Gasolina volta, perdas se acumulam e greve segue

Vale do Taquari - dez dias de paralisação

Gasolina volta, perdas se acumulam e greve segue

Entidades regionais emitem comunicado de alerta sanitário diante da situação de colapso. O alerta de colapso atinge todos os setores. Dos serviços públicos ao risco iminente de uma emergência sanitária no setor primário. Para conseguir levar combustível aos postos, autoridades organizam escoltas dos caminhões por todo o RS. A tendência é que mais estabelecimentos do Vale voltem a operar a partir de hoje. Enquanto isso, piquetes na região continuam ao lado das rodovias. Ontem, em Arroio do Meio, grupo interrompeu o acesso a um posto. Durante a noite, protesto na BR-386 bloqueou a passagem de todos os veículos. Congestionamento foi da entrada do Porto de Estrela até as proximidades da Fruki, em Lajeado.

Gasolina volta, perdas se acumulam e greve segue
Vale do Taquari

Os resultados da greve dos caminhoneiros para a economia regional são desastrosos. Depois de nove dias de protestos que resultaram em falta de combustível, ração para animais e fábricas fechadas, produtores e empresários contabilizam os prejuízos e pedem o fim das mobilizações.

Proprietário de uma granja de suínos na localidade de Novo Paraíso, Estrela, Airton Hauschild, 60, teme pela perda de parte da produção devido ao racionamento de ração. Apesar de compreender as reivindicações dos manifestantes, ele acredita que os protestos passaram dos limites no momento em que prejudicam a subsistência dos agricultores.

Segundo ele, não fosse o esforço da cooperativa para a qual produz transportar uma quantidade pequena de ração durante a madrugada, a situação estaria ainda mais crítica. “Tenho dois mil leitões prontos e dependo só disso para sobreviver. Produtores de leite e frango também estão sofrendo muito.”

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Conforme Hauschild, diante do estresse causado pelo racionamento da alimentação, parte dos suínos começou a apresentar sinais de canibalismo. “Até o momento não tive prejuízo financeiro, mas se não houver transporte, vou perder R$ 14 mil e 42 dias de serviço.”

Dono de uma granja com 150 mil frangos, Diego Müller, 32, afirma que, apesar de os animais estarem no estágio inicial de engorda, o racionamento da alimentação estressa os animais, que começam a se bicar.

“Eu ainda estou tranquilo, mas vizinhos que estão na fase final de engorda estão perdendo a produção”, aponta. Segundo ele, a causa dos caminhoneiros é compreensível, mas o prejuízo das manifestações será pago por toda a população.

A situação dos produtores motivou a Fetag a pedir, em nota, o fim das manifestações. A entidade que congrega os produtores rurais apoiava o movimento até o anúncio da redução nos valores do diesel. “Decorridos nove dias de paralisações, constatamos que a greve tomou um rumo que traz a perda de controle das mobilizações, passando a ter um foco político-ideológico.”

Conforme o texto, mais de cem mil famílias, que produzem leite, suíno, frango e hortifrutigranjeiros estão perdendo toda a produção. Para a federação, os Sindicatos dos Trabalhadores Rurais devem retirar o apoio às mobilizações e o comando de greve deve desobstruir a passagem de caminhões com produtos dos agricultores, além de insumos e rações.

Para a entidade, os agricultores não podem pagar a conta da incompetência dos governos e de uma mobilização sem controle.

Cooperativas em dificuldade

Se a situação causa transtornos aos agricultores, para as indústrias e cooperativas o cenário é ainda mais preocupante. Na Dália, o abate de suínos segue suspenso desde sexta-feira, 25. Ao todo, 1,2 mil funcionários do setor foram dispensados e serão convocados quando a situação estiver normalizada.

A Languiru continua com a paralisação total das atividades no Frigorífico de Aves, em Westfália, e no Frigorífico de Suínos, em Poço das Antas. Hoje, todas as unidades de abate de frango e porco estão paradas.

Presidente da cooperativa, Dirceu Bayer afirma que mesmo a busca por alternativas para normalizar as operações esbarra na falta de combustível. “Sem isso, não conseguimos movimentar a nossa frota. Já estamos sem acesso a alguns produtores de leite e suínos.”

Segundo ele, a cooperativa tem mais um dia de fôlego e, caso a greve não seja solucionada, a situação ficará ainda mais complicada. “Nossos depósitos estão cheios, superestocados e não tem como desovar. Termos dificuldades nas embalagens e suprimentos para o leite.”

Conforme Bayer, a cooperativa tem caminhões parados em filas no Paraná com carcaças suínas e leite estragado nas barreiras da região. “Quem vai pagar a conta são todos os consumidores. Todas as empresas perderam produção e os preços devem aumentar quando esses produtos voltarem às gôndolas.”

