As consequências do prolongamento da greve dos caminhoneiros atingem o centro da economia regional. A falta de ração e transporte para o recolhimento de aves e frango coloca em risco o investimento de mais de R$ 500 milhões.
No leite, o prejuízo diário chega a R$ 1 milhão, e quase 20 mil trabalhadores foram dispensados do trabalho nas indústrias devido à falta de matéria-prima. Se na terça-feira alguns caminhões-tanques foram escoltados pelas forças de segurança e conseguiram chegar a postos da região, ontem os comboios se intensificaram e a tendência é de que não falte mais produto.
De acordo com o diretor da rede Charrua, Elisandro Eckert, 15 caminhões vazios da companhia foram enviados a Porto Alegre para integrar uma operação deflagrada pelo comitê de crise do governo do Estado. “Sairão caminhões de todas as companhias para abastecer todos os postos do interior.”
Segundo ele, hoje o fornecimento de combustível deve ser normalizado. “O Exército fez um trabalho para desobstruir as rodovias e as polícias estão agindo para garantir o abastecimento”, aponta. Conforme Eckert, as pessoas podem continuar protestando, mas não impedir os outros de terem acesso aos produtos.
Entidades clamam pelo fim da greve
O revés econômico no momento em que a economia começava a dar sinais de recuperação motivou reações das entidades regionais, que clamaram pelo fim das paralisações. Ontem, representantes se reuniram novamente na prefeitura de Lajeado para reforçar a urgência da situação.
Presidente do Codevat, Cíntia Agostini lembra que a região é produtora de alimentos e neste momento sofre com os rumos de um movimento que nasce com pautas legítimas, mas que provoca um revés significativo e imensurável.
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“Nós precisamos voltar a produzir, a comprar e a vender. Já passamos da iminência de um caos social, econômico e sanitário”, alerta. Segundo ela, as entidades conclamam a sociedade para que não permitam que os caminhões continuem bloqueados nas rodovias.
“Fomos individualmente até os bloqueios para pedir que liberassem os pontos, pois já estamos com falta de medicamentos nos hospitais, na UPA e nas farmácias”, alega. Conforme Cíntia, mesmo com o fim das mobilizações, os frangos, suínos e os 950 mil litros de leite que são jogados fora diariamente representam grave dano para a agricultura familiar e a cadeia produtiva. “Estamos falando de seis mil famílias diretamente afetadas e milhares de pessoas empregadas nas indústrias”, aponta.
Presidente da Amvat, o prefeito de Lajeado Marcelo Caumo comparou a situação provocada pela greve com a de uma guerra. “Graças a Deus, não morreu gente, mas a economia foi destruída e a população precisa ter a consciência disso”, alega.
Segundo ele, todos querem e lutam por um país melhor, mas não é possível continuar comprometendo a região.
Para o presidente da CIC-VT, Pedro Barth, os grevistas já conseguiram aquilo que estavam buscando, em especial após o anúncio da redução do preço do diesel. A partir disso, acredita que a greve perdeu o sentido. “Hoje percebemos que existem outros movimentos infiltrados nas manifestações.”
Presidente da CDL, Heinz Rockembach afirma que as manifestações começaram a ficar perigosas a partir do ingresso de outros grupos com interesse políticos. “Está se tornando um caos”, acredita. Segundo ele, a entidade, que chegou a organizar um protesto em apoio aos caminhoneiros no sábado retirou o apoio ao perceber que o movimento ficou sem rumo definido. “Já temos muitos prejuízos e a sociedade precisa se unir para continuar reivindicando, mas de forma ordeira”, assinala.
Presidente da Acil, Aline Eggers lembra que a entidade foi contrária à greve desde o início. Segundo ela, da forma como se constitui, a luta do movimento não é contra o governo, e sim contra a própria população. “Entendemos a necessidade de reivindicar, mas não por meio de uma greve que prejudica o povo”, aponta.
Conforme Aline, a situação vivida pela indústria pode resultar em desemprego, o que reflete no comércio e nos serviços da região. “Os prejuízos gerados até o momento não serão recuperados”, lembra. Para ela, o cenário é ainda mais grave no momento em que a economia apresentava sinais de recuperação após uma das mais graves crises financeiras da história do país.
