Estar conectado na internet se tornou um vício não só das crianças, mas também dos pais. Um fenômeno recente, a parentalidade distraída tem definido diversos pais e mães como pessoas desconectadas dos filhos por estarem logadas constantemente nas redes sociais. E o pior: esses pais nem se dão conta disso.
A rotina cansativa de trabalho, o leva e traz das crianças e as preocupações domésticas teêm sobrecarregado os adultos que, como em um grito de socorro, recorrem à tecnologia para entreter os filhos e tirar um tempo para si. Até aí não haveria nenhum problema se os próprios adultos não perdessem o controle de si mesmos.
De acordo com o pai e psicólogo Everson Daniel, 36, a falta de controle no tempo de uso e no conteúdo do material acessado pelas crianças pode ser nocivas à educação. “Percebo que cada vez mais os pais delegam a criação e educação dos filhos à internet”, alerta. Para ele, o problema encontra-se na mistura da inocência com a curiosidade dos pequenos. “A criança vai sempre além do que esperamos porque ela não sabe o que procurar, não tem conhecimento sobre quais conteúdos deve ou não assistir, estando à mercê das sugestões e itens relacionados na internet. Isso pode ser muito nocivo”, afirma.
Doenças mentais como transtorno de déficit de atenção e hiperatividade, TDAH e depressão, têm sido cada vez mais recorrentes em crianças. De acordo com a tese de doutorado da psicóloga Denise Barros, do Instituto de Medicina Social da Universidade Estadual do Rio de Janeiro, o consumo do remédio para tratamento do TDAH, a Ritalina, aumentou 775% em dez anos no Brasil. Índices semelhantes também foram comprovados em países como Estados Unidos e Taiwan.
Para a presidente do Sindicato dos Professores Municipais de Lajeado, Mara Lúcia Crestani Goergen, 50, esses índices podem ser sentidos em sala de aula, com crianças mais dispersas, com dificuldade de concentração e falta de interesse. “Acredito que muitos desses problemas estejam relacionados com a falta de disponibilidade emocional dos pais. As famílias não interagem constantemente e ficam entregues aos tablets e celulares. Dessa forma, não se abrem para o diálogo, e a criança acredita que é normal se fechar e não dividir vivências”, diz.
Cuidar, acolher e ouvir
Ser disponível emocionalmente para os filhos não significa necessariamente ou apenas estar fisicamente presente. “Pais sem disponibilidade não dão ao filho espaço para se expressar e aprender como reagir a uma situação de perda, frustração, dor, contrariedade”, diz Daniel.
Um pai ou uma mãe que se encontra constantemente debruçado sobre o celular e redes sociais não tem como notar as nuances comportamentais da criança, acolhê-la mesmo sem que peça e ouvir suas questões. “O que no fim das contas a criança vai aprender a seguir o exemplo dos pais: baixar a cabeça e se entreter com a internet”, critica Mara.
Para Valéria Guilardi, 29, mãe de Pedro Henrique, 3, o uso do celular pelo filho só acontece de 30 a 40 minutos por dia, quando se comportou bem. “Crianças em crescimento necessitam de brincadeiras educativas e o uso excessivo do celular sobrepõe o espaço dessas outras atividades”, diz.
O uso dos eletrônicos para auxiliar esporadicamente na rotina dos adultos é aceitável, diz Valéria. “De fato, a família anda mais ocupada com outras questões, e o eletrônico acaba deixando a criança mais concentrada. Na minha opinião, é uma triste realidade mas, falando em meu caso, já dei sim o celular para o Pedro se distrair enquanto fazia algum trabalho ou estudava para prova. Não é sempre, mas, às vezes, ajuda”, conta.
O que há de errado?
De acordo com artigo científico do psiquiatra filiado à Unesco, Luís Ramos Marcos, as crianças de hoje estão sendo estimuladas e superdimensionadas a objetos materiais, mas são privadas dos conceitos básicos de uma infância saudável, tais como “pais emocionalmente disponíveis, limites claramente definidos, responsabilidades, nutrição equilibrada, sono adequado, movimento ao ar livre, interação social e espaços para o tédio.”
Em contraste, nos últimos anos, as crianças foram preenchidas com “pais digitalmente distraídos, indulgentes e permissivos que deixam as crianças ‘governar o mundo’ e sem saberem quem estabelece as regras”, critica. O médico também acredita que a maioria dos pais tirou das crianças a responsabilidade de fazer e merecer as coisas. “Assim como as crianças, essa geração de adultos quer tudo instantaneamente e é mais impaciente”, constata.
O que fazer?
Passar desenhos e filmes à exaustão para uma criança assistir é também um ato questionado pelo psicólogo Daniel. “Os desenhos são educativos e culturais, mas, por outro lado, são impessoais. Eles não têm o poder de conversar com a criança e notar que algo não está certo”, afirma. Sem a disponibilidade dos pais, elas não conseguem, muitas vezes, encontrar soluções para aquilo que estão sentindo.
Acompanhado por adultos, o uso da internet pode ser um grande auxílio para o crescimento cognitivo e educacional da criança. “Eu sou pai e moro em uma cidade diferente da do meu filho. A internet nos aproxima, o que é um caso mais específico, e eu posso auxiliá-lo sempre que precisa, bem como também monitorá-lo”, conta.
Aos pais e mãe que moram com os filhos, estar fisicamente perto da criança causa a falsa sensação de presença, mas a presença real está na interação, no olho no olho e no aprendizado em conjunto.
Internet a favor
Para ter controle sobre o conteúdo acessado pelo filho Dylan, 4, Daniel usa aplicativos como auxílio. “Uso o Google Family Link, que me permite ver o histórico do que ele assiste e definir a faixa etária dos vídeos com o YouTube Kids”, conta. Mesmo em cidades diferentes, acessa o tablet do filho pelo celular, define remotamente quanto tempo ele assiste, hora de desligar e aprova as instalações de novos aplicativos.