Integrantes das instituições se reuniram ontem e emitiram nota pedindo fim da greve. No comunicado alertam risco de emergência sanitária

Integrantes das instituições se reuniram ontem e emitiram nota pedindo fim da greve. No comunicado alertam risco de emergência sanitária

Para o presidente da cooperativa, o movimento grevista é justo, mas ultrapassou os limites no momento em que as paralisações continuaram apesar do anúncio de queda no preço do diesel. Conforme Bayer, diante da mortalidade dos rebanhos e o impedimento do acesso aos serviços de educação e saúde, os manifestantes acabam perdendo a razão.

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Prejuízos no setor privado

O movimento paradista recebeu ao longo dos últimos dias o apoio de empresários e entidades ligadas ao setor privado que, inclusive, se uniram aos atos. Porém a continuidade da greve e o aumento dos prejuízos nas empresas provoca reações contrárias.

Ontem, a Acil, de Lajeado, emitiu nota pedindo pelo fim das mobilizações. A entidade considera legítima a indignação dos caminhoneiros, mas afirma que o país não pode parar nem ficar refém de um movimento que prejudica as operações das indústrias, aumenta custos, penaliza a população e tem efeitos danosos sobre uma economia ainda em recuperação.

Presidente da entidade, a diretora da Fruki, Aline Eggers, afirma que a empresa parou devido à impossibilidade de entrada e saída de caminhões. “Fazemos apenas entregas bem localizadas e não recebemos mais matéria-prima. Não temos mais espaço para guardar sequer nosso produto acabado.”

Para Aline, o que era um movimento legítimo acabou se transformando em uma luta por poder. Segundo ela, existem diversos motivos para estar descontentes com o governo, mas a greve pune apenas a população. “Desde o início da greve, a Acil se posicionou contra. Entendemos a indignação, mas não concordamos com esta forma de agir.”

Proprietário da indústria química Reinigend, de Teutônia, Renato Scheffler também paralisou as atividades por falta de matéria-prima e impossibilidade de expedir os produtos. “Não chegaremos à metade da meta de faturamento no mês e várias outras empresas da cidade também pararam.”

Para o empresário, se as paralisações tivessem condição de mudar ou melhorar alguma coisa, o apoio continuaria. Caso contrário, não há motivo para paralisar o país. “Em um governo autoritário, que não irá ceder, não conseguiremos mais nada e só ampliaremos o prejuízo.”

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Em Encantado, a empresa de cosméticos Vini Lady está com a frota de caminhões trancada nas barreiras dos movimentos de paralisação. Alguns com produtos para serem entregues para os clientes e outros vazios que estavam voltando. A partir de hoje, eles param de produzir devido à falta de insumos. Segundo a diretoria, a empresa apoia o movimento, pois é uma forma de mudar o Brasil.

A empresa Fontana, também de Encantado, interrompe a produção dos produtos de higiene e limpeza hoje por falta de matéria-prima. Conforme o diretor, Ricardo Fontana, os funcionários devem ser dispensados.

“O prejuízo deve ser de R$ 2 a 3 milhões só levando em consideração o faturamento”, aponta. Segundo ele, toda a distribuição dos produtos para os clientes é feita por terceirizados.

Todos os caminhões estão parados nas mobilizações, com exceção de um que está carregado no pátio da empresa esperando. Conforme Fontana, após o término das mobilizações, a empresa prevê mais 40 a 60 dias para regularizar a situação.

“Achamos justa a reivindicação, mas parece que agora está tomando outro rumo com viés político. Não adianta parar toda a economia”, alega.

Em Lajeado, os frigoríficos da Minuano e da BRF também paralisaram as atividades.

Airton Hauschild, de Estrela, teme pela perda de 2 mil leitões devido ao canibalismo

Airton Hauschild, de Estrela, teme pela perda de 2 mil leitões devido ao canibalismo

Entidades emitem alerta

As incertezas quanto à continuidade das paralisações motivou reunião entre as entidades regionais para avaliar saídas para a crise. O encontro ocorreu na tarde de ontem, com a participação de Amvat, Codevat, Consisa, Sindicato dos Trabalhadores Rurais , Emater-RS e Codeter e resultou e alerta de emergência sanitária caso o movimento não se disperse.

As entidades consideram que existem no Vale do Taquari e na Serra 42 milhões de frangos, 960 mil suínos e 950 mil litros de leite produzidos por dia , que representam a subsistência de 5,8 mil famílias. Conforme levantamento das entidades, quase 3 milhões de frangos já estão sem alimento e, se a situação não for revertida em 72 horas, aves e suínos começarão a morrer.

“Como um dos principais polos produtores de alimentos do país, as entidades do Vale do Taquari reforçam seu convicção de que, se a atual situação se mantiver, poderá estar sendo gerada uma situação de emergência sanitária sem precedentes e com consequências e dimensão desconhecidas na história do Rio Grande do Sul. ”

Thiago Maurique: thiagomaurique@jornalahora.inf.br
Colaboração – Gisele Feraboli: gisele@jornalahora.inf.br

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