Nascido na localidade de Nova Santa Cruz, em Santa Clara do Sul, Claudir Dullius fez da vontade de crescer na vida o combustível para o sucesso. Decidido a não trabalhar na roça, o então franzino filho de agricultores iniciou a caminhada como empreendedor quando cursou seminário.
Sem interesse em se tornar padre, Dullius começou a trabalhar em uma indústria calçadista de Novo Hamburgo e passou a trazer produtos para vender para amigos e parentes. Em novembro de 1979, abriu a primeira loja Dullius, em Santa Clara do Sul.
Com persistência, foco e muito trabalho, iniciou nos anos 1980 a abertura de filiais. A primeira delas, em Cruzeiro do Sul, onde hoje fica a matriz. Em seguida, completou o sonho de abrir a primeira unidade em Lajeado.
Perto de completar 40 anos de história, a empresa tem 25 lojas no RS e uma franquia Colcci em Curitiba. A rede trabalha com marcas conceituadas e de grande valor agregado, como Colcci, Ellus, Cavalera, Forum, Convicto, Ferracini e Democrata.
A empresa tem ainda a linha Reisen, marca própria de calçados, confecções e acessórios, inspirada em grandes grifes do ramo da moda mundial.
Pensando no futuro e nas mudanças no varejo, a Dullius investe em tecnologia e desenvolve um sistema de delivery. A intenção é misturar as plataformas físicas e digitais.
Quando você decidiu se tornar empreendedor?
Claudir Dullius – Sou filho de agricultores de Nova Santa Cruz, interior de Santa Clara do Sul. Eu fui o primeiro filho, e naquela época tínhamos poucos recursos. Nos primeiros anos de vida, nem luz a família tinha. Como era o mais velho de seis, eu precisava fazer as lidas da casa e ajudar a mãe. Ajudava a cuidar dos irmãos, limpar a casa, varrer o pátio, tratar os bichos, ajudar a tirar leite, limpar as estrebarias e ajudar na lida na roça. Quando era bem pequeno, levava o café para meu pai na roça, depois comecei a trabalhar. Eu não sabia o que queria ser. Comecei a crescer, gostava muito de ler e fui estudar em Santa Clara. Trabalhava de dia na lavoura, de noite ia a pé para Santa Clara, dormia na minha vó e de manhã pegava carona com um leiteiro para voltar para casa. Depois meu pai comprou uma bicicleta usada, acho que trocou por uma vaca. Tinha dificuldades, pois era magrinho, franzino e não conseguia segurar direito o arado. Não tinha vontade de trabalhar na roça. Ninguém merece lavrar nos morros para plantar milho, soja. Felizmente, hoje o trabalho no campo não é tão sofrido. Naquela época, um amigo me sugeriu estudar para ser padre, em um seminário em São Leopoldo.
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Você chegou a completar os estudos para ser padre?
Dullius – Tinha 17 anos e fiz o segundo grau em São Leopoldo. Não quis ser padre porque gostava muito de mulher, e padre não pode casar. Hoje vejo que acertei. Com o empreendedorismo, podemos fazer muito bem para muitas pessoas ao dar emprego a ajudar as pessoas a crescer. Gosto de dar meu depoimento em faculdades para inspirar os jovens, quando falo que se eu fui um colono, magrinho e pobre, e cheguei onde estou, é possível chegar ao sucesso. Sempre digo que as pessoas de sucesso têm mais chance de ser feliz porque elas se autorrealizam e ajudam os outros. Ter um sonho e um motivo é fundamental. Fico muito triste quando vejo pessoas desanimadas que se entregam facilmente. Eu não sabia o que queria ser, mas comecei a ir nos bailes e não conseguia arrumar uma namorada bonita porque era meio feinho. Então, dizia que um dia iria vencer na vida, onde quer que seja. Podia me tornar um bom cozinheiro, dono de indústria, contador ou dono de loja, que foi o que aconteceu.
Como essas dificuldades ajudaram no seu crescimento?
Dullius – Hoje agradeço por não ter nascido filhinho de papai. Essas dificuldades, que hoje muitas pessoas passam, fazem parte de um exercício de crescimento. Não vi nenhum jogador de futebol ou atleta de olimpíadas que não exercitam o corpo diariamente e exaustivamente até alcançar uma alta performance. Hoje vejo muitos jovens que querem chegar ao sucesso sem esforço. Quando arrumam emprego, querem logo ganhar muito sem passar dificuldades. Você precisa treinar bastante, apanhar e passar por dificuldades, mas sempre levando como aprendizado. Não posso dizer que passei fome, mas passei dificuldade. Morei em pensãozinha em Novo Hamburgo. Às vezes queria comer algo melhor, mas ficava apenas no pão com ovo e leite. Tudo passou, mas não vou esquecer. Comecei a trabalhar nas fabriquetas de calçados em Novo Hamburgo, estudava em São Leopoldo, em um colégio jesuíta. Sábados voltava para casa.
