Sem patrulha, caça ameaça espécies

Especial - Fauna e flora ameaçada

Sem patrulha, caça ameaça espécies

Mesmo diante das dificuldades, Estado não garante aumento de efetivo a curto prazo

Sem patrulha, caça ameaça espécies
Vale do Taquari

A maioria das denúncias chega com atraso ao Grupo de Polícia Ambiental (GPA) da Brigada Militar, onde atuam só três policiais, responsáveis pelos 38 municípios do Vale do Taquari. Na terça-feira passada, uma ligação alertava sobre uma possível caça ilegal de pássaros realizada durante todo o final de semana anterior, em uma propriedade privada e rural, no interior de Muçum.

“Não há como fazer nada nestes casos que recebemos com atraso, infelizmente”, lamenta o comandante do GPA aqui na região, o Sargento da BM, Dari Júlio Scherer.

A base da corporação, localizada em uma acanhada construção dentro da área do Porto Fluvial de Estrela, é improvisada desde sempre. Lá, as – quase – carcaças de duas viaturas em meio aos dois únicos veículos novos retratam o abandono do Estado. Há duas lanchas em bom estado, até. Mas não há previsão para a chegada de novos soldados.

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No sábado passado, a última morte de animal confirmada. O caso ocorreu na localidade de Linha Sítio, no interior de Cruzeiro do Sul. Naquela manhã, moradores ouviram um disparo de arma de fogo nos fundos de uma propriedade particular. No local, moradores avistaram um homem, que teria fugido correndo. Em meio ao mato, às margens do Arroio Grande, uma capivara, prenha e mãe de três filhotes, morta.

A equipe do GPA até foi avisada. Mas pouco pôde fazer. Meses antes, em 10 de fevereiro, o suspeito de matar uma paca, em Vespasiano Corrêa, teve menos sorte. Após denúncia anônima, uma guarnição da BM local deteve o homem de 56 anos, que dirigia uma S-10 na ERS-129. No interior da caminhonete, uma garrucha calibre 38, uma espingarda com silenciador, munições, e o animal morto.

Desde 2015, 143 prisões

Responsáveis por resguardar mais de cinco mil quilômetros quadrados de área em 38 municípios, os três policiais se desdobram. Desde 2015, foram 143 prisões ou ocorrências com autoria, de acordo com dados disponibilizados pelo GPA. São crimes diversos contra fauna em geral: caça, pesca, apreensão de aves, animais em cativeiro, envenenamentos constatados e maus tratos.

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A maioria das ocorrências, informa a equipe do GPA, se refere a pássaros em cativeiro e pesca irregular, que totalizam em média 60% das prisões. Já os 40% restantes se referem à caça, maus tratos e outras ações como manter animais silvestres de maior porte em cativeiro, como exemplo, o macaco-prego.

 

Entre os casos verificados em 2018, houve apenas duas prisões. Ambas por porte ou posse ilegal de arma. De acordo com o delegado da Polícia Civil (PC), Juliano Stobbe, nos delitos de crimes contra a fauna, não houve propriamente prisões, pois a pena é de detenção de seis meses a um ano, e multa. Costuma gerar apenas um Termo Circunstanciado.

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Auxílio da Polícia Civil

A PC já participou de algumas ações de defesa da fauna realizadas no Vale do Taquari nos últimos anos. Foram poucas. A última que gerou certa repercussão ocorreu em novembro de 2015, quando policiais realizaram a Operação Predador nos municípios de Anta Gorda, Putinga e Arvorezinha. Foram cumpridos 13 mandados de busca, e apreendidos animais silvestres abatidos, oito armas de fogo, munições de diversos calibres e materiais de caça e pesca.

Também em Anta Gorda, mas em junho de 2012, outra operação da PC apreendeu mais de 100 aves silvestres e outros animais em cativeiro. Quatro pessoas foram detidas por caça ilegal e por posse ilegal de armas. Elas pagaram fiança de três salários mínimos e foram liberadas. Além das aves, um ratão do banhado, um quati, um ouriço, lebre e três tipos de peixes e o couro de um veado estavam nas residências verificadas.

