O décimo dia de manifestações nas rodovias da região teve cenários distintos. Enquanto caminhoneiros, entidades civis e forças de segurança chegaram a um acordo e desfizeram o piquete montado na ERS-130, em Arroio do Meio, houve fortes confrontos na BR-386, em Estrela, e briga no Posto do Arco, em Lajeado. O saldo apresentou feridos.
A primeira confusão foi registrada no início da tarde, em um dos únicos postos de combustíveis abertos nesta quarta-feira, instalado às margens da ERS-130, no acesso aos bairros Santo André e Campestre, em Lajeado.
O posto estava vendendo combustível para clientes comuns – antes o abastecimento estava disponível apenas para carros da polícia, ambulâncias e afins. Por volta de 13h15min, cerca de 100 pessoas chegaram ao local com faixas de “Fora Temer” e também contra outros políticos.
“Eu não sou caminhoneiro, mas vim até aqui caminhando para ajudar. Eles estão lutando por nós. Não é justo que fiquem acampados na beira da estrada, lutando pelo país, e ao mesmo tempo as pessoas venham até aqui pagar altos valores para encher o tanque”, desabafa um dos manifestantes, Jonatan Trindade dos Santos, 23 anos, morador do bairro Moinhos D´Água.
Eram 14h quando o proprietário do posto atendeu as reivindicações e, diante de uma fila de veículos que ultrapassava um quilômetro, fechou todas as bombas de combustível. A decisão causou furor entre os motoristas que aguardavam dentro dos veículos. Um deles tentou ultrapassar o piquete, mas foi impedido de entrar. Houve empurra-empurra.
“Estou aqui desde 9h, com duas crianças no carro e com o tanque na reserva. Preciso ir para casa. É muito injusto me impedir de abastecer o meu veículo”, reclamava Rosane de Fátima da Silva, moradora de Boqueirão do Leão.
Logo após, oito viaturas da Brigada Militar e da Polícia Rodoviária Estadual (PRE) chegaram ao local. Após diálogo com os manifestantes e proprietário do posto, acordaram de reabrir o estabelecimento às 15h. Horas depois, houve novos embates naquele ponto.

Com apoio do Comando Rodoviário, a Brigada Militar teve a missão de evitar novos bloqueios no ponto da BR-386 onde há maior manifestação de grevistas e apoiadores do movimento
Confronto com manifestantes
Mais de 20 viaturas da Brigada Militar (BM) acompanhavam a movimentação dos manifestantes na entrada do Porto de Estrela, na BR-386.
De acordo com o comandante do Comando Regional de Polícia Ostensiva do Vale do Taquari (CRPO-VT), Ricardo Alex Hoffmann, a ação BM, com apoio do Comando Rodoviário e do 1º Batalhão da BM de Porto Alegre, tinha como missão garantir a ordem e a liberdade de circulação das pessoas.
Segundo ele, o excesso de fluxo de caminhões no trecho em Estrela deve-se ao fato de que as manifestações dos caminhoneiros já se encerraram em vários pontos do Estado. “A BR-386 é um ponto nevrálgico para o RS” diz.
“Estamos aqui para garantir que os caminhões carregados com ração, por exemplo, consigam chegar ao seu destino final, já que vários animais correm risco de vida devido a greve”.
Por diversas vezes, houve confrontos entre policiais e manifestantes. Segundo Hoffmann, a BM esteve presente durante toda a greve, mas não conseguiu acordo com os líderes do movimento.
“Ignoraram nossas orientações. Resolveram trancar as rodovias e subir em cima dos caminhões. Aí tivemos que intervir justamente para cumprir nossa missão” ressalta.
Em alguns momentos, os grevistas jogaram pedras nos policiais e aos gritos diziam aos policiais: “Eu sou brasileiro, de que país vocês são? Ajudem a gente”. A BM respondeu com balas de borracha.
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Um menor de idade, morador de Estrela, estava próximo ao conflito. Ele levou um tiro de bala de borracha no joelho. “Eu estava sentado, cantamos “o povo unido jamais será vencido” e eles começaram a atirar. Eu só passei uma água em cima”, reclamava. “Não falaram nada, não pediram para a gente sair. Tocaram spray de pimenta no meu irmão também.”