Quando você começou a trabalhar com o varejo?
Dulius – Na época eu estava em uma fábrica de injetados para saltos e vinha muito fabricante de sapatos lá. Eles me perguntaram se eu queria levar uns sapatos para vender em casa. Levei para vender para os amigos, vizinhos e parentes e assim fui aprendendo. Nesse meio-tempo, o dono da antiga loja Lauxen, de sapatos, me ofereceu para comprar a loja. Eu não tinha dinheiro, então, falei com meu pai e com o meu avô e consegui montar a minha primeira lojinha. Eles me ajudaram e fui pagando todos os meses. Isso foi no fim de 1979, tinha 21 anos. Logo consegui comprar um Corcel velho. Então eu trazia sapatos e vendia também para outras lojas. Virei quase um sacoleiro. Eu abria a minha loja nas quintas, sextas, sábados e domingos depois da missa. Ia de bicicleta para a igreja e na volta abria a loja para pegar os clientes. Sempre pensava em como impactar as pessoas. Botei os preços na vitrine, algo que pouca gente fazia e tinha visto em Porto Alegre. Eu não tinha muitos sapatos, então, consegui um monte de caixa de sapato vazia em uma fabriqueta, e enchi a prateleira. Assim, quem entrava pensava que tinha muitos produtos disponíveis.
Com foi o aprendizado para atuar no setor?
Dullius – Fui aprendendo na escola da vida. A vida toda é uma constante aprendizagem e cada vez mais vejo que a gente não pode mais parar de estudar. Não completei a faculdade. Ingressei no curso de Ciências Contábeis na Unisinos, mas hoje percebo que é preciso um diploma e depois se especializar na área. Mas sempre fui muito curioso, obstinado e inquieto, sempre querendo fazer melhor e diferente. Naquela época eu passava a semana em Novo Hamburgo, trabalhando como representante para uma empresa de segurança e extintores. Abraçava o que vinha. Vendia retalhos de couro das fábricas e estava em constante busca. Assim foi até que depois abri a loja em Cruzeiro do Sul onde hoje tenho a matriz. Importante é não ter medo de copiar o que dá certo para outras pessoas e constantemente estudar e conhecer grandes players do negócio. Sempre vou para São Paulo, Porto Alegre e agora vamos para a Europa visitar lojas do setor.
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A abertura da primeira loja em Lajeado foi um marco para a empresa. Por quê?
Dullius – Meu sonho sempre foi abrir uma loja em Lajeado. Eu sentava na praça, em frente à igreja e à prefeitura, observava o movimento e pensava que, com tanta gente caminhando na rua, se um dia eu conseguisse abrir uma loja na Júlio de Castilhos, estaria feito. Isso realmente aconteceu, em 1983 ou 1984. Naquela época, Lajeado tinha cinco lojas grandes, das quais hoje não existe nenhuma, e eu era pequeno no meio deles. Nunca tive nenhum momento de frustração, pois sempre mantive o foco e a persistência, constantemente pensando na melhoria. Abri uma segunda loja em Lajeado e depois teve uma época de grande inflação quando comecei a vender por atacado, até vir o Plano Real. Ali decidimos nos profissionalizar mais porque com a inflação alta todos os erros estavam encobertos. Contratei consultor de lojas e de crediário. Assim fomos amadurecendo, em uma constante.
A que você atribui o sucesso da Dullius?
Dullius – Uma das coisas mais importantes é formar uma boa equipe que seja uma extensão do seu pensamento e confiar nas pessoas. Vejo muito empresário que abre e fecha a loja, fica atrás do caixa, porque acha que os outros vão roubar. Um dos motivos de poder abrir lojas e filiais é a confiança, porque você entrega a chave para outra pessoa. O segredo está no ser humano. Entender a si mesmo, escutar a sua intuição. O sucesso ou o fracasso é responsabilidade do empreendedor. Mas compreendi que preciso ter pessoas preparadas que percebam o sentido do negócio, que tenham um bom treinamento e possam crescer por meio da empresa. Os empreendedores precisam dar passagem para outras pessoas. Muitos que trabalharam comigo têm loja, viraram meus “concorrentes”, mas fico feliz. Eu não gosto de perder um funcionário por falta de desempenho, e sim por capacidade, para aproveitar uma nova oportunidade. Não adianta eu ter muito dinheiro e fazer uma loja bonita, com layout, marcas e marketing top e lá dentro o clima ser ruim. O ser humano é mais importante que o produto.
O quanto a relação com os fornecedores define o sucesso de um negócio?
