Nascido e criado em Lajeado, Martin Eckhardt inaugurou em 1983, na cidade de Estrela, a primeira unidade da Sorvebom. Sem experiência no ramo, ele havia comprado uma pequena sorveteria com poucos equipamentos de uma empresa com o mesmo nome, que pertencia à família de um amigo de Carazinho.
Com poucos recursos e quase sem conhecimento, Eckhardt e a mulher Tania apostaram todas as fichas na oportunidade proporcionada pelo negócio. Hoje o casal divide com os filhos Lucas e Tassiana a gestão da rede de sorveterias e de uma indústria que abastece quase todo o território gaúcho.
Como começa a sua história com o empreendedorismo?
Martin Eckhardt – Sou nascido e criado no bairro Florestal em Lajeado. Meus pais eram muito pobres, mas me deram uma boa educação, ensinando o respeito, caráter e disciplina. Meu pai não tinha essa veia empreendedora, mas minha mãe tinha. Eles tinham um comércio e ela era pasteleira, muito boa nos negócios. As pessoas que me conhecem do passado sabem que eu era extremamente envergonhado. Tinha vergonha de falar e sofria muito na sala de aula. Minha vida começou a se abrir quando meus pais foram morar em Santa Catarina, na cidade de Palmitos. Eu tinha 16 anos, fiquei um ano com eles e não gostei da região. Quando eu falei para meus pais que não queria ficar lá, minha mãe, aos prantos, me disse para voltar para Lajeado, porque era meu lugar. Meu pai disse que não dava dois meses para eu voltar para casa com eles. Acho que Deus usou ele para me dar uma palavra desafiadora. Isso me marcou muito. Eu saí de lá, estufei o peito e disse, nunca mais eu volto para casa e nunca mais dependerei do meu pai e da minha mãe.
Em que ano você retornou para Lajeado? Como foi essa fase?
Eckhardt – Foi em 1977, eu tinha 17 anos. Lajeado já era uma cidade promissora. Sou apaixonado pela nossa região porque tem esse DNA de empreender e investir. Arrumei um emprego na Costaneira e fui morar em uma pensão na Benjamin Constant, e não tinha nada no quarto. Eu tinha minha cama lá em Palmitos, na casa dos meus pais, e naquela época eles não tinham nem telefone fixo, o contato era por carta. Como eu não tinha dinheiro para comprar uma cama, peguei umas pilhas de jornais com o meu tio, Arnildo Eckhardt, que foi barbeiro por mais de 70 anos, e fiz uma cama de jornais. Eu ganhava uns R$ 1 mil no dinheiro de hoje, e contratei o quarto, café da manhã e uma refeição por dia. Isso me custava R$ 900. Ali comecei a fazer meu planejamento estratégico para sobreviver, porque não podia fazer três refeições por dia. Comia de manhã às 7h e depois jantava às 19h. Ao meio-dia tomava muita água, para superar a ansiedade, pois estava acostumado a almoçar. Assim foram os primeiros tempos, não sei precisar quantos meses. Mas logo comecei a crescer na Costaneira.
De que forma o período na Costaneira contribuiu para a sua formação?
Eckhardt – Comecei descarregando mercadoria e me empenhei muito, fazia hora extra e, por saber falar alemão, tive oportunidade no balcão de atendimento. A partir disso fui crescendo muito. As pessoas precisam valorizar o local onde elas estão trabalhando porque pode servir de grande experiência. Foi uma escola em que aprendi muito e aproveitei para realizar todos os cursos que tive oportunidade. Após dois anos em Lajeado, abri a filial de Cachoeira do Sul e depois a filial de Novo Hamburgo.
Quando você se aproximou do setor de sorvetes?