Outro grevista, um pouco mais ousado, aos berros afirmava “eu vou sair daqui preso hoje, afinal lá não preciso fazer nada”, enquanto estendia uma faixa de “Estamos aqui por mim, por você e por um Brasil gigante”.
Enquanto manifestantes e policiais discutiam a viabilidade do protesto, caminhões do exército que cruzavam o trecho escoltando cargas eram aplaudidos pelas pessoas adeptas ao protesto. Outros vaiavam.
Nos bastidores, um brigadiano que estava na operação diz que “os manifestantes já não são mais os mesmos que iniciaram a greve. Baderneiros se apropriaram de um movimento que já se encerrou”.
O empresário João Mallmann, 32, de Estrela, acompanhava a movimentação na beira da faixa. Para ele, “os policiais deveriam apoiar os manifestantes, pois eles mesmos têm salário parcelado”. Segundo Mallmann, “se os brigadianos apoiassem a greve, talvez a situação ruim que eles se encontram poderia mudar.
Desmobilizações e decisão judicial
Diversos piquetes foram desfeitos nessa quarta-feira. Houve desmobilização na ERS-130 em Arroio do Meio, na ERS-129 em Muçum, e na RSC-453 em Cruzeiro do Sul. Ainda na tarde de ontem, atendendo a um pedido de três promotores do Vale do Taquari, o juiz Luís Antônio de Abreu Johnson concedeu liminar determinando, entre outras medidas, o livre trânsito de caminhões. Também proíbe manifestações próximas à distribuidora de combustíveis.
Alternativa sobre duas rodas
Sem combustível nos postos, as bicicletas viram opção para garantir a chegada nos compromissos diários
Em meio a greve dos caminhoneiros, o bancário Sandro Fritsch, 26, resolveu mudar um hábito. Com o carro sem gasolina desde o início desta semana, ele saiu do trabalho nessa terça-feira, em Lajeado e foi a pé até o bairro das Indústrias em Estrela buscar a bicicleta com mais de 40 anos.

Os irmãos Fritsch, de Estrela, aderiram ao ciclismo para evitar filas nos postos
“Foram mais de cinco quilômetros de jornada”, conta. Segundo ele, as manifestações favoráveis a redução do combustível lhe abriu os olhos para o gasto mensal que tinha com gasolina. “Eram mais de R$ 100 por semana. A partir de agora vou começar a vir do Centro de Estrela, onde moro, para o Centro de Lajeado de bicicleta”, relata.
Com a economia, Sandro acredita que até o fim do ano conseguirá dinheiro para fazer uma viagem especial, além de reforçar sua saúde. “No fim do ano, com este dinheiro que gastava em combustível, quero fazer um cruzeiro”, diz
O irmão mais novo, Tiago Fritsch, 22, também aderiu a bicicleta como meio de transporte nesta semana. Ao todo, ele está rodando quase 20 quilometros diários, do Centro de Estrela até o Centro de Lajeado, onde trabalha no ramo imobiliário como auxiliar de locação. “Não vou entrar nesta balela de fila para abastecer”, comenta. Para ele, além de contribuir com a paralisação dos caminhoneiros, andar de bicicleta é uma maneira de tirar um tempo para si e cuidar da saúde.
“Não adianta fazer toda esta mobilização e ficar em fila de posto para abastecer carro com preços tão altos”, protesta.
Mecânicas de bike
Com mais uso de bicicletas, mais movimento na loja de bicicletas do Luis Cesar Barckerdt, em Lajeado. Desde essa segunda-feira, ele já havia vendido pelo menos 6 bicicletas, sendo que na média, em dias normais, são duas bicicletas por semana.
E mais, o número de pedidos por conserto em bicicleta dobrou. Só ontem, 10 pessoas solicitaram os serviço de Luis em sua loja.
“São mais de 30 anos trabalhando com isto, realmente o pessoal está procurando mais por esta alternativa em função desta paralisação”, diz o lojista.
É o caso do industriário Jair Soares, 46. Com dois empregos, ele gasta um tanque de combustível por semana. Sem saber ao certo quando conseguirá abastecer sua moto novamente, optou por deixar a bicicleta na reserva.
Rodrigo Martini: rodrigomartini@jornalahora.inf.br | Cristiano Duarte: cristiano@jornalahora.inf.br