“Comecei a produzir com uma panelinha de 120 litros”

Entrevista

“Comecei a produzir com uma panelinha de 120 litros”

Presidente da Girando Sol, Gilmar Bourscheid iniciou a empresa em um galpão no interior de Arroio do Meio, usando uma panela de 120 litros

“Comecei a produzir com uma panelinha de 120 litros”

Uma receita caseira de amaciante foi a inspiração para Gilmar Bourscheid criar a Girando Sol. A empresa criada em 1991 na localidade de Barra do Forqueta, Arroio do Meio, tornou-se uma das principais marcas de amaciantes da Região Sul.

Bourscheid começou o negócio sozinho, percebendo uma lacuna no mercado. Em um galpão, fazia dez caixas de amaciante por dia em uma panela de 120 litros. A qualidade do produto se destacou desde o princípio. O amaciante caiu nas graças do consumidor e impulsionou a rápida expansão da empresa.

Hoje a Girando Sol vende para o RS, Santa Catarina, Paraná, Mato Grosso, Mato Grosso do Sul, além de Uruguai e Paraguai. O mix de produtos tem 11 linhas e mais de 140 itens voltados à limpeza doméstica.

Como começa sua a história enquanto empreendedor?

Gilmar Bourscheid – Comecei acompanhando meu pai. Nos mudamos mais de 30 vezes e percorremos o RS e Santa Catarina. Por último, moramos na roça, em Picada Café, Arroio do Meio. Somos entre quatro irmãos e o pai tinha uma área de nove hectares dos quais apenas três eram cultiváveis. Nossa vida se estabeleceu lá até eu decidir sair para trabalhar na indústria. Minha família teve uma vida muito sofrida, porque meu pai contraiu tétano. Ele foi um agricultor bem- sucedido em São Carlos (SC). Também foi dono de um moinho, e depois de um mercadinho em Estrela. Meu irmão mais velho tinha uma indústria. O empreendedorismo sempre esteve no DNA da família, mas a decisão partiu das dificuldades que nós passamos no período que vai da minha infância até os meus 16, 17 anos.

Nesse período vocês já viviam em Arroio do Meio?

Bourscheid – Minha família é originária de Arroio do Meio. Meu pai de Canudos, interior de Linha 32, e a mãe do Morro Três Pinheiros. Eles casaram e se instalaram em São Carlos (SC). Sonharam, investiram e tiveram uma vida muito boa até que um dia o pai, ao tentar fazer uma injeção em um porco, o animal se mexeu, e ele acabou espetando a agulha no joelho. Contraiu tétano e ficou quase um ano de cama, entre a vida e a morte. Meu irmão mais velho era pequeno e eu nasci logo depois. Eles tiveram que se desfazer de tudo para pagar as dívidas e salvar o pai. A mãe foi muito guerreira, determinada e sustentou a família nesse período. Depois de curado, o pai começou a trabalhar em empreiteiras. Por um tempo, ele também teve esse moinho, mas decidiu voltar para o Vale do Taquari, trabalhou um tempo no Kirst, aqui em Arroio do Meio, até que decidiu voltar para a roça, pois sempre foi o sonho dele. Ajudamos o pai na roça até 1980, com todas as dificuldades de pequeno agricultor.

Como foi essa saída do campo?

Bourscheid – Em 1981 meu irmão mais velho falou para o pai que não teríamos futuro na roça e foi trabalhar numa indústria de calçados. Logo em seguida, eu fui, depois meu irmão do meio. Desde aquele momento, vi que trabalhar numa indústria era algo muito gostoso. Tive a felicidade de, em três meses de trabalho, ser designado para a chefia de um setor. Uns anos depois, fui promovido a supervisor e escalei todos os setores da indústria de calçados. Em 1991, teve uma crise nacional no ramo, que praticamente acabou com a indústria calçadista da nossa região. As fábricas Incomex e Majolo não aguentaram e acabaram fechando. Então comecei a pensar em alternativas, pois sempre tive o desejo de ter o meu próprio negócio.

2018_04_12_Divulgação_Gilmar_bourscheid

De que forma surgiu a inspiração para criar a Girando Sol?

Bourscheid – Um dia fui na casa da minha mãe e ela estava fazendo um amaciante caseiro, que perfumou toda a casa. Aquilo despertou eu e minha esposa. Eu disse para minha mãe que faria amaciante de roupa, ela deu risada. Mas quando eu saí da Incomex trabalhei numa fábrica de palmilhas e calçados em Estrela, e lidava com engenheiros químicos e produtos para o couro. Vi as dificuldades das indústrias todas e queria ter essa renda para sustentar a família. Aquele dia na casa da minha mãe, em 1991, foi decisivo para começar a empreender.

O que foi decisivo para tirar a ideia da cabeça e iniciar o negócio?

