Aos 34 anos, Mateus Corradi é diretor de Marketing da Florense, indústria com sede em Flores da Cunha que se tornou uma das principais marcas mundiais em fabricação de móveis residenciais e corporativos.
Fundada em 1953 por Lourenço Castella, Ângelo Corradi, Décio Catellan e Valentino Carpeggiani, a empresa exporta desde a década de 1980 e hoje tem mais de 50 franquias no Brasil e 12 no exterior.
Neto de Ângelo, Mateus passou a infância convivendo com a empresa cujo pai também se tornou um dos donos, mas ciente das regras do acordo societário que não permite privilégios aos familiares. Ingressou como estagiário, cargo no qual ficou por um ano e meio passando por todos os setores da companhia.
Por ter estudado inglês desde a infância, tornou-se destaque em uma empresa que abria as portas para o mundo por meio das exportações, mas cujo número de pessoas com conhecimento em outras línguas era limitado.
A dedicação ao trabalho, a busca pelo conhecimento e a adoração pela Florense ajudaram Mateus a galgar posições. Hoje é apontado como o primeiro na linha sucessória para a presidência da empresa.
Como foram seus primeiros contatos com a Florense?
Mateus Corradi – Na minha infância, tive vários contatos com a Florense que me marcaram, especialmente do meu avô, o Ângelo Corradi, um dos fundadores da empresa e que morreu há cinco anos. Ele sempre foi um trabalhador exemplar e fundou a empresa ao lado do seu Lourenço, que é nosso presidente. Eles confiavam muito um no outro e uma sociedade funciona quando tem essa sinergia. Meu avô gostava muito de trabalhar, não só coordenando a produção, mas produzindo de fato. Trabalhava muito com lâmina de madeira pois gostava dessa parte natural. Meu primeiro contato com a Florense foi quando ele me prometeu fazer um carrinho de rolimã. Passamos em uma loja de ferragens e viemos para a fábrica. Fomos no setor de madeira maciça e depois de um tempo voltei para casa com o carrinho. Aquilo me deixou louco, eu não fazia ideia de como era a construção de um carrinho. Foi meu primeiro contato com um monte de peças, ferragem, que, com uma mão de obra, virou um produto. Usei esse carrinho por anos e anos. Lembro até hoje do cheiro da madeira na produção.
Essas experiências influenciaram seu desejo de ingressar na empresa?
Corradi – Dia desses estávamos fazendo uma reunião com o marketing e a agência trouxe um presente em madeira, e minha primeira reação foi cheirar a peça. É incrível como eu tenho isso até hoje. Aprendi com meu avô que a madeira se reconhece pelo toque, pelas fibras e pelo cheiro. A madeira maciça tem essa característica. Desde pequeno, comecei a desenvolver características que me guiaram. Pelos contatos com meu avô, depois o meu pai, fui me apaixonando meio que sem querer pela empresa. Mas nunca tive certeza de que trabalharia na Florense, porque a segunda geração tratou essas questões com muito critério e cuidado.
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Apesar de ser uma empresa familiar, temos uma gestão muito profissional. O sobrenome não te dá o direito de trabalhar na empresa. Pode, no máximo, te garantir uma vaga de estágio, mas precisa provar que tem condições e perfil certo para trabalhar naquele lugar. Essa disciplina familiar foi extremamente importante para colocar regras e fazer com que sonhássemos em estar na empresa.
Quando você começou a trabalhar na Florense?
Corradi – Foi em 2001. Entrei como estagiário. Antes disso, eu ia na fábrica quando era adolescente, porque adorava jogo de computador e videogame. Na época, não tinha internet e eu comprava os jogos por telefone de uma empresa de São Paulo. Depositava o dinheiro no banco e ia na Florense mandar o comprovante por fax. Quando tinha 10 anos, a Florense já exportava, e meu pai nunca falou bem inglês. Ele voltou de uma feira e disse que não tinha conseguido se comunicar direito e me incentivou a aprender inglês. Flores da Cunha não tinha escola de inglês, então, com 10 para 11 anos, eu passei a estudar a língua em Caxias do Sul, até os meus 18 anos. Quando estava concluindo o Segundo Grau, um dia, meu pai ligou para o colégio pedindo para eu voltar para Flores da Cunha de tarde pois ele estava em reunião com uns americanos. Eles queriam visitar umas vinícolas, mas ninguém na Florense sabia falar inglês. Fomos passear e fiquei a tarde toda conversando com eles. A própria empresa mandava alguns sinais. Na época, passei na faculdade de Engenharia de Produção e queria fazer estágio. Mas não pedi para entrar na Florense, porque era a empresa do meu pai. Eles me convidaram para uma reunião. Um dos diretores falou que a Florense tinha 600, 700 funcionários e apenas duas pessoas que falavam inglês. Eu com 18 anos já me comunicava. Então, entrei no estágio.
