Lovani Führ é agricultora de Arroio do Meio, na localidade de Forqueta Baixa. Toda a família acompanha com apreensão os desdobramentos da greve. Apesar das incertezas, apoiam o protesto.
Por enquanto, a ração recebida na semana passada ainda é suficiente para alimentar os porcos. A próxima remessa chega no dia 30. “Se não vier na próxima semana, complica. Mas acho que vem.”
A criação de suínos é a menor das preocupações na chácara dos Führ, neste momento de instabilidade, em que motoristas não encontram mais combustíveis nos postos de todo o Vale, Lovani mostra certa inquietação com o recado deixado nesta manhã pelo leiteiro. “Ele avisou meu filho que, se não conseguisse levar o leite até a empresa, não voltaria na manhã seguinte para recolher o nosso leite.”
O leiteiro não voltou a fazer contato com ela nessa sexta-feira. Neste sábado, segue a mesma rotina e, na ordenha, estima uma produção de até 350 litros de leite. Se o transportador não vier buscar o produto, o destino está selado. “Vou dar aos porcos, paciência.” Questionada sobre o tamanho do prejuízo, atesta. “Prejuízo é ser contra este protesto. Afinal, nosso trator também é movido a combustível.”
Esta incerteza acerca do recolhimento do leite atinge a grande maioria das propriedades rurais do Vale do Taquari. Em Forquetinha, por exemplo, Samuel Bauer, estava com leite armazenado na propriedade. Lá, o leiteiro acabou não passando e a solução encontrada foi renegociar o produto. “Ele vai vender para uma empresa de queijos.”
Empresas estão quase paradas
Diretor executivo da Latvida, Márcio Lehnen, é favorável ao protesto e fala sobre os problemas de logística gerados nesta semana. Segundo ele, pelo menos 30 caminhões da empresa estão parados em pontos de paralisação no estado. Além disto, faltam outros insumos à empresa, como por exemplo, o material necessário para as embalagens dos produtos. “E têm funcionários que não conseguem vir ao trabalho. Nessa sexta-feira, sete faltaram.”
Mesmo com os bloqueios a empresa conseguiu recolher cerca de 20 mil litros de leite nesta sexta-feira. “Mas só na cidade de Estrela.” Questionado se alguns produtores estariam despejando produto fora em outros municípios, disse não acreditar nesta possibilidade. “Aqui tem laticínios em todas as cidades, praticamente.” Para ele, os problemas maiores ainda se concentram na fronteira, no norte, noroeste, serra e no sul do estado.
Outras empresas, como as cooperativas Languiru e Dália, já anunciaram a paralisação dos abates na quinta-feira. Gilberto Picinini, presidente do Conselho de Administração da Dália está preocupado com o desabastecimento de ração em mais de 100 granjas e das incertezas sobre o leite. “Falta até lenha para o frigorífico, e formas de transporte dos resíduos. Os laticínios estão abertos. Mas a chegada da matéria prima não depende de nós.”
Desabastecimento
A preocupação acerca do abastecimento de alimentos afeta comerciantes da área alimentícia da região. Conforme Fernando Pramio, 39, sócio-proprietário de um restaurante de Lajeado, foi necessário reforço no estoque de carne e hortifruti. “Nos antecipamos ainda na quinta-feira estocando alimentos”, diz.
A paralisação também afetou os preços dos produtos, encarecendo os negócios no setor. Sem os fornecedores vindos de Porto Alegre, Cachoeirinha e Caxias do Sul, Pramio encontrou saída no comércio local. “Tive que recorrer aos atacados de Lajeado. Com essa situação, nenhum deles oferece promoções e isso encarece ainda mais o nosso serviço”, relata.
Mesmo assim, Pramio garante que o valor excedente não será repassado ao consumidor final. “Temos estoque até quarta-feira, depois disso começaremos a modificar o cardápio. Somos a favor do movimento e se tivermos que fechar as portas será um reflexo necessário da luta justa por nossos direitos”, explica.
Para prevenir a falta de alimentos em casa, a aposentada Arceni Oliveira Leopoldo, 60, também reforçou seu estoque de itens básicos da dispensa. “Comprei arroz, feijão e também gás de cozinha, que eu soube que vai se um dos primeiros a faltar”, diz. Com o carrinho de supermercado cheio, ela concorda com as mudanças cobradas pelos grevistas. “Está tudo ficando muito caro e para muitas famílias o sustento fica mais apertado”, aponta.
