A paralisação dos caminhoneiros deixou diversos produtos dentro das boleias por quase duas semanas. Após o fim da greve, as consequências mais evidentes estão nas gôndolas dos supermercados, que apontam acréscimo no preço dos alimentos, em especial dos hortifrutigranjeiros. O valor cobrado pela cebola e pelo tomate disparou e a situação deve se normalizar em até sete dias.
Profissional autônomo, Adelar Guerra, 39, se assustou com o preço dos dois produtos que estão entre os mais usados na cozinha dos brasileiros. Segundo ele, além do valor beirando os R$ 7, o aspecto dos alimentos também ficou prejudicado.
“São produtos perecíveis, e mais da metade do que enxerguei não dá para usar, pois estragou nos caminhões”, afirma. Para ele, os resultados de toda essa greve são sentidos tanto pelos consumidores quanto pelos agricultores, que também perderam a produção.
“Os únicos que não saem perdendo estão no governo”, acredita. Guerra espera que nos próximos dias, com a retomada da normalidade nas estradas, os produtos voltem aos valores cobrados antes do início das manifestações.
Gerente-executivo da Associação Gaúcha de Supermercados (Agas), Francisco Schmidt afirma que o abastecimento nos supermercados deve se normalizar em no máximo sete dias. Segundo ele, qualquer paralisação que afete a logística ou o setor produtivo impacta diretamente os supermercados.
“Ainda não contabilizamos os prejuízos ao setor, mas foram muito grandes”, aponta. Conforme Schmidt, a maioria dos estabelecimentos está bem guarnecida de produtos de todos os gêneros, e não há possibilidade de falta de itens básicos.
“Um produto ou outro pode ficar em falta, mas são casos isolados”, ressalta. Schmidt confirma que os principais afetados são os hortifrutigranjeiros, que tiveram preços mais elevados pois estragam ao ficar muito tempo parados nos caminhões.
“É uma situação semelhante ao que ocorre em grandes períodos de estiagem, temporais e outras intempéries”, assinala. Segundo ele, é natural que, quando um produto falte por algum tempo, a procura por ele aumente, elevando o valor no mercado.
Medo de novas paralisações
Sócio de uma distribuidora de alimentos, Maciel Manfroi confirma a elevada procura pelos hortifrutigranjeiros. Para ele, esse comportamento do consumidor é motivado pelo receio de que uma nova paralisação represe novamente os estoques.
“Como tem muita procura, o preço sobe”, aponta. Segundo Manfroi, durante a greve, a distribuidora recebeu apenas produtos das proximidades. Quando os caminhões com as cargas encomendadas antes da greve apareceram, boa parte não pôde ser aproveitada.

Quilo do tomate custava em média R$ 4,75 antes da greve. Após a paralisação, preço alcança R$ 7 em alguns supermercados
“É difícil mensurar os prejuízos, pois mesmo o que foi enviado aos mercados pode acabar voltando porque não está nas melhores condições”, alega. Conforme o empresário, a noção exata dos danos será sentida em até uma semana.
Manfroi confirma que a cebola e o tomate tiveram a maior elevação após a greve. Segundo ele, no caso da cebola, o preço já estava alto devido à cotação do dólar. “É um produto importado, por isso, suscetível à variação cambial.”
Apesar de absorver prejuízos nos últimos dias, o empresário acredita que a redução do diesel pode compensar os dias em que o frete ficou represado. “A longo prazo, o transporte mais barato pode beneficiar a todos.”
Indústria perde R$ 2,9 bilhões
Presidente da Federação das Indústrias do Rio Grande do Sul (Fiergs), Gilberto Porcello Petry acredita que o setor levará cerca de dez dias para se recuperar. Segundo estimativas da entidade, as perdas previstas para o setor industrial chegam a R$ 2,9 bilhões em faturamento. “Se aplicarmos um ICMS médio de 12% sobre esse valor, seriam R$ 350 milhões que o Estado teria dificuldades para recolher, e as empresas terão menos para cumprirem seus compromissos.”

Preço da cebola já era considerado elevado devido à alta do dólar. Maior parte do produto vendido na região é importado
Segundo Petry, o ciclo de recuperação varia de empresa para empresa, de acordo com o tipo de negócio. “Depende do insumo que elas recebem e como está organizada sua cadeia de fabricação e entrega de produtos.”
