Dia conturbado

Especial - CONSEQUÊNCIAS DA GREVE

Dia conturbado

Mercados com estoques ainda têm produtos básicos. Empreendimentos menores sofrem com a falta de leite, pão, carne, queijo, gás, frutas e verduras.

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Vale do Taquari

O inimaginável aconteceu. Falta alimentos nas gôndolas de mercados e fruteiras do Vale. A situação se agravou no quarto dia de greve e protestos. Situação pode piorar neste fim de semana.

Em um dos mais tradicionais mercados do bairro Conventos, em Lajeado, a rotina mudou. Em quintas-feiras, diz o gerente, Gilmar Longo, eram recebidas até oito entregas. “Hoje só chegou uma. Isso nunca aconteceu antes.”

A única entrega foi realizada por meio de uma Kombi. “Eu tinha em estoque. E tive que vir pelo novo trecho da Av. Benjamin Constant. Se viesse pela rodovia, estaria lá parado”, diz o motorista, sem se identificar.

No mercado, os primeiros sinais da escassez de alimentos. No freezer reservado às carnes, vazios disfarçados com gelo. Nos expositores refrigerados, alguns poucos potes de nata. “Os produtos lácteos estão acabando. Quase não tenho queijo e leite. Se não vier nada amanhã (hoje), vai acabar.”

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“Faltará pão, mas sou favorável”

Longo aguarda mais dificuldades nesta sexta-feira. Além dos produtos lácteos e das mais variadas carnes, outros alimentos básicos deixam de chegar às prateleiras caso o protesto persista. “Vai faltar pão, mas sou favorável a esta manifestação. Temos que tomar uma atitude. Estamos pagando muito imposto.”

Proprietário de uma indústria de pães em Cruzeiro do Sul, o empresário Cristian Bergesch confirma a previsão acerca do alimento perecível. Toda a produção foi suspensa. “Milhares de pães sem serem entregues”, resume.

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Quem também percebe vazios nas gôndolas é o proprietário de um açougue e fruteira instalada no centro de Lajeado, Airton Degasperi. Os caminhões da empresa tentaram ir, pela manhã, até a sede da Ceasa, em Porto Alegre. Dois veículos dele ficaram retidos na manifestação junto ao Posto Superporto, às margens da BR-386, em Estrela.

“Eu trabalho faz 34 anos nesta área, e nunca presenciei algo semelhante. Já está faltando tomate, cenoura. Não conseguimos carregar. Os caminhões ainda estão retidos. Couve-flor e vagem viria a gente encomendou de Muçum, como a bergomota. Mas não veio nada”, lamenta.

Ainda assim, Degasperi defende a manifestação. “Olha, se persistir, vai faltar tudo. Carne a gente se adiantou e se abasteceu. Mas vai faltar logo adiante. Precisamos ter paciência, e ser favorável aos caminhoneiros. Alguma coisa tem que ser feita”, acredita. “Eu vou ter prejuízo agora, mas logo ali na frente todos vamos ganhar”, resume.

Apreensão em mercados maiores

Empreendimentos maiores ainda possuem estoques de produtos básicos. Mas o quinto dia de protestos deve afetar, também, os grandes supermercados. No STR de Lajedo, a quinta-feira é o dia com maior número de entregas. No entanto, nada chegou e tampouco foi possível abastecer pequenas filiais. A direção já verifica a falta de algumas marcas de alimentos.

Nos supermercados de Encantado, o estoque das mercadorias ainda não preocupa os empresários, seja nos pequenos estabelecimentos como nos grandes. “A minha única preocupação é quanto a carne, pois temos, para atender o nosso mercado, animais em confinamento que são abatidos em Santa Clara do Sul”, comenta a empresária, Vânia Pedó, 30.

Mais de três horas para abastecer

A rotina mudou das ruas da região. Desde a tarde de quarta-feira, as notícias sobre a iminente falta de combustível nas bombas levaram milhares de motoristas aos postos para enfrentar intermináveis filas. “Eu estou aqui faz quase três horas. Por sorte, não precisei trabalhar hoje, pois não conseguiram entregar concreto na obra”, afirma o pedreiro, Adair Foster.

Ele estava aguardando para ser atendido em um posto instalado na Av. Benjamin Constant, no bairro Florestal, em Lajeado. A fila de carros ultrapassava três quadras daquela avenida e ainda adentrava a Rua Sete de Setembro. “Eu sou de Cruzeiro do Sul, mas lá não tem gasolina desde quarta-feira. Não tenho como ficar sem carro, é minha única forma de ir trabalhar”, resume.

Isaias Henrique dos Santos, 19 anos, é auxiliar de construção. Levou três galões e encheu o tanque da moto que usa para trabalhar. Para isso, enfrentou mais de duas horas de fila. Para ele, a situação no país está complicada, e é preciso fazer alguma coisa para frear as altas da gasolina. “Tudo está cada dia mais caro e o trabalhador já não aguenta mais”, resume.

Não foi diferente com Edson da Silva, 40 anos, motorista. Após quase três horas na fila, conseguiu abastecer o carro particular. “Aproveitei que a minha empresa está parada, porque não tem como sair com os caminhões e vim aqui para garantir o tanque.”

