Ladeira abaixo e tradição acima

Encontro de gerações

Ladeira abaixo e tradição acima

Carrinho de lomba, de rolimã ou carretinha. O nome é facultativo. No âmago da brincadeira, está uma tradição para passar de pai para filho. Festival em Estrela no domingo reuniu centenas de pessoas no Boa União, mostrando que o esporte não tem idade

Ladeira abaixo e tradição acima
Estrela

O barulho do rolimã no asfalto é inconfundível. Aquele chiado metálico traz lembranças para os nascidos antes da década de 90. A aventura de descer uma lomba em um carrinho faz adultos voltar a ser criança.

Esse foi parte do propósito da Secretaria de Esportes e Lazer (Smel) no 1º Festival do Carrinho de Lomba. O evento ocorreu no domingo, na rua Antônio Firnkes, no bairro Boa União, em Estrela.

“Carrinho de lomba faz parte da minha infância”, conta o integrante da Off Aventura, Brian Dias. Outros quatro integrantes do grupo participaram do festival. “Ajudamos na organização, daí também resolvemos montar uma equipe de rolimã.”

Nascido em 1985, Dias traça um paralelo das diferentes gerações. “Na minha época, esse era um dos brinquedos preferidos da turma. Hoje as crianças estão muito em casa, no computador. Nós brincávamos até tarde na rua. Atualmente isso é mais difícil, pois está mais perigoso.”

Para ele, é importante haver momentos para integrar pessoas de diferentes faixas etárias. “Cara, muito bacana esse festival. Relembrar a infância e ver tantas famílias juntas. Bonito mesmo.”

O secretário de Esporte e Lazer, Júlio Saldanha Pereira, ressalta o propósito do evento. “É um momento para integrar as famílias, envolver a comunidade e ter essa grande confraternização.”

Para Pereira, o fato de unir as gerações deve ser ressaltado. “Há uma questão pedagógica envolvida. Não se trata apenas de descer uma lomba, é preciso entender a lógica do carrinho. Muitas crianças tiveram esse contato devido ao festival.”

Foram mais de 70 inscritos e quase 200 pessoas assistiram à brincadeira. Durante toda a manhã, um desfile de criatividade. Carrinhos personalizados, na maioria, projetados pelos próprios participantes.

Inscritos vieram de diversas regiões, com praticantes de Caxias do Sul, Bento Gonçalves, São Leopoldo. Secretaria contabiliza mais de 70 participantes

Inscritos vieram de diversas regiões, com praticantes de Caxias do Sul, Bento Gonçalves, São Leopoldo. Secretaria contabiliza mais de 70 participantes

Mãos à obra

O marceneiro Paulo Marcelo de Vargas, 42, apresentou ao filho Nicolas, 11, e aos sobrinhos Ítalo, 5, e Vítor, 11, a sensação de controlar um carrinho de lomba. Feito por ele adicionou freio de bicicleta nas rodas traseiras. “Um sistema para dar segurança às crianças.”

O cuidado fica ainda mais evidente com o sobrinho mais novo. Vítor só pode descer junto com o tio. “As crianças nunca tinham brincado com um carrinho”, relata Vargas. O sobrinho Vítor confirma: “É muito legal. Mas tem que tomar cuidado na hora de fazer a curva, se não é perigoso capotar”, ensina.

Foram duas semanas para fazer os três carrinhos, cada um personalizado com o nome das crianças. “A juventude de hoje é diferente. Legal ter essa oportunidade para mostrar outras coisas para eles. Eu sou de uma geração que a gente vivia solto. Caía, se machucava, esfolava o joelho, mas não se preocupava com isso. Para eles que estão começando, é preciso garantir a segurança”, diz Vargas.

Paulo de Vargas com o filho Nicolas e os sobrinhos Vítor e Ítalo. Crianças nunca tinham andado de rolimã

Paulo de Vargas com o filho Nicolas e os sobrinhos Vítor e Ítalo. Crianças nunca tinham andado de rolimã

Adrenalina sem restrição

Adriana Weissheimer Simm, 34, de Lajeado, encarou a descida com um sorriso. “Eu gosto de adrenalina.” Esportes de ação têm o gosto dela. “Pratico roller sempre que posso.” Quando ficou sabendo do festival, mobilizou a família. “Falei pra todos que tínhamos de participar. Em dois dias, montamos os carrinhos.”

