A alta nos preços do combustível gera críticas e atrapalha sonhos. O casal Antônio e Nelsi Soldi trabalhou durante décadas como motorista de empresas da região. Com o suor do dia a dia, e com a dor de pouco acompanhar o crescimento dos filhos em função das constantes viagens, economizaram e, no ano passado, compraram o próprio caminhão.
O sonho virou pesadelo em poucos meses. Como autônomos, Antônio e Nelsi viram o lucro minguar. Hoje cogitam vender o veículo e voltar a prestar serviços para os antigos patrões.
“As empresas grandes de transporte ainda conseguem sobreviver diante desse acúmulo de reajustes. Eles têm ‘gordura’. Mas nós, pequenos, estamos sendo aniquilados.”, resume Nelsi, que atuou durante 16 anos, um mês e 19 dias na antiga empresa.
Mas o casal não desiste. Eles estão entre os coordenadores do protesto. Acampam desde segunda-feira em uma barraca improvisada no pátio de um posto de combustível, às margens da BR-386, quase na entrada para o bairro Centenário, em Lajeado. Lá, outras dezenas de motoristas – particulares e autônomos – também estão de prontidão à espera de anúncios por parte do governo.
“Estamos aqui desde segunda-feira. Viramos as noites. Por sorte, muitos amigos e apoiadores estão nos abastecendo com água e alimentos. Só vamos sair daqui quando baixarem o preço do litro do combustível para, no máximo, R$ 3”, afirma Antônio, que é natural de Lajeado, mas hoje mora em Arroio do Meio.

Manifestantes interceptaram caminhoneiros no acesso ao bairro das Indústrias, em Estrela, pela BR-386, e em um estacionamento improvisado bloquearam veículos nos fundos do Porto
“Gasto 70% com óleo diesel”
Antônio trabalha “puxando” grão e adubo de Santa Catarina ao RS. “Em média, eu fazia duas viagens por semana. No momento, fico feliz de conseguir fazer uma a cada sete dias”, diz. No início do próprio negócio, sobrava até R$ 10 mil por mês, já descontando o valor do óleo diesel. “Hoje, não sobra nada.”
De acordo com as contas do caminhoneiro, há pouco mais de um ano, ele gastava cerca de 50% do faturamento com óleo diesel. Agora, gasta mais de 70%.
Postos sem combustível
Até o fim da tarde de ontem, pelo menos 14 municípios da região apresentavam riscos ou mesmo escassez de combustíveis. Em Marques de Souza e Boqueirão do Leão, as bombas dos postos secaram. Em outras cidades, como Bom Retiro do Sul, Taquari, Westfália, Arvorezinha, Travesseiro, Pouso Novo, Muçum e Imigrante, o insumo deve acabar ainda nesta semana.
Já nos municípios de Poço das Antas, Capitão e Coqueiro Baixo, as bombas podem secar a partir da próxima semana. Em Lajeado, comenta o empresário e proprietário de um posto de combustível, Elton Faleiro, a escassez também pode atingir alguns pontos. “Nós tínhamos um bom estoque. Para os próximos dias, não sabemos o que pode acontecer.”
Pelo menos duas prefeituras tiveram que paralisar serviços em função da falta de combustível. Em Estrela, o governo anunciou que toda a frota de veículos leves está parada. Isso porque o posto licitado pela administração está sem gasolina.
O mesmo ocorre em Travesseiro, cuja frota abastece em Marques de Souza. Lá, de acordo com o prefeito, Genésio Hoffstater, as Secretarias de Obras e Agricultura estão com atividades paralisadas e, na Saúde, só há atendimentos em casos de urgência. “Não temos previsão de retorno”, resume o gestor, que considera justa a manifestação dos caminhoneiros.

Mesmo com a alta nos preços, temendo a seca nos combustíveis, motoristas foram aos postos de gasolina para abastecer os veículos
Dália e Languiru paralisam atividades
Duas das maiores indústrias alimentícias do Vale paralisaram as atividades em função da greve. A primeira a anunciar foi a Dália, ainda pela manhã. Em nota, a cooperativa afirma que os protestos “estão afetando de modo a paralisar as atividades da Unidade Frigorífica de Suínos, localizada em Encantado.”
Ainda de acordo com a direção da Dália, amanhã o abate será suspenso e os empregados serão dispensados com retorno às atividades somente quando a situação estiver normalizada.
A área de laticínios também é afetada. Caso se prolongue por mais dias, obrigará a Dália a paralisar, também, as atividades naquelas unidades.