Já o desempregado João Vítor Santos, 18, teve que carregar a motoneta que usa no dia a dia até a o posto de combustível. “Passei em vários postos e não consegui abastecer. Se a moto fica, acaba estragando a bomba de gasolina.” Para o jovem, a greve é importante porque o custo de vida está muito alto no Brasil. “Os impostos estão muito caros, temos alto índice de desemprego e os governantes precisam saber o que está acontecendo no país.”

Isaias Henrique dos Santos, 19, levou três galões e encheu o tanque da moto. Para ele, a manifestação é necessária devido aos constantes aumentos

Isaias Henrique dos Santos, 19, levou três galões e encheu o tanque da moto. Para ele, a manifestação é necessária devido aos constantes aumentos

“Vendemos estoque de 10 dias em horas”

Houve registro de filas em todos os postos de Encantado no fim da tarde e noite da quarta-feira e na manhã de ontem. Em alguns estabelecimentos, somente diesel era possível ser encontrado. Não há previsão, conforme os gerentes dos estabelecimentos de quando chegará novamente combustível no município.

A dona de um dos postos de combustíveis, Mercedes Dullius, comenta que a gasolina acabou pelas 9h de ontem e o álcool ao meio-dia, restando apenas diesel para vender. “Vendemos o estoque de dez dias em algumas horas”, conta. Ela relata que as filas iniciaram na tarde de quarta-feira. Haviam cerca de 70 automóveis, divididos nas três bombas, nos horários de maior movimento.

Em dois postos do centro, o combustível acabou ainda na quarta-feira à noite. “É uma boa essa iniciativa dos caminhoneiros porque temos que ver se resolve o problema do país. É só o pequeno que paga a conta”, comenta o gerente de outro posto, Altamir Radaelli.

O industriário, José Lubian, 38, conseguiu abastecer o carro e encher o tanque ainda na quarta-feira. Porém, a situação da greve e a falta de combustível fez ele desistir de uma viagem que faria a Santa Catarina com a esposa nesse fim de semana. Eles casaram esta semana e a viagem era uma das comemorações do casal.

“Se liberar nesta sexta-feira a gente vai. Não dá pra viajar sem a garantia de termos combustível. Apoio totalmente a greve, pois também faço entregas e preciso do combustível que está muito alto. Gasto cerca de R$ 500 por mês só em gasolina”, menciona.

Em diversos mercados pela região, produtos começam a faltar, em especial os itens alimentícios derivados do leite

Em diversos mercados pela região, produtos começam a faltar, em especial os itens alimentícios derivados do leite

Passageiros afetados

A falta de combustível provocada pelos bloqueios nas estradas e nas saídas das refinarias também trouxe restrições aos transportes de passageiros de ônibus intermunicipais e urbanos.

As empresas Expresso Azul e Viasul cancelaram linhas previstas para ontem e hoje. Ontem, quatro horários da Azul que fazem o itinerário entre a rodoviária de Lajeado e Porto Alegre foram cancelados. Hoje, as linhas até a Capital das 6h25min, 6h30min, 9h, 12h15min, 15h e 15h30min não circulam.

Da Viasul estão canceladas as linhas das 15h25min e 16h30min entre Lajeado e Venâncio Aires. No trajeto contrário, foram suspensos os horários das 13h, 14h10min e 16h15min.

Moradora de Rio Pardo, Sandriny Soares, 20, trabalha em uma rede de lojas com filial em Lajeado. Ela estava na cidade à trabalho desde terça-feira e ficaria até hoje, mas decidiu voltar ontem para evitar ficar sem transporte. “Acho que as pessoas tem direito de protestar, mas não poderiam atrapalhar ou impedir as outras pessoas de seguir com seu trabalho ou estudo.”

Falta ração

Com mil suínos alojados no sistema de terminação, Fernando Heid, de Marques de Souza, reduziu pela metade a quantidade de ração fornecida aos animais por dia. “O normal é tratar três quilos por suíno. Eu forneço apenas 1,5 quilos e mesmo assim vai faltar”, adianta.

A empresa para a qual ele trabalha tem previsto o alojamento de outros 700 animais até sábado. “Para estes, não tenho um quilo de ração. Vou tratar com água”, ironiza. A última entrega de ração ocorreu na semana passada. Foram descarregados 19 mil quilos nos silos.

Conforme nota enviada pela empresa, os caminhões estão tendo dificuldade de fazer o carregamento em Montenegro, onde fica a fábrica. “Diariamente, 90 caminhões carregavam três vezes ao dia no local. Desde terça, apenas 20 carregaram”, conta.

Ainda na quarta-feira, as cooperativas Dália e Languiru anunciaram a suspensão das principais atividades. Há também problemas de abastecimento em diversas empresas de laticínios.

Construção civil

Empresários do ramo da construção civil também foram atingidos pelo protesto dos caminhoneiros. Roberto Lucchese, construtor de Lajeado, confirma as dificuldades. “Tínhamos previsão de concretagem na quarta-feira, e conseguimos nos organizar e passar para quinta-feira. Mas o caminhão de cimento não conseguiu chegar. Se seguir assim, na semana que vem vamos parar a empresa. Mesmo assim, apoiamos o movimento. Estão brigando por nós.”

Rodrigo Martini: rodrigomartini@jornalahora.inf.br | Thiago Maurique: thiagomaurique@jornalahora.inf.br

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