Morte de peixes na foz do Arroio do Engenho é recorrente

Lajeado - SÍMBOLO DE LAJEADO AGONIZA

Morte de peixes na foz do Arroio do Engenho é recorrente

Ribeirinhos e moradores próximos à foz do arroio-símbolo da cidade são taxativos: as imagens divulgadas durante o fim de semana, mostrando peixes mortos e muita matéria orgânica sobre o leito, são costumeiras. Além disso, reclamam do mau cheiro e da falta de políticas públicas

Morte de peixes na foz do Arroio do Engenho é recorrente
Lajeado

João Carlos Azevedo mora a pouco menos de 200 metros da foz do Arroio do Engenho junto ao Rio Taquari. Está lá faz mais de 30 anos. Da varanda da casa, uma vista atraente do Porto de Estrela, e toda a beleza de um dos mais imponentes mananciais do estado. Cercada de natureza, a residência dele tinha tudo para ser uma das mais valorizadas da cidade. Mas está distante disso.

O mau cheiro gerado pela poluição e baixa vazão do arroio é insuportável, diz. Em dias de sol intenso, as janelas de vidro da casa são fechadas como forma de evitar a entrada do odor de enxofre, gerado pelo acúmulo de material orgânico sobre o leito do Engenho, principalmente no trecho final, entre as ruínas de uma antiga barragem e a foz no Taquari.

Segundo o morador da rua Osvaldo Aranha, tempos atrás, lhe ofereceram cerca de R$ 35 mil pelo terreno. Ele ficou ofendido com a proposta. Sabe, entretanto, que o aspecto geral daquela região da cidade – pouca iluminação, ausência de pavimentação em frente à casa dele, falta de roçada e limpeza –, aliado ao mau cheiro do arroio, potencializa a desvalorização do imóvel.

“Esse cheiro ruim é constante. Mas já foi pior. Antes de implodirem a turbina do antigo engenho dos Feldens, era ainda mais poluído, pois havia uma pequena represa, com água parada”, relembra Azevedo, citando o ponto onde hoje só restam algumas colunas de concreto. “Eles implodiram com a promessa de melhorar. Chegou a voar pedras sobre as nossas casas, e a poluição continua lá”, reclama.

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Além de prejudicar a qualidade de vida dos moradores e desvalorizar os imóveis, comenta Azevedo, o mal maior é cometido contra a natureza. Ele garante que as imagens compartilhadas nas redes sociais nesse fim de semana são rotineiras.

Para Azevedo, é preciso investimentos maiores na recuperação do manancial. “Tinham que desassorear a saída do arroio. Abrir, retirar as árvores que caíram. Mas eu acho que a solução mesmo é construir uma estação de tratamento de esgoto na foz do Engenho, liberando só água limpa para o Taquari”, sugere o morador.

Vizinho de Azevedo, o pescador Valmor Possamai mora faz quase 50 anos a menos de 50 metros de um dos piores trechos do Engenho. Para ele, parte da culpa pelo excesso de matéria orgânica no arroio é dos funcionários e responsáveis pela eclusa, em Bom Retiro do Sul. “Eles deveriam abrir as comportas ao menos três vezes por ano para limpar os arroios, mas não o fazem por causa de meia dúzia de areeiro,” denuncia.

 

Os vídeos do Taquari

Nos vídeos, provavelmente feitos na sexta-feira passada, é possível avistar vasta camada de matéria orgânica no leito do Taquari, justamente no único ponto público de acesso de lanchas e afins. É também um dos principais locais utilizados pelos banhistas no verão e pelos pescadores durante quase todo o ano.

Ainda é possível verificar dezenas de peixes pequenos mortos na beira do rio, próximos da antiga escadaria do Porto dos Bruder, e também no trecho entre a rampa e a foz do Arroio do Engenho. Já no sábado pela manhã, porém, o cenário era outro. Com a breve chuva da semana passada, não havia acúmulos naquele trecho do Taquari.

Árvores caídas viram represas e reduzem a oxigenação da água no arroio

Árvores caídas viram represas e reduzem a oxigenação da água no arroio

A resposta

O secretário de Meio Ambiente (Sema), Luis Benoitt, e o técnico da Sema e químico industrial, Renan Augusto Mallmann, foram ao local no sábado pela manhã, para avaliar as causas da morte de peixes verificada junto ao Porto dos Bruder. Durante a vistoria, não foram encontrados indícios de contaminação no Rio Taquari.

Também vistoriaram cerca de 100 metros do Arroio do Engenho, no trecho anterior a foz. “O arroio já é foco de estudo da Sema pelo grande porte de esgotos com alta concentração de carga orgânica”, explica o técnico da Sema. A conclusão é de que os peixes mortos e os dejetos encontrados eram originários daquele manancial, da falta de chuva, e o escoamento natural levou tudo ao Taquari.

Mallmann também confirma que a morte de peixes é recorrente no local. “Temos este ambiente com pouca ou nenhuma quantidade de oxigênio. Assim, a matéria orgânica, gerada pelo acúmulo de fezes e outros compostos, fica no fundo e começa a fermentar. Gera uma quase erupção, e a densidade muda, ficando sobrenadante”, explica. Além disso, o acúmulo impede a passagem de luz.