Dullius – O fornecedor precisa do lojista e o lojista dele. São elos. Sempre mostrei lealdade e procurei honrar os compromissos assumidos. Se faz o pedido, não cancelar em cima da hora, e, se receber a mercadoria, pagar em dia. A empresa trabalha muito o olho no olho. A nossa cultura de integridade, honestidade e transparência a gente também leva para o fornecedor. O ser humano hoje está muito treinado para não falar toda a verdade e a gente tem como princípio a sinceridade até com o colaborador. A gente fala para funcionários e colaboradores o que é preciso melhorar. Se tem um produto que não gira, precisamos conversar com eles. Estamos começando a selecionar cada vez mais o fornecedor que é parceiro de fato.
Como a empresa se prepara para o futuro, em um mundo de constantes mudanças tecnológicas e de comportamento?
Dullius – Essa é uma preocupação muito forte. O varejo mudou e não vai mais voltar ao que era. No Brasil, especialmente, estamos vivendo uma crise que perdura anos. No primeiro ano, todos pensavam que iria passar e continuaram comprando. No segundo, compraram menos e no terceiro o consumidor ficou bem mais consciente. Ele não compra mais por impulso e ficou expert nos produtos. Consegue pesquisar o preço no mundo todo, compra pela internet até da China. São muitas ameaças e algumas oportunidades. A frequência das pessoas dentro das lojas diminuiu drasticamente, enquanto a concorrência aumentou. Estudamos muito e estamos lançando o projeto Dullius Delivery, que é de ir até o cliente pelas vias digitais. Vamos levar a mercadoria até o cliente. A gestão do estoque precisa ser mais vigiada. Não há mais a necessidade de uma loja cheia e é preciso sempre ter novidades. Como os custos subiram, não é possível remarcar para baixo. O consumidor brasileiro era o que mais consumia e não fazia conta. Agora fazem escolhas e contas. Meu sonho é colocar a loja Dullius dentro do celular das pessoas, para que elas tenham acesso a tudo isso na mão.
De que forma a empresa se prepara para a sucessão familiar?
Dullius – Nunca forcei um filho a estar no negócio porque acho que meu sonho não pode ser o sonho dele. Precisa olhar cada vez mais para o lado profissional porque a maioria das empresas no Brasil sucumbem na segunda ou na terceira geração. Quase toda empresa começa familiar, o que é bom. Mas se a empresa vai mal a família também vai mal. Eu olho o meu negócio em primeiro lugar, o que não quer dizer que relego a família para o segundo plano. Quero que a família trabalhe para a empresa e não o contrário porque é por meio do negócio que os familiares podem crescer, adquirir autoestima, sucesso, cultura e sustento. É preciso ver se os filhos estarão preparados. Tenho três filhos, o Daniel, a Rosana e o Vinícius. O Daniel está na Dullius e em outra empresa nossa. Ele trabalha mais com produtos e a gestão do estoque. A Rosana é arquiteta, tem escritório próprio, mas também trabalha para a empresa. O Vinícius, mais novo, trabalha na parte de gestão de pessoas e vendas nas lojas. Temos uma consultoria para isso, com um coach de larga experiência que trabalha a família. Uma vez por mês, fazemos uma reunião de um dia inteiro. Não podemos dar espaço para dinâmicas que não sejam positivas. A família precisa estar em harmonia e essa questão está se encaminhando muito bem.
Na sua opinião, é importante dedicar tempo para cuidar da saúde e momentos de lazer?
Dullius – A psique, a mente, é tudo. É dela que saem as ideias boas e ruins. Não existe mente sã se o corpo não está são. Hoje eu tenho mais tempo, não trabalho mais tanto. Procuro coordenar. Acredito no ócio produtivo, de ficar pensando para encontrar as soluções. Sempre temos a saída para qualquer dificuldade dentro de nós mesmos. Muitas pessoas vivem no artificialismo do facebook e não têm o espaço para ficar consigo mesmo. Quanto aos esportes, faço pilates, natação e ainda bato uma bolinha. Procuro viver tudo intensamente e ter meus momentos de lazer, ir a festas. Fico triste quando vejo empresários obesos e que não fazem exercícios porque isso oxigena a mente. Quem não cuida de si tem chance de sucumbir ali adiante e daí a vida não vale a pena. Vejo muito empresário escravo do seu negócio, que abre e fecha a loja, vai no banco e faz tudo porque não confia nos outros. A vida tem que ser vivida para a felicidade. Meu negócio não é um sofrimento, é uma alegria. Não dá para trabalhar só pelo dinheiro. Se você serve bem as pessoas, o dinheiro vem. Esse é o segredo da Dullius, se interessar verdadeiramente pelas pessoas para servi-las, sejam elas clientes ou colaboradores.
Thiago Maurique: thiagomaurique@jornalahora.inf.br