A Procuradoria da República no Estado abriu processo administrativo para investigar a suspeita de que leite em pó de outros países esteja entrando no Brasil, via Uruguai, país vizinho e sem quota limite. A prática é denominada de “triangulação” e seria uma das principais razões para a crise leiteira enfrentada pelos produtores gaúchos nos últimos anos.
O processo foi aberto pela procuradora-chefe da Procuradoria da República no RS, Patrícia Weber, a pedido do Grupo de Trabalho de Importação do Leite em Pó do Mercosul, constituído no âmbito da Comissão de Economia e de Agricultura da Assembleia Legislativa, e presidida pelo deputado estadual Zé Nunes (PT).
O grupo esteve reunido com a procuradora nessa quarta-feira à tarde. A presidente do Conselho de Desenvolvimento do Vale do Taquari (Codevat), Cíntia Agostini, participou da reunião em Porto Alegre. “A Dra. Patrícia acatou a nossa solicitação e abriu um processo administrativo para averiguar a questão”, diz.
Cíntia reforça que a cadeia produtiva do leite no Vale do Taquari e no estado enfrenta dificuldades em virtude do aumento da importação de leite em pó dos países do Mercosul, em especial do Uruguai. “Não há dados precisos do montante que é importado pelo Vale. Mas são pelo menos três grandes empresas. Já nossas cooperativas não importam leite.”
O objetivo do grupo, explica ela, é garantir maior competitividade para a cadeira produtora da região e do estado. “Com a importação, estocam quantidade grande de leite em pó, o que pressiona a uma baixa de preço, pois pressiona lá na prateleira do mercado. E da prateleira para o produtor. E esse leite em pó também repercute em outras cadeias,” comenta.
Críticas ao Uruguai
O governo uruguaio nega a triangulação. Mas os representantes da cadeia leiteira gaúcha são taxativos e querem mudanças. Entre essas, informa Cíntia, regras mais claras nas relações comerciais entre os países. “Não tem que ter benefício de ICMS para quem importa leite em pó. Os decretos estão suspensos, mas queremos a extinção. Senão fica mais barato importar do que produzir no estado.”
Cíntia se refere a dois decretos – um de 2013, não atualizado, e outro de 2016, que baixava a alíquota de 18% para 12% no ICMS sobre o leite importado. Eles foram suspensos mediante novos decretos, assinados em agosto do ano passado e renovados em fevereiro de 2018.
A presidente do Codevat também cobra quotas de importação para os produtos do país vizinho. “Existe quota de importação da Argentina e não tem no Uruguai. E queremos uma atuação constante da Vigilância Sanitária junto a esse produto que está entrando, porque ele está competindo com o nosso”, reforça ela.
Sobre a triangulação, Cíntia cita números divulgados pelo governo uruguaio. “Subtraídos os montantes para consumo interno, restariam 124,6 milhões de quilos de leite em pó para a exportação”, calcula. “No entanto, o volume exportado, segundo o Inale é de 192,1 milhões. Se somarmos consumo interno e exportação do leite em pó, temos um volume 30% a maior do que o volume efetivamente produzido no Uruguai.”
A triangulação
A polêmica acerca da possível triangulação do produtor por meio do Uruguai tomou proporções maiores em agosto de 2017, com a divulgação, pelo governo uruguaio, da produção leiteira de 2016. O país vizinho divulgou ter produzido 1,7 bilhão de litros de leite e consumido 700 milhões de litros.
Ainda de acordo com o governo uruguaio, o saldo, se convertido em pó, renderia 120 mil toneladas. Só o Brasil recebeu cem mil toneladas de leite em pó e 18 mil toneladas em queijos do país vizinho, o que representaria quase todo o volume restante. A principal suspeita é de que o alimento não seja todo produzido naquele país, o que prejudica o produtor nacional.
Em outubro, o governo suspendeu temporariamente a importação do leite uruguaio em função da suposta triangulação, mas revogou a medida menos de um mês depois, por falta de evidências. A principal suspeita era de que o Uruguai importava o leite da Argentina e reexportava o produto ao Brasil, com custos ainda competitivos com o produzido aqui.
Rodrigo Martini: rodrigomartini@jornalahora.inf.br