Como foi essa primeira experiência?
Corradi – Quando as pessoas me viram na parada de ônibus, já arregalaram os olhos. Eu ia para a empresa de ônibus. Para almoçar, de meio-dia, meu pai me dava uma carona, mas manhã e tarde era de ônibus. Foi muito bom, porque comecei a me relacionar com as pessoas da empresa, e elas começaram a perceber que não havia essa de ser filho do dono. Uma empresa não tem nada de glamour. O glamour está no evento, na loja, no marketing e na marca. O dia a dia do empresário é como o de qualquer outra pessoa. Tem que trabalhar, fazer conta, limpar mesa, buscar ideias, conversar com os franqueados, entender o mercado. Essa minha entrada como estagiário é como todo mundo entra. Foi ótimo porque em um ano e meio conheci toda a empresa. Trabalhei na produção, na fábrica, em custos, financeiro, vendas, desenvolvimento de produto, engenharia e, no fim de um ano e meio, me dei conta que conhecia mais a Florense que muita gente com anos de casa. Porque as pessoas são muito boas em cada setor, mas não fazem ideia de como o outro setor trabalha. Na época, eu não tinha mesa, computador, nada. Chegava com o meu bloquinho e cumpria meu cronograma de passar em cada setor.
Qual foi a trajetória até se tornar diretor?
Corradi – Depois do estágio, comecei a trabalhar mais na área de exportação e desenvolvimento de produto por causa do meu inglês. Atuava no relacionamento com os clientes americanos, praticamente como interlocutor deles na fábrica. Comecei a participar de feiras e a Florense me deu a oportunidade de poder viajar para fora do país. Em 2006 comecei a trabalhar mais com o Brasil, na área de marketing. Antes disso, eu já me escalava para tudo, me metia onde tinha reunião. Muitas vezes em uma empresa as pessoas se escondem de compromissos posteriores, como ter que jantar com clientes, seja depois do horário ou no fim de semana. Quando comecei a trabalhar mais com marketing, passei a me envolver também com o desenvolvimento de produtos e reformas de lojas. Nesse processo, tive vários professores. Meu pai, meu avô, meu tio Gelson, que é nosso vice-presidente e o grande mentor da segunda geração. Assim como seu Lourenço e outras pessoas que passaram pela empresa. Fiquei gerente de Marketing até dois, três anos atrás. Temos um acordo societário na empresa, determinando que, ao completar 65 anos, todos os diretores precisam ir para o conselho e parar de fazer a atividade original. Dessa forma, se abre um espaço para um novo diretor e assim eu tive a oportunidade de me tornar diretor de Marketing. Mas nada mudou. Sendo diretor ou gerente, sempre falamos na empresa que o título é mais para enfeitar o cartão. O que pesa mesmo é a atitude no dia a dia e o que tu faz. Claro que a responsabilidade aumenta mais.
Você vislumbra alcançar o cargo mais alto da empresa?
Corradi – Se tiver qualidade, competência e não tiver ninguém melhor preparado do que eu. Meu destino é estar na Florense, ajudando a empresa na posição em que tiver a competência para atuar. Não sou diretor de Marketing com cadeira cativa. Se algum dia enxergar que tem alguém que mereça ser o diretor por ter mais competência, vou deixar ocupar o meu lugar com o maior prazer. Claro que a Florense vem desenhando e apontando quem serão os sucessores, e eu tive um timming muito certo, pois fui o primeiro da terceira geração a ser integrado na empresa. Não porque era o mais preparado, mas porque estava em uma idade mais adequada que os demais, que entraram depois. Se eu serei o melhor preparado, a empresa dirá. Se ela achar que eu mereço, darei o meu melhor. Mas ninguém está acima da Florense.
Como a Florense trabalha a sucessão familiar?