Com apenas 6 anos, Ravi, o filho de Greta e Luís Roberto Redecker, de Arroio do Meio, foi um dos mais novos a encarar a aventura no Boa União. “Pra mim, é quase uma obrigação dos pais mostrarem como era a infância. Tem de ensinar brincadeiras saudáveis para afastar um pouco a dependência dos eletrônicos”, afirma Greta.

Para ela, estar em família, com atividades coletivas, ajuda na formação dos mais jovens. “Tem de estimular o convívio além do ambiente virtual.” Com o Ravi, diz a mãe, tudo que envolve esporte radical ganha a atenção do menino. “Ele quer ser esportista, famoso e vendedor de doçuras” conta em meio a risadas.

Quando o pequeno soube do festival, lembra a mãe, a primeira palavra foi: “Nós vamos, né mãe?” Com um entusiasmo desse tamanho, os pais não tiveram dúvidas. “Ele estava muito ansioso.”

O carrinho de lomba, ele ganhou do avô na Páscoa de 2017. “A primeira coisa foi pintar o carrinho para vir ao festival.”

Ravi Redecker, 6 anos, estava ansioso pelo festival. Os pais, Greta e Luís, contam que o sonho do pequeno é ser esportista e vendedor de doçuras

Ravi Redecker, 6 anos, estava ansioso pelo festival. Os pais, Greta e Luís, contam que o sonho do pequeno é ser esportista e vendedor de doçuras

“Enquanto puder, vou ser criança”

A idade pouco importa. Uma afirmação que pode ser ilustrada por José Itamar Horn, 67 anos. Conhecido por Bitti, ele é um dos entusiastas dos eventos de resgate das brincadeiras antigas. “Enquanto eu puder, vou ser criança.”

Bitti enfrenta o mal de Parkinson sem lamento. “Sempre que tiver esses eventos, farei o possível para participar. Força de vontade nunca vai faltar.” Descer lomba faz parte da vida dele faz mais de 50 anos. “Em Estrela, quando eu tinha uns 10 a 12 anos, não havia asfalto. Nós descíamos na terra mesmo.”

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O aposentado foi secretário municipal entre 89 e 96. “Quando as primeiras ruas da cidade receberam o asfalto, eu juntava os jovens para andarmos de carrinho de lomba, bem no centro. Os vizinhos reclamavam, mas a gente fazia igual.”

Para ele, as brincadeiras antigas têm um papel importante para criar empatia entre diferentes gerações, em especial entre pais e filhos. “As crianças de hoje têm atrativos diferentes. Com eventos como esse, é possível mostrar novidades para que desperte neles o interesse por brinquedos de outras épocas.”

O mecânico Marco Birck inventou o Centopeia para levar pessoas que nunca pilotaram um carrinho

O mecânico Marco Birck inventou o Centopeia para levar pessoas que nunca pilotaram um carrinho

Carrinho centopeia

Quase um professor Pardal. Apelido que pode ser destinado ao mecânico do bairro Pinheiros, Marco Antônio Birck, 46. Ele construiu um carrinho com sete lugares. “Fiz pensando naqueles que não sabem pilotar. Então podem experimentar a descida sem se preocupar.”

Birck foi um dos defensores do festival. Em uma conversa com o vereador Marco Wermann, apresentou a ideia: “Eu disse, por que a gente não faz um encontro de carrinho de lomba?”

Depois disso, o assunto foi levado à Smel. “Tenho que dar os parabéns a eles. Ouviram a ideia e colocaram em prática. Agora, vemos que a comunidade está aqui, presente e feliz com o festival.”

A infância foi em Linha Glória. “Nós descíamos um morro lá. Nessa brincadeira a gente vira um pouco engenheiro, mecânico e piloto.” Com o filho Bryan e a mulher Márcia, avalia a necessidade de prezar pela segurança. “É preciso ter cuidado. No mais, é como andar de bicicleta. Às vezes pode cair e ter alguns hematomas. Mas nada grave.”

Filipe Faleiro: filipe@jornalahora.inf.br

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