A história tem por pano de fundo um prenúncio de tragédia. Pessoas expostas a condições extremas, tendo que tomar decisões extremas, guiadas por sentimentos e instintos dos mais básicos. O livro O Caso dos Exploradores de Caverna foi escrito em 1949 por um filósofo americano com nome de alemão, Lon Fuller, e é leitura quase obrigatória nos primeiros semestres das faculdades de Direito.
A trama macabra tem início quando um desmoronamento de terra prende cinco exploradores numa caverna. Depois de contatar a superfície por rádio, eles descobrem que os grupos de socorro levarão no mínimo dez dias para resgatá-los. Porém, em dez dias, segundo prognósticos médicos, as chances de sobrevivência são nulas.
A única chance que eles têm de sobreviver será se alimentando de carne humana! Mas os dilemas éticos precisam ser superados, o que os leva a consultar um médico, um oficial do governo e um religioso. Ninguém lhes deu resposta. Eles desligam o rádio e decidem prosseguir, estabelecendo as regras de escolha de quem será sacrificado, por sorteio: o azarado chamava-se Roger Whetmore.
O ano é 4.300, no país fictício da comunidade de Newgarth, que tem leis penais muito rígidas e claras: “Alguém que deliberadamente tirar a vida de outro será punido com a morte”. E com base nessa norma os quatro exploradores sobreviventes são julgados e condenados à morte, por homicídio de Roger Whetmore, logo depois de serem resgatados.
Lembrei desse livro, que ajuda o leitor a entender as diversas vertentes do pensamento jurídico, que vão do jusnaturalismo, passando pelo positivismo. O ministro Foster, de perspectiva jusnaturalista, argumenta que as leis devem ser interpretadas a partir do direito natural e que as situações extremas excluiriam o comportamento dos réus da esfera da lei positiva, equiparando a um caso de legítima defesa. Para ele, o direito a vida se sobrepõe as leis penais.
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Já o ministro Truepenny, de formação positivista, defende a aplicação estrita da lei. Os réus devem ser condenados, pois praticaram uma conduta típica, de deliberadamente matar um entre eles, mesmo que com a concordância da vítima de tirar a sorte: seu voto é pela condenação.
Lembrei desse livro (repito), depois de ler as inflamadas manifestações de pensamento durante e depois da tal “greve dos caminhoneiros”, na imprensa e nas redes sociais. Pensei nas regras de convivência, no direito de ir e vir, à livre manifestação, à livre iniciativa, entre outros tantos direitos positivados na nossa Constituição e nas nossas leis.
Lembrei de tantas outras manifestações quando professores fizeram greve, pleiteando melhores salários e condições de trabalho dignas. Pensei nas mesmas pessoas #somostodoscaminhoneiros chamando outras pessoas de vagabundas, por lutarem pela melhoria de suas vidas. Fiquei em dúvida sobre o que realmente motivava tudo aquilo, até onde iriam e onde queriam chegar.
Pensei que a gente só conhece o outro, verdadeiramente, em situações extremas. Me espantei com as mães se engalfinhando no supermercado por um saco de bisnaguinhas. Me imaginei preso na caverna de Newgarth.
O direito do artista sobre a obra doada
O fato de um artista ter doado uma obra não o impede de ser indenizado por eventuais irregularidades no destino dela, pois a cessão compreende apenas o direito de exposição ao público.
Foi assim que decidiu a 27ª Câmara Cível do Tribunal de Justiça do Rio de Janeiro, ao condenar a Academia Brasileira de Letras a pagar indenização de R$ 10 mil por ter perdido o quadro Vitória de Dom Quixote em Papiro. Além de reconhecerem dano moral, os desembargadores determinaram que a ABL informe, no prazo de 30 dias, a localização do quadro, sob pena de multa diária de R$ 500, limitada a R$ 30 mil.
A obra desapareceu após ter sido doada à instituição pelo artista plástico Luis Hector Pedrini, em maio de 1983, e ficado em exposição por mais de dez anos. Em 2012, a academia confirmou ao artista que o quadro havia sumido. Em sua defesa, a ABL alegou não ter praticado ato ilícito, sendo que a doação teria transferido integralmente os direitos sobre a obra.
De acordo com o desembargador Marcos Alcino de Azevedo Torres, o artista não se desvinculou em nenhum momento da própria criação, pois a doação se deu exclusivamente para exposição ao público.
Cancelamento de contrato deve ser simples
A regra de equivalência dos contratos deve valer tanto para a contratação como para a rescisão. Uma consumidora de Canoas, que não pôde rescindir contrato via telefone, obteve direito ao cancelamento de dívida e ao ressarcimento por danos morais em ação contra a empresa Coobrastur Cooperativa de Brasileira de Lazer e Turismo.
A decisão é da 11ª Câmara Cível do Tribunal de Justiça do Rio Grande do Sul (TJRS) e levou em conta a disparidade entre o procedimento para formalização do contrato e para seu cancelamento, considerado abusivo. “Absurda e inaceitável”, qualificou o relator do recurso, desembargador Guinther Spode “a exigência de declaração com reconhecimento de firma para o cancelamento do serviço, haja vista (…) que, para a contratação, bastou uma ligação telefônica”. Citou também o art. 472 do Código Civil, que estabelece: “O distrato faz-se pela mesma forma exigida para o contrato.”
O julgador declarou a inexigibilidade dos débitos (que somavam R$ 370) a partir do momento em que foi feito pedido de rescisão por telefone (dez/14) pela consumidora – que chegou a ter o nome colocado em lista de restrição de crédito. Disse também ser da empresa o ônus de comprovar a regularidade da dívida, e que a demora na rescisão do contrato representou falha na prestação do serviço, “criando empecilhos que culminariam no atraso de sua perfectibilização”.