Situação inerente à convivência entre seres humanos, os conflitos fazem parte do cotidiano das organizações. Seja entre profissionais de hierarquias distintas ou semelhantes, entre sócios, diretores ou mesmo devido a mudanças em sistemas e processos, as divergências e enfrentamentos no ambiente empresarial foram tema do workshop Negócios em Pauta do mês de maio.
Realizado na sede da CIC-Teuônia, o evento reuniu os empresários Caroline Immich, sócia da Bella Luna Aromas e vice-presidente da CIC-Teutônia, Cristiano Müssnich, sócio e diretor da RM Distribuidora de Pneus e Moto Peças, e a coordenadora do curso de Psicologia da Univates, Gisele Dhein, em debate mediado pela consultora organizacional da Capital Verde, Raquel Winter.
Conforme Raquel, um conflito pressupõe um momento de choque entre duas partes. Segundo ela, é presença constante nas rotinas das organizações, consumindo tempo e energia de gestores e profissionais.
A mediadora iniciou o debate questionando Müssnich sobre os conflitos existentes na RM, empresa com sede em Estrela na qual compartilha a gestão com o pai. “Como são geridas essas questões para que não interfiram na vida pessoal?”
Conforme Müssnich, a empresa foi fundada pelo pai quando ele ainda era criança. Desde então, a vida do empresário se confunde com a da companhia. “Tive apenas uma outra experiência profissional, por um ano. Cresci com a empresa iniciada pelos meus pais.”
Na opinião do empresário, como o negócio pertence à família, a garra para trabalhar e a vontade de realizar mudanças eram muito fortes, o que levava a conflitos entre gerações que acabaram afetando o relacionamento, mas que hoje não acontecem mais.
“Teve alguns momentos difíceis, que inclusive pensei em sair da empresa e tentar outra carreira”, lembra. Segundo ele, uma das medidas que ajudou a evitar o problema foi a participação em um curso de inteligência interpessoal, em que o aprendizado era colocado em prática no dia a dia da organização.
“Foi um divisor de águas, porque eu tinha dificuldade de lidar com as diferenças”, ressalta. Durante a formação, Müssnich aprendeu que às vezes a maneira como se apresenta as ideias para as outras pessoas faz toda a diferença para que o conflito seja evitado.
Sócia da Bella Luna Aromas, Caroline disse ter se identificado com a história de Müssnich, por estar em uma empresa familiar fundada pelos pais e que passa por um processo de transição. “Nos últimos anos, passamos por um grande crescimento, tivemos que nos profissionalizar”, alega.
Segundo ela, a empresa sempre foi como uma grande família, por isso, era difícil cobrar ou receber cobranças, e os conflitos começaram no momento em que foram colocadas pessoas mais jovens na equipe e implantado o processo de gestão na produção.
[bloco 1]
“Nossos profissionais de produção têm idade mais avançada e sempre fizeram de uma forma. Colocamos uma pessoa mais nova com formação para implementar o processo e não deu certo por causa dos conflitos”, aponta. Para ela, os conflitos são decorrentes da falta de definição precisa dos papéis de profissional nos processos implementados.
De acordo com a empresária, os problemas começaram a ser resolvidos no momento em que os gestores passaram a ouvir mais as pessoas e a explicar melhor como as coisas aconteceriam. “Mesmo quando temos certeza sobre algo, é preciso fazer a equipe entrar nesse consenso, comprar a ideia e todos participando. Todos precisam fazer parte do processo.”
Para a coordenadora do curso de Psicologia da Univates, Gisele Dhein, a existência de conflitos é natural em qualquer local onde várias pessoas precisam se relacionar, como uma organização. Diante disso, ressalta, o papel do gestor é de gerenciar esses momentos de choque. Para isso, enfatiza a importância de ouvir todos os envolvidos.
“Escutar é uma das principais habilidades que o gerenciador de conflito precisa ter, pois vai além de questões que acreditamos e que achamos certo. Significa olhar para esse outro, entender a dimensão dele e do que ele está fazendo.”
Cita como exemplo o caso de uma pessoa que viveu muitos anos na empresa usando determinado modelo de trabalho e passa por uma mudança de processo, e o quanto essa mudança afeta esse profissional. “Estamos falando de momentos históricos e de como a gente se relaciona com determinadas situações.”
Conforme a professora, nesse sentido, o líder tem um papel fundamental de ser a referência, estabelecendo limites e determinando os passos a serem seguidos. Segundo ela, além dos colaboradores, a equipe diretiva das empresas também precisa de autoconhecimento para compreender quais os mecanismos geradores dos conflitos.
Relação com clientes
Além de questões internas nas empresa, a relação com fornecedores e clientes também pode gerar conflitos. Müssnich afirma ser normal, em todas as organizações, momentos em que o cliente tem problemas pessoais e acaba transferindo essa energia para um conflito.
“Temos diversas situações e o importante é ouvir o cliente, saber o que está incomodando ele, o que aconteceu, saber até onde podemos ir”, ressalta. Nesses casos, aponta, é importante destacar para o cliente que, apesar de prezar pela excelência, todos somos humanos e podemos errar,
“Meus funcionários são todos treinados para que as coisas não aconteçam, mas pode acontecer. Tento deixar o cliente tranquilo, porque vamos resolver o problema”, alega. Lembra que, apesar de ser uma máxima, a frase “O cliente tem sempre razão” não pode sacrificar o negócio.
Raquel Winter questionou os empresários sobre os canais de atendimento ao cliente. De acordo com Carol, na Bela Luna, existem várias formas de contato. “Temos três linhas de atendimento por WhastApp, Facebook, Instagram, e-mail e telefone. Quatro pessoas fazem essa gestão.”
