Foram 11 dias de intensas notícias e muitas informações acerca da greve orquestrada pelos caminhoneiros em todo o país. Redes sociais e demais ferramentas da internet foram os principais meios utilizados por grevistas e população para se posicionarem e se organizarem diante dos fatos. Não faltaram, porém, as chamadas “fake news”.
Vaias e ataques ao presidente nas ruas, bloqueios da internet e do Whatsapp, frases de deboches proferidas por políticos contra os manifestantes, arrastões em supermercados e até a morte de um caminhoneiro na Bahia foram apenas alguns exemplos da grade de desinformação gerada nestas quase duas semanas.
Mesmo após o fim da greve, anunciado no Vale do Taquari no início da manhã de quinta-feira, as falsas notícias seguem sendo compartilhadas nos mais diversos grupos de WhatsApp ou em postagens no Facebook, principalmente. A mais recente anuncia uma nova greve neste domingo, algo não confirmado por qualquer entidade ligada à classe.
Para o professor do curso de Comunicação Social da Univates, Micael Vier Behs, o aumento dos boatos está diretamente correlacionado ao advento das ferramentas da internet e à falta de checagem das fontes. “É importante entender que, uma vez que essa informação é trazida à tona, mesmo sendo falsa, ela se viraliza como sendo verídica.”
Segundo Behs, o usuário da internet se transformou, ao longo dos últimos anos, em um “cogestor da informação”. Entretanto, alerta para a necessidade de haver um cenário com “boas condições” para a difusão dos boatos. “A falsa informação só viraliza em um cenário que lhe dá condições para ser difundida. Ela precisa de algum sentido, ser passível de acontecer”, comenta.
Posicionamento
O professor atenta também para a necessidade de uma relação direta entre a comunidade e a suposta informação. “Sem isso, ela perde força.” Conforme Behs, os boatos são desencadeados a partir de um fato que perturbaria a ordem natural das coisas. “Tudo que alerta para perigo, uma para mudança social, tem mais potencial de viralizar.”
Ainda de acordo com ele, os próprios veículos de comunicação apresentaram certa dificuldade de encontrar a centralidade das fontes e das informações. “O que percebemos neste momento foi uma grande entropia informativa. A própria imprensa ficou refém dessas fontes oficiais, onde se busca amparo para buscar a verdade.”
Para ele, o fenômeno da difusão das fake news está ligado à necessidade de as pessoas se posicionarem dentro de determinados grupos sociais. “E a velocidade resulta da pressa que as pessoas têm de falar sobre esses assuntos. Afinal, o boato fala sobre algo que é referência para um grupo, e as pessoas querem se projetar como referência dentro do grupo. Por isso, e por vezes, disseminam algo sem verificar fontes.”
Como forma de amenizar a difusão de notícias falsas, Behs indica como primordial a checagem das fontes. “Verificar o endereço do site, se são nomes parecidos com outros sites mais conhecidos. Também é importante confirmar o fato em outros veículos de comunicação de maior credibilidade. E verificar, também, a data original da notícia.”
Difamação no WhatsApp
Durante o último dia da greve, um assessor de vereador também foi vítima das chamadas fake news. Lucas Ahne trabalha no gabinete de Sérgio Kniphoff, do Partido dos Trabalhadores (PT). Na quarta-feira, às 14h22min, ele postou – na página pessoal do Facebook – uma foto do protesto que ocorria, naquele momento, no Posto do Arco, em Lajeado.
Menos de 10 minutos depois, já viralizava no WhatsApp uma montagem com a postagem dele, em que estava escrito: “Assessor de vereador do PT em horário de serviço, pago com o dinheiro público”. A mensagem, segundo Ahne, insinuava que ele estaria participando das manifestações durante o horário em que deveria estar atuando no Legislativo.
“Eu recebi aquela foto. E publiquei, até para situar o pessoal, pois muitos não sabiam o que estava acontecendo. Havia um alvoroço no posto. Um tempo depois, surgiu aquela mensagem tentando me denegrir em função do meu cargo.” Segundo ele, diversos grupos de Whatsapp compartilhavam a falsa informação.
Ahne não sabe se buscará reparos na Justiça. Ele recebeu algumas mensagens lhe mostrando onde teria iniciado a divulgação daquela montagem. “Eu fiquei bastante surpreso. Além de não estar no local, e eu gostaria de estar, era uma mentira e estavam repassando em diversos grupos. Acho que isso é política suja”, resume.
As principais fake news da greve
A greve dos caminhoneiros provocou uma enxurrada de boatos na internet e, posteriormente, para as rodas de conversa. O site Boatos.org listou uma série delas, envolvendo o presidente Michel Temer, o Exército e, ironicamente, o próprio WhatsApp.
• Renúncia de Temer e presidentes da Câmara e do Senado
Logo após a notícia da greve chegar às redes sociais, começou a circular uma suposta “lista de reivindicações” da classe trabalhadora. Entre os pedidos, estaria a renúncia coletiva de Michel Temer e dos presidentes da Câmara e Senado, além de eleições antecipadas. O texto ainda citava possível “radicalização” por parte dos caminhoneiros.
• PCC apoia a greve e vai atacar quem sair de casa
Esta fake foi mais divulgada no centro do país. Basicamente afirmava que o grupo terrorista conhecido por Primeiro Comando da Capital, ou PCC, estaria apoiando a causa dos caminhoneiros e, diante disso, “atacaria” quem trabalhasse com caminhões ou buscasse combustível durante a greve
• Caminhoneiro foi morto com tiro na BR-101
“Isso a Globo não mostra! Caminhoneiro é morto a tiro de borracha disparado pela Polícia Rodoviária Federal na BR-101, próximo a Santo Antônio de Jesus (BA).” Junto do texto, uma foto de um homem aparentemente morto e deitado sobre um gramado, de bruços.
• Governo vai cortar a internet e bloquear o WhatsApp em função da greve
Internautas compartilharam informações sobre uma suposta intenção do governo federal de cortar a internet dos brasileiros e, com isso, bloquear o WhatApp como forma de desarticular os grevistas. Em nota, a Anatel ressaltou que nem o governo nem a agência conseguem realizar essa “façanha” em âmbito nacional.
• Intervenção militar em sete dias
Outra fake news sobre a greve dos caminhoneiros dizia que, caso a paralisação permanecesse por mais de sete dias, haveria uma intervenção militar no país. Tanto por texto quanto por áudio, foi propagada uma falsa confirmação de um general do Exército. Entretanto, não houve qualquer pronunciamento oficial por meio da corporação e as próprias tropas escoltaram caminhões-tanque para enfraquecer as manifestações.
• Briga na Câmara e decreto por estado de sítio
Foi bastante compartilhada a informação de que na Câmara Federal houve intensa briga após deputados acusarem Rodrigo Maia de decretar estado de sítio.
Rodrigo Martini: rodrigomartini@jornalahora.inf.br