Eckhardt – Essa filial de Novo Hamburgo teve como primeiros clientes o Tadeu e o pai dele, seu Osvaldo, que estavam montando uma sorveteria. Na época eu era vendedor, e atendemos eles muito bem. Conseguimos vender todo o material para a reforma da casa onde o Tadeu abriu a sorveteria três meses depois e nos convidou para ser os primeiros clientes deles na inauguração. Com isso, fizemos uma grande amizade. O seu Osvaldo tinha uma pequena sorveteria em Carazinho, chamada Sorvebom. Nessa época em que morei em Novo Hamburgo. casei com a Tania, e nós ficamos muito amigos do Tadeu e da Margareth, mas jamais tínhamos pensado em virar sorveteiros. No dia 30 de dezembro de 1982, seu Osvaldo morreu em um acidente em Carazinho. Dias depois, o Tadeu me chamou para conversar porque a mãe dele não queria continuar com o negócio e perguntou se eu não gostaria de comprar. Eu comprei essa pequena sorveteria, mas não sabia o que tinha comprado, não entendia nada do negócio, e não sabia o que iria produzir. Mas sabia que ali estava a oportunidade da minha vida e iria suportar e superar qualquer coisa para fazer isso dar certo.
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Foi uma decisão difícil? Como foi esse começo da Sorvebom?
Eckhardt – Não é que minha família foi contra, mas acharam uma loucura, assim como meus amigos. Minha esposa me apoiou e estávamos convictos que era uma oportunidade e aproveitamos mesmo. Tive que contratar um caminhão e fui junto com o motorista e o meu cunhado para Carazinho. Durante a viagem, eu ficava imaginando as coisas, mas não tinha a mínima noção do que havia comprado. Fui pela confiança no Tadeu. Não lembro nem que valor que paguei, mas sei que honrei o compromisso que fiz com a viúva. Fiquei preocupado em como montar isso e convidei nosso parceiro até hoje, o Osmar, para ajudar a montar. Eram máquinas muito pequenas, e eu tinha que tirar o sorvete com a pá. Fisicamente foi bom, porque era um exercício. A viúva do seu Osvaldo ficou dois dias nos ensinando e em janeiro de 1983 inauguramos a loja em Estrela. Os primeiros sorvetes não deram muito certo, os outros deram mais do que certo. Depois fomos melhorando nosso conhecimento na área, participando de congressos e cursos com os fornecedores. Escolhemos Estrela porque a cidade não tinha uma grande sorveteria, e Lajeado já tinha. Mas constatamos que 2/3 dos nossos clientes eram lajeadenses. Em outubro de 1983, tivemos a coragem de abrir nossa loja matriz em Lajeado, na Benjamin Constant, onde estamos até hoje e que concentrava nossa produção até 2009.
De que forma se deu o crescimento da empresa?
Eckhardt – Em 2000 eu fiz um curso chamado Empretec e descobri que sou um empreendedor nato. Até então eu achava que era meio fora da casinha. O empreendedor é uma pessoa que está sempre inquieta, pensando. Consegui entender isso melhor e calibrar isso melhor. De lá para cá, passei a elaborar planejamento estratégico de longo prazo. Antes as oportunidades iam aparecendo e não dava tempo de planejar. Tive sempre muita vontade de fazer as coisas e achava que não regulava bem da cabeça. Ao meu lado sempre esteve a minha esposa, que é meu ponto de equilíbrio. Ela tem um estilo mais conservador, que é super necessário para o empreendedor que quer ter sucesso, pois segura meu ímpeto. A partir do Empretec, começamos a sistematizar o planejamento estratégico. O primeiro foi para cinco anos, em 2005. O segundo, em 2005, para dez anos, e fiz com a ajuda do meu filho que já havia decidido participar do negócio. Em 2015 reunimos todo mundo da empresa e apresentamos os resultados desse planejamento. Conseguimos alcançar todos os pontos apontados.
Quais as principais dificuldades enfrentadas pela empresa nestes 35 anos?
Eckhardt – Quando começamos, a inflação no Brasil era tamanha que nossa tabela de preços era com giz, porque trocava toda a semana. A principal dificuldade no início foi financeira, porque os recursos eram escassos, mas os fornecedores e parceiros confiaram em nós, assim como pessoas da família. O desconhecimento total do negócio também foi um obstáculo muito grande. Lembro que participei de um encontro anual de sorveteiros em Gramado e como não tinha dinheiro para ir, o seu Roberto Giordani, que era meu fornecedor e é amigo até hoje, patrocinou do bolso dele a nossa participação. Ele viu que estávamos focados em superar todos os obstáculos e quis nos ajudar. Lá eu aprendi muito mesmo, principalmente nas conversas de corredor com outros sorveteiros mais antigos que até hoje são meus amigos. A partir daquele momento, me senti meio sorveteiro, porque no inverno de 1983 passamos por dificuldade. Foi um ano que choveu muito, deu quatro enchentes em Lajeado, e chuva atrapalha o negócio. Cheguei a pensar em desistir porque achava que não iria dar a volta financeiramente. As pessoas também não tinham o hábito de comprar sorvete no inverno e a sazonalidade era muito grande. Hoje o próprio clima mudou um pouco esse cenário.
