Intervenção militar divide opiniões

Vale do Taquari

Intervenção militar divide opiniões

Sem acordo, parte do grupo que mobiliza a greve desde a semana passada acredita que militares tomarão o poder em breve

Intervenção militar divide opiniões
Vale do Taquari

Sete dias e seis horas. Esse é o prazo, que venceria hoje, anunciado por caminhoneiros em grupos de WhatsApp para que a Constituição federal cumpra a intervenção militar e o presidente Michel Temer renuncie ao cargo, deixando o poder a cargo dos militares, como ocorreu em 1964.

A greve iniciada na segunda-feira passada que focava na redução dos preços dos combustíveis vem ganhando força em reivindicações políticas pela intervenção militar.

As medidas anunciadas por Temer na noite desse domingo não surtiram efeitos. Momentos após o pronunciamento do presidente, atendendo o pedido dos caminhoneiros em relação à redução do preço do óleo diesel, cobranças em pedágios e tabelas sobre o preço do frete, os líderes do movimento inflamavam motoristas e adeptos à greve a continuar com os caminhões parados na rodovia.

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Embora o presidente da Associação Brasileira dos Caminhoneiros, José da Fonseca Lopes, tenham solicitado aos caminhoneiros que “levantem acampamento e sigam a vida”, os manifestantes mantêm a greve com a alegação de que “tudo voltará como era antes”.

Pelo Vale do Taquari, cresce o número de manifestantes com cartazes e gritos de frases de ordem pedindo a tomada do poder pelas Forças Armadas.

“É a única solução viável. Com os militares no poder, eles farão a limpa no Senado e na Câmara Federal, tirando todos os corruptos de lá”, afirma o bancário aposentado Francisco Horn, durante a manifestação dos caminhoneiros no Porto de Estrela.

Organizados em grupos de WhatsApp, os manifestantes se mostram irredutíveis quanto a solução por meio de intervenção militar.

Em áudios, líderes do movimento enfatizam que as medidas anunciados por Temer são um golpe no povo brasileiro. “Por mais que ele baixe R$ 0,45 por 60 dias, em dois meses ele pode criar leis para não podermos mais fazer nossas reivindicações”, diz um dos áudios.

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“A greve só vai terminar com intervenção militar”, diz outro membro de um grupo de WhatsApp de apoio aos grevistas na região.

Com a dimensão que a greve tomou pelo país na semana passada, os caminhoneiros começaram a acreditar que podem mudar o rumo do Brasil.

Em suma, a crença é de que ao manter a paralisação por mais tempo Temer não resistirá e será obrigado a renunciar ao cargo e a medida de intervenção militar vai ocorrer em questão de tempo.

Forças Armadas

Em nota, o Ministério da Defesa afirma que as Forças Armadas só vão atuar na garantia da “Distribuição de combustíveis nos pontos críticos”, fazer a “escolta de comboios”, proteger “infraestruturas críticas” e desobstruir as vias próximas a refinarias de petróleo e centro de distribuição de combustíveis.

O decreto de Michel Temer publicado na noite dessa sexta-feira dá poder de polícia para as Forças Armadas em todo o país até o dia 4 de junho.

No Judiciário, o ministro do Supremo Tribunal Federal atendeu a um pedido da Advocacia Geral da União e autorizou a remoção de manifestantes que estejam bloqueando rodovias ou fazendo protestos nos acostamentos das pistas. Além disso, o ministro Moraes autorizou o governo a multar em até R$ 100 mil os caminhoneiros que bloquearem vias e em R$ 100 mil as entidades que organizam os bloqueios.

O ministro da Secretaria de Governo, Carlos Marun, afirma que o governo pretende ter a situação normalizada antes do fim do decreto – apontando que o fim da greve ocorra no sábado.

 

PRÓ E CONTRA

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Não entendo como ditadura militar, mas sim como regime de transição o que ocorreu em 1964. Eu tinha 22 anos e era líder estudantil da UNE. Participei junto de outros colegas de uma manifestação contra os militares e fomos todos presos. Foram três dias no cárcere do Departamento de Ordem Política e Social (Dops). Aí, quando resolveram nos soltar, me levaram para uma sala na 4ª delegacia de Porto Alegre e me deram uma aula de cidadania. No Regime Militar, o Brasil avançou em mobilidade e infraestruturas viárias e, além disso, não foi comprovado nenhum caso de corrupção envolvendo os cinco presidentes generais. Neste momento, não vejo outra saída para o país que não seja uma intervenção militar.
Cesar Borghetti, 62 – empresário e consultor de processos industriais

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Entrei na universidade em 1966, dois anos depois do golpe militar. Naquele período não podíamos nos manifestar. Só em 1976 que houve protestos reivindicando as liberdades democráticas no Estado. Não haviam garantias. Os militares tinham o poder completo, fechavam o parlamento e faziam as regras. Vivi um período em que a sociedade não podia interferir em nenhuma decisão do Estado. Eles matavam e torturavam quem fosse contrário ao regime militar. A reivindicação atual pela intervenção militar é algo que nem os próprios militares cogitam. Seria um golpe na Constituição, que é a representação da vontade da maioria dos brasileiros. Com os militares no poder, não teríamos mais garantia dos nossos direitos civis, sociais e políticos.
Valter Freitas, 65 – professor de sociologia da Universidade Estadual do Rio Grande do Sul

Entrevista

O que explica este fenômeno?

