Um dia após o “acordo” para encerrar a greve dos caminhoneiros, o governo federal autoriza o uso de forças de segurança para liberar as rodovias bloqueadas. A decisão foi anunciada nessa sexta-feira pelo presidente Michel Temer, como resposta à continuidade das manifestações.
No pronunciamento, Temer alega ter atendido as reivindicações da categoria, e credita a persistência dos protestos ao que classificou de “minorias radicais.”
Após o anúncio, o alto comando do Exército se reuniu para avaliar as possibilidades de atuação. O decreto permitirá o desbloqueio de estradas e dos acostamentos. O governo quer, inclusive, que os militares assumam a direção dos veículos em caso de resistência dos motoristas.
Logo depois em diversas cidades houve passeatas. Em Estrela, comerciantes fecharam as portas no centro por volta das 15h e se concentraram em uma manifestação a favor dos caminhoneiros. Depois de cantarem o hino nacional, percorram as principais ruas da cidade e encerraram o protesto às 16h e retornaram ao trabalho.
Maior manifestação da região
“Desce ali e vem tomar um cafezinho com a gente”. É com essa frase que grande parte dos caminhoneiros foi interceptada pelos manifestante na BR-386, no acesso ao Porto de Estrela. O movimento, considerado o maior da região, iniciado na segunda-feira conta com mais de 500 caminhões e cerca de mil motoristas e ajudantes.
Independente da carga ou da posição em relação à manifestação pela redução de tributos, os caminhoneiros passam os dias e noites abrigados no estacionamento improvisado nos fundos do Porto.
Diferente do ânimo registrado no início do protesto, nessa sexta-feira, os manifestantes esboçavam o cansaço das noites encaradas no frio e da falta do conforto do lar. Por mais que empresários, voluntários e participantes contribuam com o fornecimento de mantimentos, a exaustão começa ser notada dentro do movimento.
O motorista Hélio Postal, 56, de Arvorezinha, foi interceptado pelos manifestantes às 3h de quinta-feira. O caminhão que abasteceria de flores segue parado desde então junto aos demais colegas no Porto.

Com mantimentos fornecidos por empresários e adeptos à greve, caminhoneiros fazem refeições em acampamento nos fundos do Porto de Estrela
“Se é para o bem de todo mundo, eu concordo. Mas sé é para ficar parado aqui e voltar tudo como tava antes não adianta”, diz. Segundo ele, não há do que se queixar em relação ao tratamento dado pelos manifestantes.
Perecíveis
Carretas com carga perecível seguem bloqueadas nas imediações do Porto. Na de Jurandir Fick, 40, mais de oito mil litros de leite estão ameaçados de estragar.
“Me interceptaram na manhã dessa sexta-feira, às 4h30min. Me mandaram tomar um cafezinho aqui”, relata. Fick, morador de Cruzeiro do Sul, conta que na quinta-feira também foi paralisado no Porto, mas liberado no decorrer da noite. “Carreguei de novo e me prenderam aqui”, conta.
O caso de Armindo Santos, 58, de Santa Cruz do Sul, não é diferente. Com cerca de 1,5 mil quilos de queijo no baú do caminhão, ele segue bloqueado na manifestação dos caminhoneiros desde às 9h de segunda-feira.
Para manter a qualidade do carregamento, ele deixa o motor do veículo ligado para fazer a refrigeração da carreta. “Fico cuidando a temperatura no painel, tenho que cuidar para não acabar minha gasolina também. É um olho no carregamento e outro no combustível.”
Álcool
Em meio à greve no Porto, é comum ver o uso de álcool entre os manifestantes. Na tarde de quinta-feira, três pessoas chegaram com violão, gaita e bebidas. Por volta das 21h, já embriagados, houve uma briga com os motoristas.
“Nem motoristas eles são”, afirma um homem que prefere não ser identificado. “Isso aqui não é para vir fazer farra. Nosso objetivo é muito maior”, protesta. Segundo ele, estes “bêbados” apanharam dos manifestantes e, em seguida, chamara a Brigada Militar, que os conduziu para fora da ocupação.
Ao longo do dia, diversas churrasqueiras improvisadas aquecem o alimento dos caminhoneiros.