Por outro lado, há quem acredite que a paralisação não deva prosseguir por muitos dias. A lajeadense Inês Quintana Soares, 42, fez apenas as compras habituais. “Na minha família não vamos fazer estoque porque assim como da outra vez, sabemos que isso vai se solucionar logo”, defende.

Itens começam a ficar escassos nos mercados, em especial produtos derivados de leite, como nata e queijos
Abastecimento regional
A oferta de produtos nas gôndolas dos supermercados do Vale do Taquari varia de acordo com cada estabelecimento. As redes de supermercados Dália, STR e Desco já encontram redução ou falta de produtos perecíveis como carne e hortifruti, que devem sumir das prateleiras entre a manhã e tarde deste sábado, 26. As entregas de rancho só são realizadas em áreas que não necessitem o uso da BR 386 para acesso.
Já os supermercados Imec e Languiru ainda têm abastecimento garantido até meados de segunda ou terça-feira, tendo redução ou falta de produtos após este prazo. De acordo com a analista de marketing do Imec, Alessandra Maiana dos Santos, apenas algumas marcas de produtos não perecíveis estão em falta, mas há disponível a mesma variedade em outras marcas.
Nas farmácias o clima é de apreensão, mas os estoques de medicamentos devem durar pelo menos quinze dias. “Todos os dias recebemos mercadorias. Não recebemos esta semana remédios de uso diário como antibióticos, leite infantil e anticoncepcionais, mas ainda temos muito em estoque”, informa Priscila Bohn, 35, gerente da filial do Centro das Farmácias São João.
Sem previsão
Os postos de combustível “secaram” no Vale do Taquari, e não há qualquer previsão de reabastecimento para este fim de semana. De acordo com o empresário Elton Faleiro, proprietário de um posto no centro de Lajeado, os prejuízos se acumulam “Estamos sem previsão alguma. Sem programação. Deve vir só na segunda-feira, e ficar três dias parado, com as despesas fixas, correndo, é complicado”, lamenta.
Em nota, o sindicato que representa os postos de combustíveis no estado afirma não haver “qualquer sinalização de negociação envolvendo os custos para a gasolina, mas somente do óleo diesel.” Diante disto, cita que o segmento varejista defende a “tributação monofásica para a gasolina, pois o Rio Grande do Sul é o terceiro estado com a maior alíquota de ICMS do País.”
Cirurgias no HBB
Em decorrência da greve dos caminhoneiros, o Hospital Bruno Born informa que irá remarcar toda a agenda cirúrgica eletiva e de exames desta segunda-feira devido à falta de materiais de consumo hospitalar para tais procedimentos. Os pacientes serão contatados para o agendamento de novas datas. A medida se dá pelo não recebimento de produtos. Já os atendimentos de urgência seguem sendo realizados enquanto houver materiais disponíveis.
Ainda de acordo com a direção do hospital, se a paralisação persistir, a instituição irá reavaliar a realização dos procedimentos cirúrgicos dos demais dias. Também na área da saúde, Renata Galiotto, diretora da distribuidora de medicamentos Ciamed, confirma prejuízos. “Entendemos a luta dos caminhoneiros, do outro lado existem vidas que dependem desses medicamentos. Ao menos essas cargas deveriam deixar passar.”
Prefeituras paralisadas
Lurdes de Freitas, moradora do Passo de Estrela, em Cruzeiro do Sul, mudou a rotina nesta sexta-feira em função da greve dos caminhoneiros. Isso porque a escola municipal do bairro estava fechada diante da impossibilidade de manter o transporte escolar. “Segunda-feira também não vai ter aula.”
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A decisão do governo de Cruzeiro do Sul, que decretou calamidade pública, é repetida em outras cidades. Em Santa Clara do Sul, por exemplo, a greve afeta o fornecimento de combustível e de alimentos, e o deslocamento de profissionais ao trabalho. Diante disto, as aulas na rede municipal de ensino, Fundamental e Infantil, estão canceladas nesta segunda e terça-feira. Da mesma forma, o transporte escolar será interrompido nesses dias.
Aulas estão suspensas ainda nesta segunda-feira em Estrela, cujo decreto de calamidade foi assinado pelo prefeito. Encantado, Taquari, Westfália, Bom Retiro do Sul e Teutônia também decretaram situações de emergência ou de calamidade pública, e serviços básicos, como o recolhimento de lixo, estão ameaçados. O propósito é concentrar recursos, frotas e insumos para os serviços de saúde. Cidades também enfrentam problemas em horários de ônibus.
Rodrigo Martini: rodrigo@jornalahora.inf.br
Colaboração – Victória Lieberknecht: victoria@jornalahora.inf.br