Primeiro edifício simboliza mudança de perfil da cidade

Lajeado - verticalização de lajeado

Primeiro edifício simboliza mudança de perfil da cidade

Uma das primeiras moradoras do Edifício Lincoln, Cilácia Wolf, 82, relembra o quão inusitado era aquela estrutura para os lajeadenses. Uma das primeiras moradoras do Edifício Lincoln, erguido entre as décadas de 50 e 60, Cilácia Wolf, 82 anos, relembra o quão inusitado era aquela estrutura para os lajeadenses. Crianças invadiam para brincar no primeiro elevador da cidade. Hoje, são mais de 700 outras edificações. E a tendência é cada vez mais crescer para cima

Primeiro edifício simboliza mudança de perfil da cidade
Lajeado

As paredes grossas são uma bênção para o sono dos moradores do prédio de quatro pavimentos, construído na esquina da rua Júlio de Castilhos com a João Batista de Melo, bem no centro. Registrado na prefeitura em 1960, já recebia inquilinos alguns anos antes. Entre eles, Cilácia Wolf, 82.

O ano era 1959. Na época tinha 23 anos, a jovem comerciante nascida em janeiro de 1936 foi uma das primeiras moradoras do então inovador e contemporâneo edifício, construído sobre o terreno que até então abrigava a fábrica de joias de Rodolfo Germano Hexsel.

Foi o pai dela, produtor rural de Estrela, quem comprou um dos 30 apartamentos. Antes disso, morava de aluguel em uma casa na rua Francisco Oscar Karnal. “Lembro que os apartamentos eram muito valiosos naquela época. Foi caríssimo. É um espaço grande, muitas peças. E muito bem construído.”

O corredor interno tem cerca de 30 metros. E as paredes grossas garantem o sossego, avalia. Mas nem sempre foi assim. Logo após a mudança, em 1959, Cilácia teve de conviver alguns meses – ou anos – com o prédio ainda em obras. “O meu apartamento ficou pronto antes, e vim morar. Outros ficaram para depois.”

Cilácia Wolf, com 82 anos, mora no Edifício Lincoln desde 1959. Uma das primeiras moradoras do primeiro edifício-condomínio de Lajeado relembra as histórias daquela época

Cilácia Wolf, com 82 anos, mora no Edifício Lincoln desde 1959. Uma das primeiras moradoras do primeiro edifício-condomínio de Lajeado relembra as histórias daquela época

O elevador como atração

Logo que Cilácia chegou ao edifício, não havia o tão esperado (e anunciado) elevador. O primeiro em Lajeado. “Lembro das tábuas de madeira fechando o vão por onde ele sobe. Estavam todos curiosos. Tantos os moradores do prédio como os demais lajeadenses”, brinca.

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Quando o aparelho enfim foi instalado, cerca de um ano após ela se mudar para o Lincoln, o prédio virou um “centro turístico”. “As crianças invadiam o nosso edifício, só para ficar subindo e descendo com o elevador. Hoje, felizmente, pararam com isso”, resigna-se, com um breve sorriso.

Em 2019, completa 60 anos morando no apartamento 303. Da sacada, enxerga parte do centro. Na lembrança, orgulho em fazer parte da história de Lajeado. “Lembro que o nosso terraço também era uma das principais atrações da molecada. Muitas pessoas já passaram por aqui. Hoje, está chaveado e poucos se interessam”, diverte-se.

“Sempre” síndica

Rejane Junqueira atuou por oito anos como síndica do Edifício Lincoln. Mora faz duas décadas no apartamento 104. Antes disso, “peregrinou” pelo estado, acompanhando o ex-marido, então funcionário do Banco do Brasil. A escolha pelo prédio, em 1998, levou em conta a proximidade com o local de trabalho dele.

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O apartamento de três quartos tem duas sacadas. Uma de frente para a Júlio de Castilhos. Outra à João Batista de Melo. “É um imóvel muito bom, muito espaçoso. E a gente não escuta barulho na rua, ou dos vizinhos. As paredes são enormes”, resume ela.

A ex-síndica não sabia da história do prédio ao chegar à nova morada. Mas logo descobriu. “Todo mundo comentava”, sorri. Ela também faz questão de relembrar a história do primeiro elevador da cidade. “Contaram-me que vinham pessoas de outros municípios, só para verificar o elevador do Lincoln. Era a principal atração de Lajeado.”

Apesar do orgulho de viver no histórico local, ela reclama a falta de garagens. Na época, segundo ela, os empreendedores optaram pela construção de um centro comercial no local das vagas de veículos. Afinal, não havia tantos automóveis na época. “Hoje, eu deixo meu carro a meia quadra do prédio, e gasto uns R$ 200 por mês.”

O empreendedor

O prédio ganhou o nome como forma de homenagear o ex-presidente norte-americano, Abraham Lincoln. Rodolfo Hexsel, dono do terreno onde foi construído o edifício, foi também o empreendedor responsável pela obra.