Bourscheid – Buscar as pessoas certas. A mãe tinha uma fórmula caseira, mas eu sabia que para colocar no mercado não bastava isso. Precisava ser algo industrializado, profissional e que o consumidor voltasse a comprar. Isso aprendi no setor calçadista. Fui investigar o que era esse amaciante e descobri que na época só existiam duas marcas no mercado, o Confort, da Unilever, e o Suavitel, da Colgate/Palmolive. Comecei a conversar com alguns supermercadistas para ver como estava o mercado e de fato era uma lacuna, pois as próprias multinacionais não conseguiam entregar os produtos. Estávamos saindo de um plano econômico que fez faltar tudo no Brasil. Percebi que ali havia uma grande oportunidade.

Foi difícil esse início?

Bourscheid – Sem dúvida. O primeiro passo foi ir atrás de uma fórmula industrial. Fui para Porto Alegre em uma empresa que vendia matérias-primas e tinha fórmulas prontas para esse segmento. As demais matérias-primas, como fragrâncias, frascos e rótulos, tive que encontrar no mercado. Ia sempre me inteirando sobre cada produto. Uma vez que tinha tudo isso, comecei a fazer os testes em casa. Levou de três a quatro meses. À medida que ia fazendo esses testes, distribuía o produto para os vizinhos.

[bloco 1]

Na época fui morar com a minha sogra em Barra do Forqueta, Arroio do Meio. Todos me diziam que era ótimo, e que o negócio daria certo. A indústria foi aberta no dia 1º de abril de 1991, em um galpão que existia na propriedade da minha sogra. Era um abatedouro abandonado que reformei. Comecei a produzir com uma panelinha de 120 litros. Eu mesmo fazia exatamente dez caixinhas por dia. Depois ia para a estrada no sentido a Porto Alegre, vendia as dez caixinhas na ida e passava nos fornecedores na volta. E assim fui levantando e reinvestindo capital.

Era uma operação austera?

Bourscheid – Sempre fui muito econômico, pois aprendi com meus pais a, independente das dificuldades, guardar parte dos meus rendimentos. Esse foi um grande diferencial na minha vida. Todas as indústrias de calçados que trabalhei passaram dificuldade e fiquei desempregado por um período, entre 1990 e 1991. Mas tinha esse hábito de guardar, então, quando o cavalo passou encilhado, tinha um pequeno recurso para iniciar. Minha família me ajudou muito também. Depois foi puro trabalho. Até hoje temos o hábito de guardar todo mês um pequeno percentual de faturamento, até para passar com menos dificuldades por períodos de crise.

Quando você percebeu que a empresa se tornaria grande?

Bourscheid – Eu era casado com a Nelci, mas no ano que abri a empresa ela teve um grave problema de saúde e precisou ficar internada no Hospital de Clínicas, em Porto Alegre. Ficou por mais de 60 dias. Eu produzia, aproveitava o percurso até Porto Alegre para vender os produtos e de noite ia visitá-la. De manhã, pegava as matérias-primas e produzia de tarde. Como o volume produzido era baixo, eu conseguia dar conta do recado. Mas a demanda começou a aumentar e ao mesmo tempo minha esposa piorou de saúde. Nesse período, convidei meu irmão César para trabalhar comigo. Falei para ele sobre a fábrica e disse que precisava de alguém para as vendas, porque estava com a minha esposa doente e precisava cuidar dela. Contratei ele como representante comercial, e convidei meu irmão mais novo, o Fábio, para ajudar a produzir. Então fiquei mais com a parte burocrática das compras e emissão de notas fiscais. Infelizmente em outubro minha esposa morreu, o que me trouxe uma grande tristeza. Mas são os desafios da vida, minha família e a família da Nelci me ajudaram muito a seguir em frente e elevar a autoestima. Convidei meus outros irmãos e boa parte das lideranças que temos na empresa até hoje naquele momento. Em 1992 já havíamos alugado o prédio no centro de Arroio do Meio e a empresa foi crescendo cada vez mais.

Inaugurado em 2016, complexo industrial tem 146 mil m²

Inaugurado em 2016, complexo industrial tem 146 mil m²

Como foi a decisão de investir nessa expansão?

Bourscheid – Deu um frio na barriga, mas essa sensação é diária. Sempre digo que o dia que acabar o frio na barriga acaba tudo, porque é a paixão, o desejo e ao mesmo tempo o medo de dar o passo maior que a perna. O frio na barriga é um sinal de vida, mostra que você está alinhado com a vontade de ganhar e o medo de perder. É o equilíbrio entre a razão e a emoção. Se perder isso pode estar sendo corajoso demais. Assim, a estruturação foi acontecendo. Meus irmãos vieram do ramo de calçados e todos sabiam a importância do padrão de qualidade e do foco no consumidor. A ideia sempre foi entregar um produto de qualidade a um preço justo para que ele voltasse a comprar. À medida que as primeiras pessoas foram contratadas, elas foram estruturando o seu setor. Entre 1992 e 1994 fomos crescendo desse jeito. Em 1993 compramos o primeiro computador, começamos a fazer um sistema para notas fiscais. Sempre buscamos inovar e chegou um ponto em que a venda estava tão boa, inclusive com exportações, que em 1995 começamos a ter problemas de estrutura. Percebemos a necessidade de nos organizar em termos de gestão.