Corradi – Tratamos esse assunto de forma muito normal, com alguns cuidados para a boa condução do negócio. A segunda geração fez um acordo societário que define as maiores regras. Questões de sucessão, oportunidades, casamentos, saída de eventuais acionistas, entre outras. São duas folhas, que não foram feitas por nenhuma consultoria ou pensando em planejamento estratégico mirabolante. São tópicos escritos para proteger a continuidade da companhia. Nosso bem maior é a família, mas, como profissionais, temos que proteger a família Florense. Preservamos o carinho entre familiares, mas aqui dentro somos profissionais a serviço da empresa.
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A geração que hoje está no comando, que é a segunda, tem a preocupação de formar a nossa geração e entregar uma empresa muito melhor do que recebeu. A gente escuta muito que os filhos quebram as empresas, mas será que os pais se dedicaram a educar os filhos para quando tiverem oportunidade terem a sabedoria para tocar a empresa? Minha responsabilidade não é só ser um diretor de Marketing, mas formar a quarta geração da Florense e a segunda geração das franquias. Hoje nossa quarta geração é muito nova, tem que comer muito cereal e tomar bastante Todynho para chegar na fase de avaliação. Neste meio-tempo, temos que fazer a empresa e os franqueados ficarem melhor ainda.
A vida pessoal e a da empresa não acabam se confundindo em alguns momentos?
Corradi – O problema da Florense, no bom sentido, é que ela é uma cachaça tão gostosa que praticamente não temos vida particular ou pessoal. Nossa vida é uma mescla de empresa com família. Nos envolvemos com franqueados, clientes, viagens e não enxergo isso como trabalho, e sim como uma mistura de trabalho, lazer, amizade e oportunidade de conhecer novas pessoas. Sempre tive essa premissa de que meu trabalho é 24 horas, sete dias por semana. Gosto de pensar na Florense em todos os momentos do dia e isso me relaxa. Trabalhamos com temas como design e tecnologia, o que para mim é prazeroso. Além disso, conhecemos muitas pessoas bacanas. Tenho conhecidos e amigos em Lajeado. Ontem à noite, jantei com franqueados do Uruguai, levei minha mulher, minha filha de 50 dias, meu pai e minha mãe. Sempre tratamos as pessoas da Florense como família. Meu casamento parecia uma reunião de franqueados.
Em um mundo onde a tecnologia muda a indústria e o comportamento de forma muito rápida, como a Florense se prepara para o futuro?
Corradi – O nome do nosso showroom é Florense Futuro. Se em 1996 a gente tinha que mandar um fax para São Paulo para comprar um jogo, hoje você abre seu celular e faz a compra que quiser e um dia depois o produto está na sua mão. Precisamos estar muito atentos não apenas à tecnologia, mas principalmente a quem vai usá-la. Sei que o perfil de consumidor da Florense tem entre 30 e 60 anos, em sua maioria. Ainda não são pessoas extremamente tecnológicas e algumas até têm uma eventual dificuldade com a tecnologia. Mas daqui dez, 20 anos, o jovem de hoje será um consumidor Florense. Que tipo de cabeça ele vai ter, qual preferência de consumo e como ele vai se relacionar com o mundo? Se em poucos anos o mundo evoluiu mais do que nos últimos 50, como serão os próximos 20? Nada está definido e tudo muda muito rápido. Mas uma coisa é certa, se a forma de vender da Florense foi diferente em cada década, na próxima não será igual. Temos que evoluir sem medo de mudança. É um desafio para a Florense e para toda a sociedade.
Por que a Florense deu certo e qual o futuro da empresa?
Corradi – Os mesmos motivos que trouxeram a Florense nestes 65 anos levarão a empresa adiante. O DNA Florense é muito forte e está centrado em pilares sólidos. Queremos fazer sempre um produto ou um processo melhor. Isso significa evoluir em tecnologia, na forma de atender e pensar. Respeitar o consumidor, tratá-lo bem. Entregar encantamento em um valor correto e justo. Não é porque somos os melhores que devemos ter preços inatingíveis. Sempre devemos respeitar o próximo, os clientes, franqueados e funcionários.
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Quem se comporta bem, dentro das regras, e busca fazer o correto, tem continuidade. Isso nos diferencia, inclusive em um mercado em crise em que marcas tradicionais e importantes fecharam as portas. A Florense segue estável, mesmo sendo a empresa de maior valor agregado do mercado, porque quem faz o que é correto é respeitado. Esse DNA precisa ser preservado. Se uma empresa perde seus valores, dificilmente de recupera.
Thiago Maurique: thiagomaurique@jornalahora.inf.br