Como a Sorvebom passou a se tornar uma indústria e não apenas uma rede de sorveterias?
Eckhardt – Até 1986, quando eu paguei as minhas primeiras dívidas, minha preocupação era não fazer parte dos 95% das empresas que não sobrevivem cinco anos. Lutei muito para passar por isso. Em 1986 houve o plano Funaro, de congelamento de preços, e tivemos boas vendas e outros benefícios. Tivemos entre 1986 e 1988 uma alavancagem muito boa, com os planos Funaro e Bresser. Até 1997 eu não pensava em ter uma grande fábrica de sorvete. Pensei que teríamos mais filiais. Mas em 1995 entrou uma concorrência forte em Lajeado, com uma loja na Júlio de Castilhos e outra no shopping. Isso nos obrigou a nos reinventar no negócio. Nos sentimos desafiados e começamos a fazer potes e picolés. Em 1997 fizemos uma experiência com a Imec e a Languiru para fazer um teste piloto dos nossos produtos e vimos que o público gostou. Então começamos verdadeiramente a investir na empresa pensando na indústria que temos hoje.
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Como se deu a iniciativa de fundação da Agagel e o que essa entidade representa?
Eckhardt – Na época liderei um grupo de sorveteiros e fundamos a associação gaúcha dos gelados comestíveis em 1998, essa é uma característica do empreendedor. Fui presidente nos seis primeiros anos dessa entidade que hoje é a mais atuante do setor no país. Também fui vice-presidente da associação brasileira do setor. Nós fundamos a entidade para em conjunto encontrar soluções e superar os obstáculos comuns. No início compartilhamos muita coisa, nos ajudamos e superamos dificuldades, em especial na legislação. O resultado é que a Jornada Técnica de Sorvete, que ocorre anualmente em Lajeado, é o terceiro maior evento do setor no país. É o momento em que reunimos os sorveteiros do estado, os principais fornecedores, e convidamos palestrantes para esclarecer sobre dúvidas e dificuldades do momento. Cada sorveteiro pode mandar a sua sugestão de assunto. Mas, pelo tamanho que as empresas estão chegando no momento, obviamente não temos mais esse compartilhamento de informações dos anos iniciais. Todos temos segredos comerciais e industriais. Nossa relação de cordialidade e respeito se mantém. Nossa associação é uma referência pela união e é um orgulho para nós sorveteiros. O empreendedor que se preza precisa participar do associativismo. Precisa fazer com que as coisas aconteçam no seu setor e a Agagel visa cada vez mais qualificar o setor sorveteiro gaúcho.
Qual o futuro que você espera para a Sorvebom?
Eckhardt – Durante estes 35 anos, eu e minha esposa zelamos por fazer as coisas de forma correta, justa e honesta. Tentamos fazer o melhor possível para produzir e servir os melhores sorvetes e picolés e sempre fomos inovadores. A nossa sucessão familiar já está acontecendo aos poucos. O Lucas e a Tassiana, nossos dois filhos, hoje compartilham conosco a gestão da empresa. Desejo que a gente possa continuar nestes próximos 35 anos seguindo esses princípios básicos. É muito importante que toda a equipe continue focada em produzir tudo com aquele “gostinho de quero mais.” Somos verdadeiramente apaixonados pelo que fazemos. Amo ser sorveteiro e não consigo me imaginar fazendo outra coisa e creio consegui transmitir essa paixão para família e toda equipe. Espero que esse entusiasmo que temos pelo negócio prossiga pelos próximos 35 anos. No momento estamos fazendo um novo planejamento estratégico da empresa e uma das metas é que num futuro próximo a Sorvebom seja reconhecida como o sorvete dos gaúchos.
Thiago Maurique: thiagomaurique@jornalahora.inf.br