“Sabíamos que ela ia morrer, mas não assim”

Cruzeiro do Sul - PÂNICO NO INTERIOR

“Sabíamos que ela ia morrer, mas não assim”

Filho relembra violência dos ladrões que provocou infarto da mãe. Alice Maria Persch, 75, havia sofrido derrame faz um ano. Apesar dos familiares terem alertado os quatro bandidos que assaltaram a residência sobre os problemas cardíacos dela, eles ignoraram e mantiveram os outros seis familiares amarrados e amordaçados enquanto reviravam a residência da vítima. O grupo fugiu em um veículo roubado do filho de Alice. Polícia Civil encontrou digitais e já tem suspeitos do crime.

“Sabíamos que ela ia morrer, mas não assim”
Vale do Taquari

À beira do fogão a lenha, sete pessoas da família de Alice Maria Persch, 75, aguardavam o almoço ficar pronto. Era um dia normal na comunidade de Linha Picada Augusta, até o momento em que quatro criminosos adentraram a residência e anunciaram o assalto, por volta das 10h45min.

Cerca de 1h30min depois, tempo que durou a ação do bando, com o susto tomado pelo modo como a família foi feita refém, a idosa Alice acabara sofrendo um ataque cardíaco e morrendo no local.

Terror anunciado

No exato momento em que os quatro bandidos adentravam a casa de Alice, o primo dela, Paulo Dessoy, 57, estava indo ao banheiro, no lado de fora da residência. Segundo ele, assim que foi visto pelo grupo criminoso lhe apontaram um rifle e mandaram adentrar o imóvel.

No velório de Alice Maria Persch, 75, o sentimento da comunidade era de incredulidade com a forma da morte da aposentada e revolta com a insegurança

“Arrancaram os lençóis das camas e rasgaram tudo para fazer tiras de tecido para nos amarrar”, relata Paulo. Segundo ele, em seguida os bandidos enfiaram panos na boca dos familiares e prenderam fitas adesivas nos rosto de todos, menos de Alice, que começou a passar mal durante o assalto. Ela foi colocada no sofá da sala, junto do marido Ivo Persch, 74.

Por mais de uma vez, familiares alertaram os bandidos sobre a enfermidade que Alice sofria no coração.

“Há exatamente um ano, ele teve um derrame”, conta Paulo.

Relato da amiga de Alice, a aposentada Vânia Arenhardt, 65, é de que enquanto passava mal, um familiar havia pedido que os criminosos dessem o remédio à idosa que sofria do coração.

“Aí um deles disse que ela podia morrer porque já tinha uma certa idade”, lamenta a amiga.

“Lieber Junge”

Enquanto reviravam a casa de Alice a procura de dinheiro, os criminosos aproveitaram para desfrutar o almoço que a idosa fazia no fogão a lenha. Além da comida, os bandidos também beberam vinho.

“A gente tava tudo deitado no chão, amarrado e amordaçado”, lembra Paulo, ainda com o rosto ferido, fruto do modo como os bandidos o arrastaram no chão dentro da casa.

Para um dos filhos de Alice com deficiência, um dos criminosos falava em alemão “Lieber Junge” (menino querido) a ele, pedindo calma.

Depois de roubar cerca de R$ 1,5 mil, um televisor, celulares até mesmo carne congelado e utensílios de cozinha, os ladrões constataram que Alice havia infartado no sofá da sala.

“Um deles disse ‘parece que a velha morreu’”, relembra Paulo.

Os quatro criminosos, suspeitos de terem chegado de táxi na localidade, fugiram em um veículo Pálio roubado de Gilberto, um dos filhos de Alice.

Assim que foram embora, Gilberto conseguiu soltar os pés das amarras e foi gritar por socorro na vizinhança.

Alice chegou a ser encaminhada ao Hospital São Gabriel Arcanjo, no centro de Cruzeiro do Sul, mas chegou morta.

Comunidade atônita

No velório, vizinhos, amigos e familiares de Alice prestaram as últimas homenagens na capela da Linha Picada Augusta.

“Desarmaram os colonos e agora estes criminosos com qualquer ‘arminha’ assaltam todo mundo”, protesta o agricultor Vilmar Houlscheid, 45, amigo de Alice.

Por não ter muitas ocorrências criminais, moradores relatam que a presença da polícia só é vista quando ocorre algum crime.

Quatro criminosos teriam chegado de taxi na localidade

“Em dias normais, não se vê a Brigada Militar. Tem que morrer alguém para eles virem. Insegurança total”, conta o empresário José Antônio Hickman, 55. Segundo ele, por mais que a comunidade busque alternativas como cerca elétrica, câmeras de segurança ou alarme, “isso não resolve, só inibe ações criminosas”.

Para o mecânico Alexandre Fickman, 39, o que mais revolta a comunidade é o modo como o governo do Estado “conseguiu enfraquecer tanto a polícia”.

“Cidadão tem que se trancar dentro de casa e os criminosos estão livres”, comenta Alexandre. Ainda de acordo com ele, a pouca guarnição da Brigada Militar somado as possíveis rotas de fuga tornam a localidade vulnerável.

“Estamos aqui velando uma cidadã de bem. Não culpa a polícia. Culpo o Estado”.

Solidariedade

Para que a família de Alice não chegasse em casa após o enterro e se deparasse novamente com a cena do crime, com a casa totalmente revirada pelos criminosos, com utensílios domésticos quebrados e roupas jogadas por todos os cantos da residência, duas amigas se uniram para fazer um mutirão de limpeza e organização: Vanderlise Dessoy, 37, e Sandra Cristina Nonemacher.

Ambas comerciantes, passaram a manhã e a tarde de ontem reorganizando a casa de Alice.

“Fiquei imaginando eles voltando para cá e vendo tudo do mesmo jeito. Decidi vir aqui e arrumar, para que pelo menos eles não tenham que passar por isso”, conta Vanderlise.

Já Sandra, que é amiga da família faz anos e reside na localidade de Linha Picada Augusta, “todo mundo na comunidade é amigo e prestar solidariedade em momento difíceis reforça estes laços”.

Digitais

Na manhã de ontem, a Polícia Civil esteve na residência de Alice. A perícia encontrou digitais dos criminosos e já tem suspeitos.

O caso é investigado pelo delegado Juliano Stobbe. Até o momento, o veículo Pálio roubado foi encontrado, ainda na segunda-feira, a poucos quilômetros da residência de Alice, na RSC-453, nas imediações do Distrito Industrial.

Cristiano Duarte: cristiano@jornalahora.inf.br

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