As dificuldades enfrentadas pela cadeia leiteira persistem. Nas últimas semanas, o valor pago pelo litro aos agricultores subiu cerca de R$ 0,20, mas a greve dos caminhoneiros prejudicou a recuperação do setor e elevou o preço do produto nas gôndolas dos supermercados.
Em alguns supermercados, o litro de leite longa vida integral é vendido por até R$ 3. De acordo com a Associação Gaúcha dos Supermercados (Agas), a média de preço no estado na primeira semana de junho chegou a R$ 2,83, após acumular alta desde fevereiro, quando o valor médio era de R$ 2,43.
Presidente do Instituto Gaúcho do Leite (IGL), Carlos Joel da Silva afirma que os produtores vinham sofrendo com a crise do setor há pelo menos dois anos e meio. “Quando começou a melhorar, veio a mobilização dos caminhoneiros que trouxe prejuízos grandes e ainda não mensurados em sua totalidade.”
Conforme Silva, a elevação sentida pelos consumidores nas gôndolas não foi acompanhada de muitas vantagens para os produtores. Segundo ele, houve um aumento nos custos de produção e nem todas as indústrias ampliaram o valor pago aos agricultores na mesma proporção.
A elevação do dólar é um dos principais motivos para o aumento dos custos produtivos, uma vez que os insumos são cotados conforme a moeda americana. Além disso, aponta, os frequentes acréscimos nos combustíveis e na energia elétrica pressionam ainda mais a atividade.
“Todos os preços controlados pelo governo aumentaram e, mesmo com essa queda de R$ 0,46 no diesel, o combustível ainda está com valor acima do registrado no fim do ano passado”, aponta.
Morador de Colinas, o produtor Nelvo Köerner, 74, confirma as dificuldades. Ao lado da mulher Ingi Körner, 72, ele planeja abandonar a atividade por causa da baixa rentabilidade. “Minha família sempre produziu leite e a atividade teve muitos altos e baixos, mas nada que se compare com essa crise.”
Conforme Ingi, boa parte dos vizinhos pararam de produzir, fazendo com que diversas casas ficassem abandonadas no município. “Do jeito que está, nenhum jovem vai ficar no campo. Estamos cada vez mais solitários.”
Körner lembra que muitos agricultores investiram pesado em mecanização, genética e na sanidade animal. “Como estão parando de trabalhar com o leite, ficarão apenas as dívidas”, alerta. Para ele, somente os grandes produtores conseguirão se manter na atividade, ainda sim com dificuldades.

Relatório da Agas mostra aumento de 2,8% no preço do leite em junho
Importações preocupam
Se o ingresso desenfreado de leite em pó importado do Uruguai é apontado como o principal culpado pela crise, a produção leiteira nacional enfrentará uma nova ameaça no segundo semestre. Isso porque o Brasil liberou no início do mês as importações do produto da Argentina.
Até o dia 31 de maio, as importações pelo país vizinho eram limitadas a cinco mil toneladas mês e 51,6 mil toneladas ao ano. De acordo com Silva, a alta do dólar reduziu a demanda de importações, mas. no momento em que o câmbio se tornar estável, a entrada de produto em pó do Uruguai e Argentina alcançará volumes ainda mais expressivos.
“Como não se criou cotas para o leite uruguaio, os argentinos pressionaram para que a barreira fosse derrubada”, alega. O tema será debatido em Fórum do Mercosul em Montevidéu no dia 3 de julho. Conforme Silva, o evento terá representantes dos produtores e do Legislativo gaúcho que tentarão rever os acordos firmados até o momento.
Preço mínimo
Na semana passada, a Comissão de Assuntos Econômicos do Senado aprovou Projeto de Lei Complementar que inclui o leite na lista de produtos amparados pela Política de Garantia de Preços Mínimos. O projeto estabelece o valor mínimo a ser pago ao produtor por litro, uma das bandeiras defendidas pelos representantes do setor.
Para o presidente da IGL, a proposta é válida, mas ainda insuficiente diante das necessidades dos produtores. “O preço mínimo precisa estar centrado no custo de produção, o que não é previsto na lei, e aliado a outras políticas de apoio ao setor.”
Segundo ele, o governo deveria estabelecer mecanismos de controle de estoque de todos os produtos que constam na cesta básica do brasileiro. “Não é possível que o leite sofra com as flutuações do mercado.”
Thiago Maurique: thiagomaurique@jornalahora.inf.br