“A paralisação precisa parar agora, porque quem não sentiu os efeitos ainda sentirá logo adiante”, aponta. Lembra ainda que os benefícios oferecidos para setores específicos por parte do governo serão custeados por toda a população.
Consumidores viram a noite na fila por gasolina
Os motoristas madrugaram para tentar abastecer os veículos no Posto do Arco, um dos únicos da cidade com combustível disponível desde terça-feira. Antes das 7h, a fila de carros e motos ultrapassava 1,5 quilômetro, saindo da rua João Luiz da Rocha, ingressando na rua Rio Grande do Sul até Treze de Junho, às margens da BR-386.
Por volta das 8h, a primeira leva de combustível esgotou e os consumidores foram avisados sobre a chegada de um novo carregamento em no máximo uma hora. Com os carros parados, os motoristas se reúnem em pequenos grupos para debater a situação causada pelos protestos. Primeiro da fila, o pedreiro Dirceu Noé, 50, chegou às 4h nas proximidades do posto.
“Tinha muita gente que virou a noite, porque a fila já estava quase na BR”, lembra. Foi o primeiro dia que ele tentou abastecer a motocicleta que usa para trabalhar. Apesar do transtorno, acredita que os protestos devem prosseguir até a queda do governo federal. “Não sei o que vem depois, se for o Exército é melhor ainda, mas precisamos tirar esses corruptos”, brada.
Esperando pelo abastecimento desde as 5h30min, o industriário Carlos Baldissera, 53, discorda. Para ele, a greve levou a população a uma situação absurda, e perdeu o seu propósito. “Teremos cinco dias de férias coletivas porque a empresa não tem insumos. Quem vai pagar por isso é a população, em especial, os mais frágeis.”
Dentro do carro desde as 4h45min, uma professora da rede privada de ensino afirma que a greve é um instrumento legítimo, mas não deveria atrapalhar os demais trabalhadores. “Se eu não for trabalhar, sou demitida, assim como outros profissionais.”
A professora disse ter apoiado as manifestações, mas agora reclama do prolongamento dos bloqueios nas estradas e da falta de foco nas reivindicações. “Conseguiram o que queriam e continuaram. Virou uma baderna.”
Mais exaltado, um motorista que se disse profissional autônomo reclamava por estar mais de três horas esperando, sem saber se conseguiria abastecer o carro que usa para trabalhar. “Quem vai pagar minhas contas e o prejuízo pelos dias parados?”
Por volta das 9h, a chegada de um caminhão com combustível acalmou os ânimos. Motoristas voltaram para os veículos e seguiram no aguardo pelo abastecimento e pela retomada da normalidade em seus cotidianos.
Fórum das entidades empresariais e sociais de lajeado
A greve de 10 dias dá sinais de acabar. Levou às ruas uma sociedade insatisfeita e incomodada com os rumos do país. Mais do que justo. No entanto, com o passar dos dias, perdeu sua razão de ser e existir. Descarrilhou pelo caminho e incentivou o caos.
Ao passo que o abastecimento começa a voltar, ergue-se a necessidade de uma reflexão sobre os próximos passos. O impacto econômico é brutal, seja na cidade ou no interior. Milhares de trabalhadores parados nas indústrias e outros milhões de animais agonizando no campo. O rombo no setor de aves, suínos e leite já passa de R$ 500 milhões. O reflexo virá nos próximos períodos, para todos nós.
Já basta de protestos e paralisações. O país e o Vale do Taquari não suportam mais, sob pena de entrar em colapso social e econômico. Precisamos reencontrar o equilíbrio. O impacto e o prejuízo de médio e longo prazos é inevitável. É hora de apelar ao bom senso e à serenidade individual para que os prejuízos não sejam ainda maiores.
Por fim, restam reflexões profundas a respeito do nosso comportamento e sobre a sociedade que somos e queremos. O caos não favorece ninguém. Pense nisso!
Thiago Maurique: thiagomaurique@jornalahora.inf.br