Parque na nascente

O Engenho faz parte da história de Lajeado. Antes de ser batizado, foi apelidado “Okse-Bach”, o que em alemão significa “arroio ou lajeado do boi”. Isso porque os antigos carroceiros vinham do interior para trazer produtos rurais a então Vila de Lajeado, conduzindo os bois para tomar água no manancial. Hoje, isso é impensável.

Para valorizar a história e amenizar os problemas do afluente, a câmara de vereadores aprovou, faz pouco mais de dois anos, o projeto do Parque da Nascente do Arroio Engenho. Consiste em incentivar a recuperação e garantir a preservação do entorno e toda área que compreende o lago natural próximo à nascente, a Praça Clara Maria Schorr e todo o espaço de lazer.

Entre as ações previstas – e ainda não realizadas pelo poder público –, limpeza geral de toda área, retirada de árvores de espécies exóticas e invasoras; placas com a denominação do parque, da praça e do local da nascente; identificação das árvores; painéis de orientação sobre a preservação do espaço público; plantio de árvores de espécies nativas; entre outras.

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Entrevista com secretário de Meio Ambiente, Luis Benoitt

“Há intenção de despoluir e criar espaço de uso comum”

A Hora –Quais são os serviços de monitoramento realizados, hoje, no Arroio do Engenho?

Luis Benoitt – Foram realizadas, no mês passado, análises físico-químicas e microbiológicas em dois pontos, medições de vazão e vistorias in loco em vários pontos do arroio, a fim de mapear os locais com maior incidência de despejos e pior qualidade de água. As análises já efetuadas demonstram a contaminação por esgotos domésticos em diversos pontos do arroio, e o índice de qualidade apresentado é indicado como ruim.

Quais são os investimentos previstos para o arroio?

Benoitt – A equipe técnica da Sema está desenvolvendo em parceria com a Univates um projeto de monitoramento do arroio. Esse visa detectar as ocupações lindeiras (que fazem o lançamento de seus efluentes domésticos tratados ou não no córrego), conhecer a qualidade do curso em diferentes pontos, mapear as áreas canalizadas, APPs existentes e desenvolver formas de recuperação desse componente. Estuda-se a possibilidade de criação de pequenas estações para o melhoramento da qualidade da água ao longo do curso, com sistemas alternativos para despoluição. A viabilização do projeto se dá pela parceria entre as instituições e poderá contar com investimentos provenientes de multas ambientais recolhidas pela Sema pela ocorrência de infrações no perímetro do município de Lajeado.  Há uma intenção futura de se despoluir e então criar um canal aberto que seja ocupado pela população como espaço de uso comum, revitalizando pontos como a avenida Décio Martins da Costa.

Além disso, quais outros trabalhos são realizados, hoje, para amenizar problemas de poluição nos principais arroios da cidade?

Benoitt – O monitoramento dos cursos tem sido contínuo desde o início de 2017 e o Arroio do Engenho será o piloto para implementações de tecnologias de despoluição e revitalização do entorno, que posteriormente, se obtiverem sucesso, serão estendidas para os demais afluentes do Rio Taquari. Também se encontra em andamento um projeto de avaliação e recomposição da APP do Arroio Saraquá, que é uma continuidade do que já está sendo desenvolvido em Santa Clara do Sul. Por fim, todos os procedimentos de licenciamento ambiental geram um monitoramento contínuo dos efluentes gerados e, consequentemente, amenizam a poluição dos arroios, todavia, as moradias são empreendimentos que não passam por licenciamento ambiental e o próprio monitoramento do lançamento dos efluentes domésticos ainda não é um procedimento efetivo no município. Para o monitoramento dos efluentes domésticos, as secretarias de Meio Ambientes e Planejamento estudam formas de viabilizar o controle e a melhoria na qualidade dos efluentes gerados nas residências, buscando que os arroios que compõem a malha de afluentes do Rio Taquari não interfiram negativamente na qualidade do curso de destino.

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Nas páginas do A Hora

Desde 2010, o A Hora publica uma série de matérias sobre o principal e histórico arroio lajeadense. Naquele ano, além de diversas análises laboratoriais em conjunto com o laboratório do Unianálise, da Univates, teve início uma série de debates e reportagens sobre os problemas e promessas referentes ao Engenho.

Naquele ano, a então secretária de Meio Ambiente, Simone Schneider, trazia poucas esperanças para o arroio. A intenção era apenas canalizar os trechos ainda expostos e seguir fiscalizando residências, empresas e indústrias próximas do Engenho. Um ano depois, em maio de 2011, reportagem alertava para a morte de cerca de 700 peixes no bairro Olarias.

Quatro anos depois, em dezembro de 2015, nova reportagem especial trazia promessas por parte do novo titular da Sema, José Antunes. Na época, o então secretário afirmou que encaminharia uma notificação à Corsan para, em um prazo de 20 dias, apresentar um plano de tratamento do esgoto. Nada mudou.

Rodrigo Martini: rodrigomartini@jornalahora.inf.br

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