Na BR-386, manifestantes reivindicaram redução de tributos no combustível
No caso da Languiru, a direção informa que a cooperativa “paralisará totalmente as atividades no Frigorífico de Aves, em Westfália, nesta quinta e sexta-feira.” Persistindo os bloqueios, o frigorífico de Poço das Antas também vai parar.
Nas demais cidades, houve problemas de entrega de insumos em diversos outros segmentos econômicos. Em Lajeado, por exemplo, uma indústria que vende concreto para construções ficou impedida de realizar entregas. O gerente de vendas afirmou que houve, inclusive, ameaças contra a empresa caso os caminhões deixassem o pátio.
Empresas de transporte coletivo também alteram o trabalho. A Azul pode cortar algumas linhas devido a falta de diesel. Já os serviços de transportes de cargas da Unesul também podem ser interrompidos.
Adesão espontânea e forçada
No Vale do Taquari, houve protestos em pelo menos um outro ponto da BR-386, além do acesso ao bairro Centenário e Conventos, em Lajeado. Em Estrela, no acesso ao Porto, centenas de caminhões foram interceptados pelos manifestantes junto ao posto de combustível localizado ao lado da rodovia. Alguns paravam de forma espontânea. Outros não.
Em um estacionamento improvisado, após bloquearem a passagem dos colegas pela BR-386, os manifestantes agruparam os caminhões nos fundos do Porto.
Quem não gostou de ficar em Estrela foi o motorista autônomo, Osvaldo Nascimento Queiroz, de Crissiumal. Estava com o caminhão carregado para realizar uma entrega em Porto Alegre. Acabou ficando pelo caminho. “A gente até entende a posição e concorda com a reivindicação. Mas, desta forma, o meu prejuízo será ainda maior.”
Com apoio de uma empresa de Lajeado, uma sucata de caminhão foi erguida por um guincho às margens da estrada para “simbolizar a situação do transporte”, conforme conta o caminhoneiro estrelense Anesio Pozzebom, 47. Isso é para mostrar para a população o nosso protesto.”
Caminhoneira faz dois anos, Andressa Borniatti, 30, se uniu à reivindicação. “Do jeito que está a situação não dá mais. Estamos trabalhando de graça”, lamenta.
Além dos protestos às margens da BR-386, houve paralisações também na ERS-436, em Taquari, na ERS-129, em Muçum, e na ERS-332 em Doutor Ricardo, na localidade de Linha Zanela. De acordo com organizadores do protesto, veículos carregados com cargas vivas ou material de hospital ou relacionado à saúde são liberados dos bloqueios.

Protesto também foi feito na entrada dos bairros Centenário e Conventos
Registros policiais
A confusão iniciada nessa segunda-feira gerou alguns Boletins de Ocorrência junto à Brigada Militar da região. O primeiro desses foi na terça-feira, quando um motociclista embriagado e sem CNH atropelou um manifestante em Estrela.
Já na madrugada dessa quarta-feira, um sujeito foi preso por volta das 2h30min após furtar combustível de um caminhão estacionado às margens da BR-386, e cujos proprietários estão participando do protesto.
Queima de pneus
Entre terça-feira e ontem, por pelo menos três vezes ocorreu queima de pneus durante protesto dos caminhoneiros na BR-386, no acesso ao bairro das Indústrias em Estrela.
De acordo com o sargento Dari Scherer da Patrulha Ambiental, dois moradores da localidade registraram os casos à polícia. “Ontem pela manhã, por volta das 7h, antes mesmo dos caminhoneiros iniciarem o protesto, já havia pneu queimado na rodovia”, conta o sargento.
Segundo ele, ao meio-dia, quando as guarnições e da Polícia Rodoviária Estadual saíram para um almoço de 30 minutos, ao retornarem, flagraram mais um bloqueio com pneus queimados.“Aí fica um tumulto de pessoas e ninguém assume a bronca”, diz.
Conforme a Patram, o responsável pela queima de pneus responderá por crime ambiental. Porém a polícia ainda não conseguiu identificar os envolvidos nos atos ou o líder do movimento.
Por tratar-se de material feito à base de petróleo, a queima de pneu libera produtos químicos tóxicos, monóxido de carbono e metais pesados capazes de produzir efeitos adversos à saúde.
De acordo com o Ministério da Saúde, a céu aberto, a fumaça do pneu é 13 mil vezes mais mutagênica que a queima de carvão e pode representar riscos de mortalidade prematura, deterioração das funções pulmonares, problemas do coração e depressão do sistema nervoso e central.
Redução de 10%
O presidente da Petrobras, Pedro Parente, anunciou ontem à noite que a estatal reduzirá em 10% o preço do litro do diesel durante 15 dias – depois desse período, o valor normal será retomado gradativamente. A expectativa é de que a ação traga impacto de cerca de R$ 0,25 ao consumidor. Parente justificou a medida como uma possibilidade para que o governo federal e os caminhoneiros aprofundem o diálogo. Ele afirmou que a medida tem caráter excepcional e não interfere na política de estatal.
Rodrigo Martini: rodrigomartini@jornalahora.inf.br | Cristiano Duarte: cristiano@jornalahora.inf.br