“A caça interrompe cadeias”

Mestre em Biologia animal, o professor da Univates, Hamilton Grillo, participou do mais completo estudo sobre os mamíferos do Vale do Taquari. Ao lado dele, atuaram outros cinco professores e pesquisadores. O documento, finalizado em 2007, apontava a presença de 59 espécies vivendo na nossa região. Dessas, 13 já estavam ameaçadas de extinção.

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“A destruição do ambiente costuma ser a causa principal. Mas a caça ilegal agrava esta situação, retirando material genético, interrompendo cadeias e processos de serviços ambientais que podem ter reflexos no clima, na captura de carbono, nos mananciais hídricos, produção de alimentos, entre outros”, alerta Grillo.

Desde 2007, lamenta o professor, não foram mais realizados “inventários de modo exaustivo” – como ele mesmo denomina – para verificar se houve aumento ou diminuição do número de espécies no Vale do Taquari. Na época, a pesquisa perdurou entre os anos 2000 e 2006. “Mas, obviamente que a matança de animais silvestres, seja de que modo for, impacta também a flora e a estabilidade já comprometida dos espaços ao nosso redor”, finaliza.

Entrevista

“É proibido caçar no Vale do Taquari”

A Hora – Vocês são apenas três policiais para todo o Vale do Taquari?

Atualmente, sim. Para 38 municípios. Cuidamos da água, da terra e do ar. É caça, pesca, aves, mineração, desmatamento. Tudo. Ganhamos algumas viaturas, mas aguardamos a promessa de chegar mais pessoal.

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E quais são as principais ocorrências?

O que mais domina os nossos serviços é o pássaro em cativeiro e a pesca. Chega a 60% das nossas ocorrências. Pássaros como trinca-ferro, tucano, papagaio. Mas verificamos muitos outros animais presos em cativeiro de formai ilegal. Como macacos sagui, macaco-prego. Até bugio, em propriedades maiores. Ficam com eles em casa, mesmo, de forma irregular. E para ter animais silvestres em cativeiro é muito complexo. Na maioria dos casos, há ilegalidade no cativeiro.

O que vocês fazem com os animais apreendidos?

Em 2015, foram 208 pássaros reintroduzidos à natureza, por exemplo. Também realizamos todas as semanas muitos salvamentos de animais. Ratão de banhado, de tudo que é tipo. Nosso trabalho é devolvê-los à natureza em boas condições.

Volta e meia surgem supostas aparições de pumas ou onças. Já avistaram alguma espécie dessas?

Eu nunca vi. É muito difícil e muito raro, atualmente. O puma precisa de muita vegetação. E não temos isso aqui no Vale do Taquari. Aqui há muito lavoura, campo aberto. Tem mato, mas é muita cobertura exótica, onde não há alimento suficiente para este tipo de animal. Às vezes aparecem relatos. Mas agora está mais calmo.

Houve algum relato mais contundente?

Nenhum desses últimos casos eu acreditei muito. O último que deu foi em Bom Retiro do Sul. Próximo à área da pedreira. Veio um pessoal do Ibama e nós realizamos um estudo maior em toda aquela região. Encontramos alguns vestígios, rastros, pegadas. Mas acreditamos que o animal não estava vivendo aqui na nossa região. Ele estava em rota migratória.

Esses foram muito caçados no passado. Mas a cultura da caça ainda está enraizada no estado?

Com certeza. O RS sempre foi um estado atípico neste sentido. Em outros já era proibido, e aqui o Ibama ainda liberava em determinadas épocas. Maio, junho, julho e agosto, principalmente. Podiam caçar marrecas, caneleiras, piadeiras, pombo-de-bando, perdiz, caturrita e outros animais. Também criamos uma categoria única de “pesca artesanal”. Só aqui existia e agora esta lei foi considerada inconstitucional. Então nós temos, sim, esta questão cultural da caça. Mas hoje a caça é restrita ao controle populacional do javali, ou para determinadas pesquisas.

É permitido caçar animais no Vale do Taquari?

Não. Até existem regiões que fazem fronteira com o nosso Vale, como nas proximidades de Soledade, onde a caça do javali é permitida em algumas circunstâncias, pois se trata de um animal invasor. Mas, neste momento, é proibido caçar no Vale do Taquari.

Rodrigo Martini: rodrigomartini@jornalahora.inf.br

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