[bloco 2]
Lembra que, no caso das novas tecnologias, existe uma questão imediatista, pois algumas ferramentas, como o Facebook, medem o tempo de demora para a obtenção de uma resposta. “Às vezes você está em casa de noite e recebe uma mensagem. Então, você não quer que o Facebook contabilize duas horas para a resposta.”
Para Gisele, o desenvolvimento de tecnologias duras de comunicação, baseadas em sistemas computadorizados, estão entre os fatores que desencadeiam conflitos. “Às vezes esquecemos que nossa principal ferramenta de trabalho é a conversa.”
Segundo ela, essas tecnologias também podem causar patologias emocionais. Um dos sintomas, aponta, é que todos querem tudo imediatamente. “Ninguém mais sabe esperar”, alerta. Além disso, lembra que os meios tecnológicos, na maioria dos casos, estão baseados na escrita, o que pode gerar divergência de interpretações.
“Na escrita, eu dou a entonação para a frase e interpreto conforme quero. Talvez a tecnologia da fala e do telefone tenha que ser resgatada , pois estamos perdendo a capacidade de escutar”, acredita. Soma-se a isso o uso de abreviações e textos cada vez mais curtos e o desuso de sinais como virgula, acentuação e as diferentes pontuações.
Métodos de integração
De acordo com Raquel, a sistematização de momentos de contato pessoal entre a equipe, como integrações e confraternizações, são fundamentais para a prevenção e resolução dos conflitos. Segundo ela, métodos que permitam essa conexão são muito mais eficientes do que a criação de grupos de discussão por redes sociais, por exemplo.
Ela questiona os empresários sobre se é possível manter esses momentos e como evitar que os participantes fiquem o tempo todo “grudados” no celular. Conforme Müssnich, na RM, existe a tradição de todo o aniversariante pagar um churrasco.
“Fazemos dentro da própria empresa e no fim do ano também temos nossa festa de confraternização, mas deveríamos fazer mais”, acredita. Segundo ele, a empresa estuda formas mais dinâmicas de interação e troca de experiências entre toda a equipe.
Conforme Caroline, na Bella Luna, os colaboradores são convidados e não obrigados a participar dos momentos de integração para evitar que compareçam contrariados. “Passamos sempre uma lista de confirmações.”
[bloco 3]
Para Raquel, também é possível parar algumas horas do dia, durante o horário de trabalho, para falar sistematicamente sobre a solução de conflitos. “São canais para identificar conflitos emergentes.”
Conforme Caroline, na Bella Luna, foi estabelecido um sistema diferente para esses momentos. “Instituímos um grupo multidisciplinar com uma pessoa de cada setor, em que a gente fala desde sobre a reclamação do cliente até o que está acontecendo nas equipes.”
Após as discussões, cada representante retorna para os setores e conversa com a equipe. Dessa forma, aponta, o método envolve a todos e busca encontrar soluções conjuntas.
Para Gisele, esses momentos são fundamentais, apesar de serem difíceis de mensurar por meio de indicadores.
“É mais fácil medir vendas e economia, por exemplo”, ressalta. Porém, alega que nesse tipo de exercício a equipe aprende a resolver problemas semelhantes ao que foi discutido anteriormente.
Helena Bergamaschi – Que tipo de atitude podemos tomar com as pessoas que quebram as regras e extrapolam os limites estabelecidos pela empresa, mesmo sendo grandes profissionais?
Gisele Dhein – Às vezes, temos regras e esquecemos de dizer para as pessoas que estão chegando o porquê da existência daquela norma e a importância de ela ser cumprida. Às vezes, mesmo explicando, as pessoas não entendem e precisamos contextualizar novamente. Algumas questões podem ser resgatadas no coletivo, mesmo parecendo óbvias, como as restrições de vestimenta e as as regras de acessórios como brincos. É cansativo, mas educar é assim.
Cristiano Müssnich – As normas, quando impostas, podem não gerar resultados ou piorá-los. É interessante apontar as regras e contextualizar para a pessoa, mas também perguntar o que podemos fazer para que ela consiga cumpri-las. Incentivamos que a pessoa aponte a solução, pois assim fica mais fácil de cumprir. Em outros casos, é preciso demitir, mesmo sendo um excelente funcionário. Porque se cobra de todos, e a regra tem que ser para todos.
Marli Markus – O que fazer quando um cliente quer trocar um produto que estragou em decorrência do mau uso, ou seja, quando ele não está com a razão?
Cristiano Müssnich – Eu trabalho com pneus e nem sempre o defeito está no pneu. A gente acalma o cliente e pede um tempo para fazer a análise no fabricante. Muitas vezes, explicamos que o defeito não é do pneu, mas propomos de pagar a metade do nosso bolso. Às vezes, dependendo do cliente, conseguimos reduzir o nosso prejuízo. Mas cada caso é um caso. Entendo que em alguns ramos e em cidades pequenas é muito fácil queimar a marca e às vezes é melhor assumir o prejuízo.
Caroline Immich – Hoje, na era digital, uma reclamaçãozinha vira algo enorme. Teve um caso em que um cliente colocou uma de nossas peças em madeira no suporte da televisão. Como manchou a TV com o verniz, ele queria uma nova. A primeira coisa que eu fiz foi explicar que estava na embalagem que não pode ter contato com superfície e mandei a foto com a embalagem. Ele disse que nos processaria, mas não fez nada. Esse é um caso que estava explícito, mas, se não houvesse a informação na embalagem, teria que comprar uma TV.