O levantamento realizado pela Fiergs não inclui o custo que muitas indústrias terão para a retomada das atividades, tais como aquecimento de caldeiras e fornos, limpeza e manutenção de máquinas. Além disso, não estima o impacto nas exportações, onde as empresas ainda sofrem multas e cancelamentos de contratos por não conseguirem entregar os produtos.
Entrevista
“O consumidor acaba pagando o preço de todos esses problemas.”
Economista graduado na universidade Mackenzie, José Flávio Messias é especialista em Administração Financeira pela Fecap, mestre em Economia Política e doutor em Ciências Sociais (Núcleo Relações Internacionais) pela PUC-SP. É professor do curso Gestão financeira da Univeritas/UNG.
Quais as consequências da greve para o comércio de alimentos?
José Flávio Messias – A paralisação em si gerou desabastecimento, porque a forma como os caminhoneiros encontraram para pressionar o governo e a sociedade foi fazendo o bloqueio. Com isso, as mercadorias não chegavam à Ceasa e grandes supermercados. Os grandes mercados têm maior infraestrutura e tinham estoque. Eu, por exemplo, não tive problema para encontrar alimentos nos supermercados. O hortifruti sofreu impacto maior, porque são os perecíveis e tem um tempo de vida útil mais curto. Algumas bancas nem apareceram nas feiras, e em alguns casos houve cobrança abusiva de preços. O consumidor acaba pagando o preço de todos esses problemas.
Como a greve interfere na retomada da economia?
Messias – A economia estava aquecendo, com a queda dos juros e uma retomada ainda tímida dos empregos, e sofreu esse golpe. Mas não dá colocar a culpa da crise no bloqueio dos caminhoneiros. Uma dupla conjunção entre o aumento do dólar e do preço do barril de petróleo no mercado externo fez com que o combustível aumentasse de 12% a 13% desde junho do ano passado. Como nossos salários não aumentaram, o consumidor sentiu esse impacto. Os caminhoneiros já vinham em um momento complicado, porque esse aumento de custo não pôde ser repassado para o frete, porque a economia não estava aquecida. A margem que ele tinha, sumiu. O governo demorou para tomar uma medida, porque não acreditou que a coisa se prolongaria tanto e geraria tantas consequências, até para o governo, que sai enfraquecido.
O governo anunciou a redução de R$ 0,46 no litro do diesel. Como essa diferença será custeada?
Messias – É a grande pergunta: quem vai pagar a conta? Vai tirar da educação e da saúde que são áreas carentes? Da forma como foi feito, tem uma classe que estava sofrendo impacto muito grande e fez o governo ceder. Mas, a partir do momento que começa a tirar de outras pastas importantes, gera outro problema. Tem um problema de gestão muito sério, pois sabemos que o orçamento da União funciona de forma diferente e nem sempre um recurso existente é liberado, ou demora para ser liberado. A gente vê uma série de conflitos de gerenciamento, porque o cobertor é curto. Se você não tiver uma forma de definir prioridades, ficará apenas apagando incêndios, o que sai mais caro e causa mais desagaste. E se outros grupos começarem a reivindicar outras coisas? É preciso encontrar uma solução em conjunto.
Qual o cenário que o próximo governo, que assumirá em 2019, enfrentará na economia após esse episódio?
Messias – A subida recente no valor do dólar está ligada a questões externas que aumentaram o preço do petróleo e internas, pois foi divulgada uma pesquisa eleitoral em que os candidatos a favor do mercado e das reformas estavam muito aquém da liderança. O déficit público é complicado, pois se perdurar ou se aumenta ainda mais a já elevada carga tributária, ou emite moeda, o que gera inflação. Ou então se emitir título de tesouro direto, aumenta a taxa de juros. No momento se tem uma discussão da reforma da Previdência com desinformação de tudo quanto é lado. Se eu somar só as contribuições de patrões e empregados, dá um déficit, mas existem outras fontes, como loterias, que não são levadas em conta nesse cálculo. Na hora de tomar uma decisão, primeiro dizem que será igual para todos, depois que uma categoria ou outra não seria atingida. Na verdade é um jogo de forças, onde quem tem cacife pressiona para obter benefícios ou a manutenção dos privilégios. O grande desafio do próximo presidente é tentar equilibrar isso.
Thiago Maurique: thiagomaurique@jornalahora.inf.br