Ameaça iminente
Ainda que veículos de passeio não estão sendo bloqueados, a ameaça da falta de combustível pode impactar serviços emergenciais para a população. É o caso de viaturas da polícia, ambulâncias e caminhões carregados de remédios ou oxigênio, por exemplo.
“Não há dúvida que se o protesto continuar, ele vai atingir a segurança pública. Mas não tem jeito. A situação é muito grave, os caminhoneiros não podem ceder”, apoia o empresário Jonas Muxfeldt, 31.
Ao que tudo indica, o suposto acordo anunciado pelo governo federal para encerrar a greve gerou efeito contrário. A cada dia, aumenta o número de pontos de bloqueio nas estradas da região e a quantidade de pessoas que aderem ao movimento do caminhoneiros.
Apoio dos motociclistas
Por volta das 10h, cerca de 20 motociclistas da região se encontraram na BR-386, em Estrela, e fizeram um buzinaço percorrendo a avenida Rio Branco até o ponto de ocupação dos caminhoneiros no Porto, para se unirem ao maior protesto da região.
“Estava já sentindo vergonha de estar em casa no ‘quentinho’ enquanto os caminhoneiros lutavam por todos nós”, revela Daniel da Costa, 32. Segundo ele, que mora em Mato Leitão e trabalha em Arroio do Meio, os gastos com combustível ultrapassam os R$ 200 mensais. “Acredito que a Petrobras não tem muita culpa nisso tudo. Os verdadeiros culpados são os políticos corruptos que nos roubam nos tributos”, diz.
Liderado pelo empresário Luiz Ciceri, 55, o buzinaço contou com “zerinhos” e “cavalinhos de pau” na BR-386.
O motoboy conhecido como Alex Ligeirinho, 40, estourou a embreagem da moto em meio a uma acelerada forçada para fazer barulho. “Não me importo com esse gasto. Tem que movimentar e fazer acontecer junto com os caminhoneiros.
Manifestante baleado
Por volta das 13h30, um motorista em uma caminhonete D20 furou o bloqueio na BR-386, em Estrela, e ao ser interceptado novamente pelo manifestantes, puxou uma arma de fogo e disparou contra um homem de 40 anos, natural de Estrela, que estava presente no movimento.
O motorista de 60 anos que alvejou o manifestante é natural de Porto Alegre e foi preso poucos minutos depois do crime em Bom Retiro do Sul pela Brigada Militar de Fazenda Vilanova.
O caso vai ser investigado pela Polícia Civil de Estrela. A arma do homem está registrada em seu nome.
Para a Brigada Militar, o atirador alegou ter sido atingido por cones na concentração de caminhoneiros no entorno do Porto ao tentar furar o bloqueio.
Um dos manifestantes, que prefere não ser identificado, afirma que o atirador estava bêbado.
Protestos em outros pontos
Em Taquari, lojistas se uniram à mobilização. O presidente da CDL local, Maicon Costa, considera a mobilização legítima e afirma que não diz respeito apenas ao preço do diesel, mas a outros fatores que dificultam as condições de trabalho dos motoristas. Segundo ele, a elevada taxação dos combustíveis onera as mercadorias e prejudica também o setor comercial.
“Nada mais justo que os lojistas aderirem a essa manifestação, porque também são muito prejudicados pela maneira como o governo lida com a situação. As imposições estão vindo de cima para baixo, sem diálogo e sem consenso”, ressalta Costa.
Em Encantado, houve concentração de caminhoneiro junto ao Posto Buffon, na ERS-130 e na ERS-129, próximo à borracharia do Duia.
Manifestação contra a alta dos preços do combustível também foram registradas em Doutor Ricardo, na ERS-332, em Muçum, na ERS-129, nas imediações do Posto Sander.
Em Cruzeiro do Sul, na RSC-453, a manifestação iniciada na quinta-feira, segue mantida por caminhoneiros, empresários do setor e pessoas que aderiram ao movimento em frente ao Posto Mate Amargo. Lajeado e Teutônia também registraram manifestações às margens de rodovias.
Em Arroio do Meio, produtores se juntaram aos caminhoneiros e mantêm protesto em frente ao Supermercado Dália, na ERS-130. Veículos de passeio com adesivos de empresa também foram parados neste ponto.
Cristiano Duarte: cristiano@jornalahora.inf.br
Colaboração – Thiago Maurique: thiagomaurique@jornalahora.inf.br