.

(SEM LEGENDA)
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@PedroLima: Meu vizinho coloca umas músicas que até eu sinto falta da ex dele.
Respira fundo, Marcelo

(SEM LEGENDA)