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A Hora – Por que está ganhando força a reivindicação pela intervenção militar?

Guilherme Stein – O movimento dos caminhoneiros ganhou um rápida adesão popular devido ao apelo pela redução de impostos sobre o combustível. Essa manifestação tem várias facetas em todo o país, politicamente falando têm de tudo – e nesse ponto se assemelha bastante com as manifestações de julho de 2013. Porém há uma parcela importante dos grevistas e da população que acredita que com os militares no poder acabaria a corrupção e a alta nos impostos. Mas é um equívoco. Primeiro porque isso não é intervenção militar e sim golpe militar, como ocorreu em 1964. Não há previsões constitucionais dos militares assumirem o poder. Em segundo, a alta dos preços está mais relacionada com a política de preços da Petrobras do que com a questão tributária.

Como funciona a política de preços adotada pela Petrobras?

Stein – A estatal repassa a volatilidade do preço internacional do petróleo para as refinarias e, consequentemente, para o consumidor. Com isso, a Petrobras fica em vantagem, pois ela repassa o risco para o consumidor e não precisa subsidiar o consumo de ninguém. E como o preço do petróleo internacional está crescendo no mercado internacional, esses valores chegam aos bolsos dos consumidores.

O que mudou com a política aplicada por Temer na Petrobras?

Stein – A política anterior priorizava a estabilidade de preços de combustíveis. Assim como a baixa nos preços internacionais não era integralmente repassada, o mesmo acontecia quando os preços subiam. Em termos simples, a estatal funcionava como um amortecedor: segurava o impacto do preço internacional dentro do país. Claro que isso poderia implicar em prejuízos para a empresa, mas garantia que os custos não atingissem diretamente a população.

Durante protesto de lojistas em Encantado, madeptos as reivindicações do caminhoneiros pedem intervenção

Durante protesto de lojistas em Encantado, madeptos as reivindicações do caminhoneiros pedem intervenção

É possível uma Intervenção Militar?

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A Hora –O pedido de intervenção militar pode ocorrer em função da greve?

Thiago Krahl – A Constituição Federal prevê a intervenção militar no artigo 142, podendo ser convocado pelos três poderes, por meio do conselho da república e pelo conselho de segurança nacional, ou pelo presidente, requerendo ao Congresso Nacional sob fiscalização do STF. O que se tenta neste momento é fazer-se analogia com o artigo primeiro da constituição, que diz que o poder emana do povo e pode ser exercido de forma direta. No entanto, mesmo o com clamor das ruas, esta intervenção ensejaria a ruptura do processo democrático e a quebra do estado democrático de direito. Então, se estas manifestações seguirem pautando por isso, é possível sim que ocorra, assim como foi pleiteado pela Marcha da Família, em 1964, porém, não contamos neste momento com um congresso coeso, como o da época.

Existe previsão de como e quando isso pode ocorrer?

Thiago Krahl – Não. Com a pressão feita pelos manifestantes, o presidente Michel Temer pode vir a renunciar. Acredito que isso não vai demorar. Na quinta-feira tem feriado, o povo não vai aguentar mais um fim de semana com as limitações. Digamos que ele deixe o Poder na quarta-feira, nesse caso assumiria o presidente da Câmara dos Deputados – que com certeza não vai conseguir resolver os problemas. Ou então, os militares vão depor Temer e assumirão o poder.

No campo jurídico, quais seriam os impactos de uma eventual intervenção militar?

Thiago Krahl – Um retrocesso absoluto. Com os militares no poder, eles podem mudar todas as regras. No regime militar, se extinguiu o habeas corpus, por exemplo. O sujeito não tinha nem para quem reclamar. Tinha que aguardar julgamento para então ser solto, caso inocente. Estamos há 30 anos vivendo esta realidade democrática e querem acabar com isso. Com a intervenção militar ocorre a ruptura do estado democrático de direito. Perderemos as regras do jogo. Sem STF e Congresso, Não existe estado democrático.

Cristiano Duarte: cristiano@jornalahora.inf.br

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