Para tal, contratou a empresa Montea Incorporadora, com sede, na época, em Porto Alegre, “e que faliu seis ou sete anos depois”, relembra a nora dele, Marlene Hexsel. Ela trabalha em uma joalheria e relojoaria instalada no térreo do prédio. “O prédio é muito bom. Até hoje, não se vê rachaduras internas. Apenas a pintura externa está ruim.”

Foto na década de 70 mostra o edifício da Acvat e, ao fundo, o Metrópole

Foto na década de 70 mostra o edifício da Acvat e, ao fundo, o Metrópole

Irmão de Marlene, o empresário, Jorge Friedrich, recorda os tempos de obras. Ele, ainda moleque, costumava visitar o canteiro para verificar o trabalho da empresa porto-alegrense. Daquela época, lembra a reação do então proprietário, Pedro Mantea, ao verificar uma parede “levemente torta”.

“Lembro como se fosse hoje. O ‘seu’ Pedro xingando o pedreiro, que havia levantado dois ou três tijolos meio tortos na parede de um dos banheiros, ainda no térreo. Ele chutou a parede. E, como a massa estava mole, caiu tudo. Ele era exigente”, resume Friedrich.

Após ser finalizado, o primeiro andar do prédio ficou todo para a Associação dos Caixeiros Viajantes do Alto Taquari, a Acvat. Na época, a entidade tentava construir um prédio próprio. Esse foi erguido a partir de 1965, “colado” ao Lincoln, sendo o segundo edifício de Lajeado, com 12 andares, e denominado João Alberto Schmitt.

Conceito de verticalização

O edifício Lincoln foi só o primeiro condomínio residencial com mais de três pavimentos na região. Anos depois, e já com o prédio novo da Acvat de pé, começaram a surgir novos empreendimentos.

Entre esses, o Metrópole, também na Júlio de Castilhos, e cujas obras iniciaram em 1966. Mais de cinco décadas depois, Lajeado tem 697 edifícios registrados, conforme informações da Secretaria da Fazenda (Sefa). Só entre janeiro de 2008 e maio de 2018, foram 380 novos alvarás para construções com quatro ou mais pavimentos.

Prédio de 19 andares no Americano simboliza tendência da verticalização

Prédio de 19 andares no Americano simboliza tendência da verticalização

Entre esses, dois “gigantes”. O Condomínio Residencial Araucária terá 19 pavimentos distribuídos em 7,3 mil metros quadrados de área, sendo 70 de altura. Está localizado na esquina da rua Duque de Caxias com a João Matte Sobrinho. Por ora, o mais alto de Lajeado.

Porém a Construtora Zagonel já iniciou as obras do empreendimento One, que deve ser o prédio mais alto do Vale do Taquari. Localizado na rua Fialho de Vargas, no centro, terá 24 andares, 46 apartamentos de 2, 3 e 4 dormitórios, sendo seis coberturas, a mais de 80 metros do chão. O térreo terá cinco lojas e, acima, a garagem de quatro pavimentos e salão de festas.

 

Impulso dos financiamentos

Secretário de Planejamento (Seplan) de Lajeado, Rafael Zanatta credita às novas formas de financiamento esse aumento considerável na expedição de alvarás a partir de 2008. “Está ligado à quantidade de dinheiro no mercado. E veio principalmente com os financiamentos habitacionais, que antes desta década, representavam uma parcela mínima.”

Segundo ele, antes desses novos modelos, as taxas de juros eram pouco atrativas e a maioria dos bancos não tinha setores focados nesse nicho de mercado. Não era um produto interessante para os bancos públicos. Quando veio a se tornar, construtores aproveitaram para atender a demanda reprimida. Antes disso, havia um mercado de aluguel mais forte.”

Zanatta também avalia a recente queda, a partir de 2015, no número de alvarás expedidos. Para ele, as razões estão ligadas à crise nacional e também a uma tendência natural de melhor utilização dos espaços. “As empresas estão aumentando os prédios. Número de alvará diminui, mas aumentaram em área. O que era dez andares, hoje chega a 20”, resume.

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Desconforto entre prédios

Sobre esse crescimento, o engenheiro civil e gerente de Engenharia e Manutenção da Universidade do Vale do Taquari, Robledo Muller, alerta para a necessidade de haver harmonia entre os moradores. “Sei de casos onde a pessoa teve a casa cercada por cinco prédios. Não há dúvidas de que isso é desconfortável.”

Entretanto, ele esclarece que a “verticalização” por si só não é um problema. Diante disso, cobra atenção ao Plano Diretor. Na Univates, por exemplo, a proximidade entre as obras dos primeiros prédios da instituição é criticada. “Diminui custos, mas traz problemas de mobilidade e poucos espaços adequados de lazer.” Algo semelhante com o que ocorre em alguns bairros de Lajeado.

Rodrigo Martini: rodrigomartini@jornalahora.inf.br

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