Como vocês estruturaram a organização da gestão para suportar esse crescimento rápido?

Bourscheid – Para quem queria ganhar um salário ou dois para viver, se tornou algo muito grande. De vez em quando, a gente escutava uma discussão mais ferrenha e percebemos que algo precisava ser feito. Reuni as lideranças e vi que estava tudo meio bagunçado. Nos reunimos em um fim de semana, em um churrasco, e fizemos uma conversa franca. Disse que se queríamos continuar a crescer teríamos que nos organizar. Entramos no consenso de que sozinhos não conseguiríamos essa organização. Então começamos a buscar consultorias. Acabamos chegando no Sebrae, que na época tinha um treinamento chamado De Olho na Qualidade. Eram 14 módulos que falavam desde a organização, marketing, processo e atendimento ao cliente. Aquilo soou como uma música do ouvido, pois precisávamos organizar todo o processo. Foram nove meses em que fazíamos o treinamento em uma semana e na outra implementávamos o que aprendemos. Vinha um auditor para saber se realmente estávamos implementando o que era discutido. Essa organização que enraizamos em 1996 se mantém até hoje na empresa. Sempre tivemos o discernimento de, em cada dificuldade, buscar pessoas mais conhecedoras que nós para desenvolver cada ponto específico.

Governador Sartori prestigiou a inaguração da fábrica

Governador Sartori prestigiou a inaguração da fábrica

A empresa tem o hábito de contratar consultores?

Bourscheid – A empresa, de cinco em cinco anos, dá um grande salto e nos organizamos para esses momentos. Nunca nos acomodamos, e sempre buscamos soluções viáveis nas dificuldades, trazendo para consultores. Mas sempre digo para ter cuidado com falsos profetas, ainda mais hoje quando a oferta de consultorias é muito grande. Para decidir quem é o melhor, é preciso ter cuidado, em especial com os que vendem mágica. Gosto de pegar referências, saber em quais empresas estiveram, ligo para as empresas para saber como foi o processo e enxergar como a empresa trabalha. Somos criteriosos para escolher os parceiros, para que realmente possa trazer um diferencial para o negócio. Precisamos trabalhar com prazer e resolver os problemas para que não se tornem monstros, por isso, temos que trazer pessoas capazes de fazer isso. Como seres humanos, temos limitações. Não sabemos de tudo, mas existem pessoas especialistas em determinadas coisas. Se trouxermos essas pessoas para nos ajudar a um preço justo, conseguimos desenvolver as pessoas que trabalham contigo e a própria empresa.

Como a Girando Sol chegou até a fábrica atual?

Bourscheid – Após esse processo iniciado em 1996, demos um salto muito grande. Começamos a lançar outros produtos, como lava louça, água sanitária, desinfetante, que caíram na graça do consumidor da mesma forma que o amaciante. Em 2000 abrimos uma unidade em Lajeado. Em 2001, meu gerente-geral comprou uma sopradora para produzir frascos e a ideia foi tão boa que compramos dele e em 2004 abrimos uma filial em Arroio do Meio, onde passamos a produzir nossos frascos e sabão em pó. Em 2005 já tínhamos uns cem itens de estoque, e logo todas as unidades ficaram no limite. Então, ou continuaríamos alugando prédios, o que significaria um custo elevado para o corpo administrativo de cada unidade, ou construiríamos uma unidade própria. A decisão se deu em 2006, contratamos a consultoria do Valmor Klapan e elaboramos um plano que ia até 2030. Esse trabalho levou cinco anos e começamos a construir em 2011. Em 2014, no auge da obra, veio a recessão, com falta de material de construção e aumento dos preços. As matérias-primas inflacionaram de 10% a 15%. Estamos falando de R$ 4 milhões a mais do que o projetado. Nos reunimos novamente, corrigimos alguns pontos e trabalhamos para equilibrar. Inauguramos o prédio em 2016.

A crise de 2014 foi a mais difícil enfrentada pela empresa?

Bourscheid – Nestes 27 anos tivemos muitos desafios, mas a crise mais difícil foi na virada do ano 2000, quando o dólar saiu de R$ 1 para mais de R$ 4. Importávamos muito um produto específico da Alemanha, com seis meses de prazo, e nosso fornecedor nos intimou dizendo que precisavam de pagamento antecipado. Foi um ano realmente difícil, mas chamamos alguns bancos, contamos o que houve e com a dedicação de toda a equipe conseguimos superar. Temos esse grande diferencial que ajuda, uma equipe coesa e muito competitiva.

 

Acompanhe
nossas
redes sociais